Um dos maiores triunfos da Magia do Caos foi a proposta de se obter efeitos mágicos materiais num curto período de tempo. As ferramentas mais populares para se chegar a isso são os sigilos e servidores, que passaram por desenvolvimentos extraordinários nas últimas décadas. A partir de então, não era mais necessário passar por dias ou semanas de preparação ritualística, ou mesmo meses a fio para contatar o seu Sagrado Anjo Guardião, uma vez que existem opções muito mais práticas disponíveis. Na era do fast food, nada mais natural que surgisse a fast magic para acompanhá-la.
Toda novidade surge com seus animados defensores, ansiosos para desafiar a velha guarda, e também com seus adversários e opositores. É bastante óbvio observar que nenhum tipo de sistema é perfeito e, assim como qualquer outro, possui suas vantagens e desvantagens. Resta analisar se os benefícios da fast magic superam seus malefícios. E mesmo que fosse constatado o contrário, será que ela funciona? E será que ela não é útil para um grupo específico de magistas?
Muitos poderão fornecer uma série de bons argumentos para apontar o quanto macarrão instantâneo e hambúrguer com batata frita fazem mal à saúde. Ainda assim, por mais que você espalhe caveiras nas carteiras de cigarro, haverá sempre um número de pessoas que optará por tais meios para matar a fome, obter prazeres e aliviar a ansiedade. Afinal, queremos soluções imediatas: não temos tempo para outra coisa.
O fato é que as pessoas são diferentes e buscam coisas diferentes. Não adianta você clamar que descobriu que o sentido da vida é crescer em moralidade, desenvolver-se espiritualmente, ajudar os outros, conectar-se com a natureza ou dar pão aos patos. Pode ser que você tenha ótimos argumentos para defender que isso funciona para todos, de forma absoluta. E pode até mesmo ser que você esteja certo. Mas não é disso que estamos falando!
No mundo ideal, todos seríamos legais uns com os outros, procuraríamos transformar a realidade ao nosso redor na medida de nossas forças e o que não estivesse ao nosso alcance nós teríamos maturidade emocional e espiritual para aceitar. Porém, a realidade é que a maioria de nós, mesmo aqueles bem maduros e que possuem um longo e estável treinamento espiritual, fruto de anos ou décadas de prática, passamos por momentos difíceis e que exigem pensamentos e soluções rápidas.
Aqueles que são contra a prática da magia em geral, podem argumentar que o mais importante é ter uma religião e aprender a desenvolver sua espiritualidade para aceitar o que nos acontece como aprendizados, sem tentar fazer com que o mundo se dobre aos nossos pés como se fôssemos crianças. Porém, é verdade que até as grandes religiões possuem seus exemplos de “fast magic” como uma reza fervorosa em busca de ajuda num momento difícil.
Em suma, as duas modalidades são necessárias: a slow magic e a fast magic, para serem usadas em diferentes momentos da vida. É desejável desenvolver um treino longo de magia, que nos dê resultados mais duradouros e estáveis. Mas nada impede que, paralelamente a este, nós treinemos outras categorias de magias instantâneas a serem usadas conforme for necessário. Uma não exclui a outra e elas podem coexistir. Inclusive pode-se trabalhar as duas em conjunto.
De vez em quando aparecem magistas que desejam resolver tudo com sigilos e servidores. Se duvidar, usam um sigilo por minuto e são experts neles. No outro extremo, temos os magistas “espiritualistas” que defendem que a alta magia busca desenvolvimento espiritual e tudo que busca resultados palpáveis no plano material é baixa magia.
Acredito que seja possível alcançar um equilíbrio entre os dois modelos. Como foi apontado antes, a própria fast magic não é exclusividade da Magia do Caos. Eu diria até que todo sistema mágico possui magias de duração mais lenta, que geram maior estabilidade, e magias mais rápidas, ideais para situações que exigem agilidade do pensamento e intuição. Ambas são magias com graus particulares de dificuldade e que requerem treinamento específico e diferenciado.
Considero temerário classificar um tipo de magia como superior e outro como inferior. Confesso que meu exemplo anterior, comparando a fast magic com a fast food, não é exato. Ainda assim, cada pessoa possui seu estilo de vida e de magia. Há épocas da vida em que temos mais tempo para sentar, refletir e preparar um ritual mais elaborado. Mas frequentemente não carregamos um altar conosco por aí e vale a pena ter cartas na manga para esse tipo de situação.
No livro “Chaos Craft” Steve Dee aponta algumas vantagens do “slow chaos” (cujo símbolo é um caracol): ele observa que o estilo de treinamento do ocultismo ocidental é o de aprender a fazer o máximo de coisas no mínimo de tempo possível. Isso, de certa forma, reflete nosso atual sistema de ensino, em que a quantidade de coisas que aprendemos superficialmente é mais valorizado do que selecionar poucas coisas importantes para aprender, mas estudá-las a fundo. Por isso, até na Magia do Caos existe um chamado para que os magistas não permaneçam apenas no desenvolvimento de sigilos (que muitas vezes é considerado sinônimo de Magia do Caos), mas tentem se aventurar em magias mais complexas e demoradas.
E para aqueles que defendem apenas as modalidades ritualísticas de magias, deviam tentar experimentar lidar com as magias rápidas. Afinal, uma das propostas do caoísmo é testar novos paradigmas em vez de nos mantermos apenas naquele com o qual já nos acostumamos.
Em “The Book of Baphomet” Nikki Wyrd e Julian Vayne nos lembram que Magia do Caos não é apenas sinônimo de “magia com resultados”, seja ela fast chaos ou slow chaos, através da seguinte passagem:
“Críticos da magia do caos ocasionalmente entendem mal as orientações sobre ‘magia com resultados’ que os praticantes desse estilo comumente defendem. No entanto, um rito como a Missa do Caos B certamente indica um propósito mais amplo para a magia do que simplesmente um truque que tem sido caracterizado por bater punheta para um sigilo num papel de anotações para assegurar que um cheque de benefícios chegue prontamente”.
O que isso tudo significa? Que a Magia do Caos é muito mais ampla e complexa do que alguns porventura possam pensar. Sigilos e servidores são poderosas ferramentas do caoísmo, muitas vezes não devidamente valorizadas por outras correntes de magia. Mas o caoísmo não se resume a isso. É comum a elaboração de rituais e sistemas de magia complexos, para os mais variados fins. Há até mesmo aquele tipo de magia, conforme o exemplo acima, que não busca resultados imediatos. Alguns magistas só gostam de pensar na magia em termos de certo e errado: ou o feitiço funcionou ou não funcionou. É claro que essa classificação é útil para que você possa avaliar o seu progresso, mas não é a única forma de envolver-se com a magia. Como os caoístas costumam dizer, devemos tentar achar um equilíbrio entre a ânsia pelos resultados e o medo do fracasso. Lança-se um sigilo e se esquece dele depois, como recomenda Spare, e assim não nos prendemos à dicotomia “certo ou errado”. Por outro lado, não se deve deixar de lançar feitiços pelo medo de falhar.
O caoísmo não está satisfeito com sistemas fechados, com respostas e objetivos pré-prontos. Queremos imaginar novas possibilidades o tempo todo. Desejamos magia rápida. Desejamos magia lenta. Desejamos magia lenta e rápida ao mesmo tempo, ou até mesmo magia que não é magia. Tudo é permitido para aqueles que acreditam que nós ainda não conhecemos tudo o que há para se saber sobre magia e que ainda há muito para experimentar e desvendar.
Respostas de 9
Ótimo texto!
(peço desculpas pela falta de criatividade ao comentar)
@Wanju – Haha, valeu Éros!
Texto excelente.
Nunca li muito sobre a magia do caos. Há algum livro, de preferência em português, que vc recomende pra quem quer começar a estudar Magia do Caos?
Valeu.
@Wanju – Obrigada! Phil Hine é bom para começar. Acho que meus autores favoritos (Ramsey Dukes e Julian Vayne) infelizmente não tem em português. No ano passado eu montei essa lista, espero que seja útil:
http://ocultismomagnifico.blogspot.com.br/2015/07/top-10-magia-do-caos-para-iniciantes.html
Já criou servidores fazendo uso de correlações astrológicas para ”alimentá-lo” com a energia correspondente ao fim a que ele se destina, como, por exemplo, um servidor ”X” criado para incitar a Ira/ódio/determinação/coragem em determinada pessoa, então criado 22/03/16 Terça Feira às 06h00min ( Áries-Marte-Marte); ou um servidor ”Y” criado para incutir disciplina/responsabilidade/rigidez num determinado ambiente, então criado num Sábado às 06h00min ( Saturno-Saturno), usando o operador uma roupa preta, sob defumação da erva tal, entonação da nota tal, tendo como ‘receptáculo’ a pedra/cristal tal…e etc.?
@Wanju – Nunca fiz isso, mas é uma ótima ideia! Especialmente para quem é bem versado em astrologia (o que não é o meu caso). Se alguém tiver feito, tenho curiosidade de saber como foram os resultados. Parece bem promissor.
Já testei e achei funcional, sobretudo com algum conhecimento mais aprofundado dos arquétipos astrológicos. Eu costumo trabalhar agora com servidores padrões, para ting yang, para os elementos, para os signos e os planetas – costumo usar um ou outro também para atingir resultados específicos se aproveitando da leitura do céu (marte-aries para combinações de guerra, mercurio-aries para se comunicar violentamente, jupiter-peixes para o jantar de família no natal).
Boa sorte, 93!
@Wanju – Que legal! Obrigada pelo relato!
Ah, você pode usar essar datas para energizar esses servidores específicos (ou hibridos que você possa criar) e usar essa energia em outros momentos.
Maravilha cara!
@Wanju – 😉
Muito bom o texto. Quais são as dicas de bibliografia sobre o assunto? Parece muito interessante!
@Wanju – Obrigada. Indico Peter Carroll, Ramsey Dukes, Patrick Dunn, Jaq D Hawkins, Julian Vayne, Jan Fries e Alan Chapman. Fiz resenhas de alguns livros deles aqui:
http://ocultismomagnifico.blogspot.com.br/p/blog-page.html
Excelente o texto, conciso e direto ao ponto. Vou buscar alguns dos livros recomendados por você. Quem sabe encontrei um bom caminho 🙂
@Wanju – Obrigada, Victor!
Wanju sempre levantando pontos interessantes sobre MC!Como diversas outras coisas, devemos sempre lembrar que MC é uma ferramenta.Ela pode nos ajudar a seguir um caminho de evolução, mas não é um caminho de evolução em si.Que surjam mais textos como este!
@Wanju – Valeu, Krameria!