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Cabala, cabalistas e cabalismos


Círculo Iniciático de Hermes

Neste pequeno ensaio, iremos definir algumas fronteiras entre Cabala, cabalistas e cabalismos, como o nome indica, para que o estudante saiba o que é e o que não é cabala afinal de contas, num mundo onde atualmente existem mil referências, todas se proclamando verdadeiras e umas melhores que as outras. Antes de mais nada, para evitar qualquer falha de compreensão no texto que se segue, convém compreender o que significa o termo cabala.Cabala é um termo hebraico que poder ser traduzido por: tradição, herança, legado, aquilo que se recebe. No contexto de alguns rabinos modernos é a busca do equilíbrio entre o.desejo.de D’us de dar, e o desejo do homem de receber.Desde a Idade Média, com o surgimento e proliferação dos grimórios, o termo cabala também passou a ser aplicado àquilo que é secreto, misterioso ou de difícil compreensão.


Um exemplo da cultura pop é: Mick Jagger no show de Almond em 69 subiu ao palco vestindo uma roupa coberta com símbolos astrológicos e ‘cabalísticos’. Nesse show quatro fans morrem depois de uma confusão na plateia, inaugurando uma maldição dos shows dos Stones que sempre aconteceriam problemas quando executassem a música “Sympathy for the Devil” ao vivo.


O próprio caibalion leva este nome derivando-o de cabala para designa-lo como um conhecimento secreto ou divino.

Existem portanto, dois ramos essenciais que todo estudante deve saber reconhecer:

A cabala judaica, e a cabala hermética. Vamos agora desdobrar ambos para que possamos aprofundar este ensaio devidamente.A Cabala Judaica em essência, carateriza-se por utilizar extensivamente o método para a compreensão dos textos da Torah, tanto a Torah escrita (Torah shebichtáv) como a Torah oral (Torah shebealpê). E também são proibidos o uso de imagens como a Árvore das Vidas, que é extensamente descrita, mas nunca mostrada, sob o risco de idolatria. Ainda no modelo judaico, presume-se que o estudante de preferência seja homem, rabino, tenha pelo menos 40 anos, e seja casado antes de dedicar-se à cabala (existem motivos que justificam isso).

Porém, nos dias atuais, temos pelo menos 4 vertentes de estudos dentro do próprio judaísmo: * o estudo ortodoxo, que se atém à literatura e aos textos clássicos, como a Torah, o Talmud, o Zohar, o Sefer Yetzirah, o Sefer Ratziel, O Sefer Hagilgulim ( O Livro das Revoluções das Almas); O Sefer Ha Bahir (O Livro Brilhante); Likutei Amarim Tanya, etc… * a Cabala Hassídica, baseada no movimento fundado por Baal Shem Tov, mais mística, e famosa por seus símbolos e conceitos mágico/filosóficos, * O estudo acadêmico, como os estudos realizados por Gershon Scholem; * a vertente moderna, cujo maior expoente é o Rabino Michael Laitman, fundador e presidente do Centro de Pesquisa de Cabalá Bnei Baruch, que entende que o estudo da cabala é a busca do equilíbrio entre o desejo de dar de D’us e o desejo de receber do homem, postulando que seremos somente semelhantes a D’us a partir do momento em que ao invés de apenas receber, comecemos a dar, tendo forte apoio no contexto: “Amar o próximo como a si mesmo”. Esta linha se proclama herdeira moderna do movimento hassídico.


A fórmula unificadora para o estudo da cabala judaica segue a fórmula do Paraíso, ou PRDS:


A Fórmula do Paraíso (PRDS) P ashat = Literal (simples); R emez = Simbólica (insinuar); D rash = Extendida (busca); S od = Secreta (oculta).


Essa fórmula presume que para um conhecimento ser cabalístico, ele deve ser simples, insinuar um conhecimento, suscitar uma busca e deve permanecer oculto. Sem esses quatro itens cumpridos, não será um texto cabalístico.

E sobre a Cabala Hermética, a primeira distinção que ela possui é justamente a adoção do uso de imagens para transmitir o conhecimento cabalístico mesmo através da arte e da pintura. * O uso extensivo da imagem da Árvore das Vidas (etz chaim) como modelo do universo conhecido e desconhecido; * estabelece diversos paralelos entre o modelo da Árvore e outros símbolos e tradições. Podemos citar aqui a Golden Dawn, Agrippa, Crowley (no 777), e no Brasil, Del Debbio que possui diversos ensaios e painéis com esses mesmos paralelos; * Aceita a figura de Jesus Cristo, num contexto além do meramente religioso, assim como outros avatares e divindades, que possam ser encaixadas dentro do modelo.

Mas mesmo o modelo Hermético possui algumas vertentes: * A linhagem francesa, oriunda do material de Fabre D’Olivet, e seu livro “A Língua Hebraica Restaurada” de 1815, que influencia inúmeros autores, como Papus, Levi, Blavatsky, Guaita, entre outros. Mas seu conhecimento não foi tão profundo e em certa altura, seu conhecimento mostra limitações. É basicamente devido à sua influência que a cabala tem a fama de ser difícil e incompreensível. * A linhagem alemã, sob influência sefardita, vinda por Knorr Von Rosenroth, e seu livro de comentários sobre as faces de D’us no Zohar, Kabbala Denudata, que foi traduzido para o inglês por Mac Gregor Mathers, Imperator da Golden Dawn, que produziu muito material a respeito da cabala, e expandiu em muito as bases da cabala hermética, e com suas tabelas e comparações, oferece um outro modelo, mais aberto a novos conhecimentos que foi seguido por: * Aleister Crowley, que continuou os primeiros estudos da Golden Dawn publicando depois o 777, que é um conjunto de tabelas baseados na Árvore das Vidas, buscando elementos de várias tradições para que possa implementá-los nos seus rituais, além de livros como “Gematria”, e o Liber 500 ou Sefer Sephiroth. Crowley propõe ainda, que nesse contexto, a grande herança judaica é o modelo da Árvore das Vidas, que está apto a receber toda e qualquer tradição, e que as demais fontes e literaturas cabalísticas (Zohar, Sefer Yetzirah, etc…) são apenas enrolação intelectual e podem ser dispensadas sem medo.

Atualmente, muitos pesquisadores modernos seguem esta leitura de Crowley, considerando-a como ponto de apoio para seus vôos particulares.

No entanto, o método hermético também tem uma fórmula semelhante à fórmula do PRDS, que é:


Lectio Divina do Esoterismo Cristão: Lectio = Convivência; Meditatio = Companheirismo Amigável; Oratio = Amizade; Contemplatio = União


Nesta fórmula, o conhecimento é obtido através de um conhecimento teórico (lectio), da meditação (meditatio), sua aplicação ou mantrificação (Oratio) e o recebimento do conhecimento por vias místicas/contemplação (contemplatio). De onde se subentende, que a mera associação em tabelas não conduz a um pensamento cabalístico se ela não considerar esta fórmula, que semelhante ao PRDS assegura que o conhecimento mesmo através de várias Eras, seja consistente.


O objetivo de ambas as fórmulas, tem um objetivo central que é dar consistência ao conhecimento, manter um formato tradicional, e evitar desvios ao sistema original. Se essas fórmulas não são seguidas, você pode ter um cabalismo (de acordo com as definições iniciais) que seria apenas vestir algo com uma fórmula de segredo, ocultando ou revelando um conhecimento ‘oculto’. É preciso entender que a livre associação com o diagrama da Árvore das Vidas, não garante um conhecimento cabalístico se não for seguida nenhuma das duas fórmulas propostas por ambos sistemas. A livre associação produz apenas um cabalismo, não cabala. De onde que muitos autores modernos, fazem cabalismos ao invés de cabala, e quando nos cursos, orientamos a este respeito, muitas pessoas acreditam que estamos alfinetando ou dando “uma lição” em alguém. No entanto, o objetivo é apenas separar para que o estudante saiba o que ele realmente tem estudado: Cabala Judaica, Cabala Hermética ou se tem feito apenas um cabalismo.


Recado aos alimentadores de discórdia: Vale notar que o próprio Marcelo Del Debbio num post recente, coloca os parâmetros pelos quais aprendeu e define como funciona a sua pesquisa. É um texto muito interessante para aqueles que buscam ver críticas dele ao nosso trabalho ou nossos ao trabalho dele. É importante definir e perceber que cada qual tem seu método. Eu, Frater Goya, venho de uma escola mais clássica, e portanto mais “antiga” ou mais “formal”, e busco o conhecimento tradicional pela cabala judaica.


Já o Del Debbio nas suas próprias palavras: “Ao contrário da maioria dos estudiosos de Kabbalah, eu não comecei pela Cabalá. Eu já tinha uma bagagem enorme de conhecimento sobre a Arte renascentista, deuses, construção de templos e ordens iniciáticas antes de começar. Sem falar da Umbanda. Então, de certa forma, nunca me senti muito à vontade com a limitação nos 22 Caminhos tradicionais, embora eles sejam perfeitos para compreender todo o processo da Magia ocidental.” Ou seja, são visões diferentes sobre um mesmo tema e aplicações diferentes. E este ensaio que agora escrevemos visa justamente esclarecer estudantes que leem ambos autores, onde os limites se tocam e onde eles se afastam. Onde outros vêem incoerências, há na verdade trabalho.


Depois de estudar por mais de 30 anos o tema, e tendo participado inclusive de grupos de estudo dentro da Sinagoga de Curitiba, podemos perceber que a Cabala ainda é um tema inacabado, e que mesmo no seu berço, o Judaísmo, há muita discussão sobre o método correto, incorreto, etc. Portanto, podemos chegar à seguinte conclusão:

Se você pretende tornar-se cabalista, convém procurar um conhecimento mais tradicional, como os diversos métodos oferecidos pelo judaísmo. Eles oferecem muito material de base para estudo, e sua compreensão demanda tempo e dedicação, no entanto, graças à fórmula do PRDS, eles conversam entre si, e produzem um conhecimento consistente mesmo em textos separados por séculos entre seus autores.


No entanto, se você acredita, como o Crowley ou o Del Debbio, que pode desenvolver um pensamento cabalístico hermético sem depender dos clássicos judaicos, então sua opção pode ser a Cabala Hermética, que permite uma liberdade maior, desde que respeitada a Lectio Divina.


Ou ainda, se nem um modelo se adapta a você, e você não deseja estar preso nem mesmo à Lectio Divina porque acredita que ela limita sua compreensão do sistema, daí você precisa estar atento que não produz nada relacionado à cabala, mas está fazendo apenas “cabalismo”.

Em L.L.L.L., Frater Goya


@MDD – Só um adendo, se me permite: O Crowley caminhava para a compreensão da Kabbalah Hermetica com o auxílio e referencias do hinduismo e do tantra; eu gosto da Umbanda porque está mais acessível ao público leigo. Mas tenho certeza que, se o Crowley tivesse tido a oportunidade, ele também frequentaria os terreiros 😉

Adendo ao adendo do @MDD: Sim, com certeza ele iria colocar mais esta referência no 777. Até por um motivo muito simples: Creio eu que na época dele, não havia nenhuma catalogação sistemática da religiosidade africana e tampouco afrobrasileira. E para aqueles que já me perguntaram a respeito, hoje, depois de muito estudar, vejo a Goetia quase como candomblé ou quimbanda de Europeu. Haja vista que na época do Brasil Colônia haviam muitos portugueses também envolvidos com a religiosidade afrobrasileira. Houve inclusive processos de inquisição no Brasil. Há um estudo de uma doutoura da USP sobre este tema chamado “O Diabo na Terra de Santa Cruz”.


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