Retirado de “Rumi – A dança da alma”; poesia de Jalal ud-Din Rumi e comentário de Rafael Arrais (*)
Vem, vem, seja você quem for,
não importa se você é um infiel, um idólatra,
ou um adorador do fogo;
Vem, nossa irmandade não é um lugar de desespero;
Vem, mesmo tendo violado seu juramento cem vezes,
vem assim mesmo.
Vem,
lhe direi em segredo
aonde leva esta dança.
Vê como as partículas do ar
e os grãos de areia do deserto
giram desnorteados.
Cada átomo,
feliz ou miserável,
gira apaixonado
em torno do sol.
Ninguém fala para si mesmo em voz alta.
Já que todos somos um,
falemos deste outro modo.
Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma.
Fechemos então a boca e conversemos através da alma.
Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo.
Vem, se lhe interessa, posso mostrar.
Comentário
Muitas doutrinas religiosas falam num deus vingativo que punirá nossos pecados, mas na etimologia da palavra “pecado”, na essência de seu significado original, temos uma ideia de errar o alvo, ou de estar ainda aquém do ideal.
Ao contrário dessas lendas de julgamento divino sumário, seguindo este conceito de pecado podemos imaginar que quem erra o alvo, tem ainda a oportunidade de tentar novamente, até que um dia acerte, e dê mais um passo nesta dança.
Há sempre tempo de recomeçar: o problema não é ter errado o alvo, mas continuar errando, conscientemente, e fingir que não sabemos disso. Não à toa, essas mesmas lendas nos dizem que podemos nos redimir de pecados realizando oferendas ou recitando orações por horas a fio. Mas, de que isso adiantaria? Para acertar, talvez seja preciso errar algumas vezes. Continuar errando, e acreditando que o erro se remenda com oferendas e orações, é uma receita para a estagnação. E a Natureza não suporta a estagnação: tudo precisa caminhar à frente, sempre!
Dessa forma, aquele que tem progredido nesta dança, onde quer que esteja estará edificando um céu em sua própria consciência, em sua própria alma. Ao passo que aquele que insiste em continuar estagnado, e insiste em ignorar aos alertas da própria alma, fingindo nada sentir, ergue um tenebroso inferno dentro de si mesmo, e o carrega consigo aonde quer que vá. Eis como se torna muito mais simples compreender ao céu e ao inferno: não como locais lendários, mas como estados da alma.
Ninguém dança parado no lugar.
Mas, quem aceita o convite de Rumi, realiza a dança da alma: feliz ou miserável, já dança ao redor do céu.
Para entrar, enfim, basta se apaixonar – em plena dança…
Eu não acredito num deus que não saiba dançar. Eu não acredito numa irmandade que não esteja já a dançar, junto ao Amado.
O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.
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Respostas de 2
Nem você nem Nietszche…
Todos querem deuses dançarinos.
@raph: 🙂
a primeira vez que eu li essa poesia eu arrepiei, minhas pernas bambearam e meu corpo tremeu. Compreendi ela não apenas com minha mente, mas também com meu coração