“Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós!” [1]
Quem disse isso foi um dos bigodudos mais geniais da filosofia, e também um dos maiores escritores da história. Muitos “ateus militantes” tem elegido Friedrich Nietzsche, filósofo alemão que viveu no fim do século XIX, como um de seus grandes “heróis”. Talvez pelo fato de o próprio Nietzsche ter se auto-intitulado um ateu:
“Para mim o ateísmo não é nem uma consequência, nem mesmo um fato novo: existe comigo por instinto” [2]
Basear argumentos com base na opinião de escritores famosos não deixa de ser uma falácia do apelo à autoridade – não é muito diferente de defender a infalibilidade da bíblia com base no que algum papa antigo disse sobre o assunto -, mas funciona… As pessoas ficam impressionadas – “nossa, esse bigodudo escrevia muito bem, se ele falou que Deus está morto, é bem capaz de estar mesmo!”.
Estamos mesmo na era das generalizações apressadas, talvez porque com a internet os pequenos pedaços de informação tenham sido compartilhados de forma cada vez mais frenética… Faz muito efeito citar Nietzsche em 140 caracteres e completar com algo como #orgulhoateu ou coisa do gênero.
Você deve estar achando que eu estou aqui para criticar os ateus, mas não é bem esse o meu ponto: quero criticar nossa tendência a ler frases, e não parágrafos, páginas, livros, ou quem sabe até boa parte da obra e da biografia de um dado filósofo, e interpretar a crença alheia de forma super simplificada, tornando nosso próprio conhecimento um tanto quanto superficial.
E o pior de tudo é que muitos nem se dão ao trabalho de perder uns 30 minutos na própria internet para se inteirar mais sobre o assunto. É muito simples chegar a esta interpretação um pouco mais profunda da frase de Nietzsche, pesquisando na Wikipedia:
“A morte de Deus representa metaforicamente o fato dos homens não mais serem capazes de crer numa ordenação cósmica transcendente, o que os levaria a uma rejeição dos valores absolutos e, por fim, à descrença em quaisquer valores. Isso conduziria ao niilismo, que Nietzsche considerava um sintoma de decadência associada ao fato de ainda mantermos uma sombra, um trono vazio, um lugar reservado ao princípio transcendente agora destruído, que não podemos voltar a ocupar. Para isso ele procurou, com o seu projeto de transmutação dos valores, reformular os fundamentos dos valores humanos em bases, segundo ele, mais profundas do que as crenças do cristianismo.
Segundo ele, quando o cheiro do cadáver se tornasse inegável, o relativismo, a negação de qualquer valoração, tomaria conta da cultura. Seria tarefa dos verdadeiros filósofos estabelecer novos valores em bases naturais e iminentes, evitando que isso aconteça. Assim, a morte de Deus abriria caminho para novas possibilidades humanas.”
O bigodudo atacava a religião institucionalizada, baseada em dogmas “castradores do potencial humano”. Seu alvo era, sobretudo, as igrejas baseadas no cristianismo. Segundo o filósofo alemão, “o evangelho morreu na cruz”…
Ora, o que Nietzsche anunciou não era nada de novo, muitos antes dele já haviam anunciado a decadência da igreja, e uma nova oportunidade para a ascensão da religião livre, da espiritualidade genuína [3]. Poderíamos retornar até muito mais no tempo, mas bastará lembrar de Benedito de Espinosa, o grande filósofo holandês que foi excomungado do judaísmo. Espinosa, em sua Ética, havia chegado à conclusão de que “uma substância não poderia criar a si mesma, mas haveria de ter criado tudo o que há”.
A grande peça oculta do Iluminismo também foi acusado de ateísmo – mas é preciso ser racionalmente cego para acusar Espinosa de não acreditar em Deus. Toda sua obra foi dedicada a Deus… Conforme Borges bem disse em sua homenagem em forma de poema: “O feiticeiro insiste em esculpir a Deus com geometria delicada” – Mas, que espécie de Deus estaria visualizando Espinosa do alto de sua grandiosa racionalidade geométrica? Seria um Senhor dos Exércitos? Seria um deus que opera barganhas com os homens? Seria alguma espécie de avatar divino encarnado em algum profeta?
Embora possamos hoje chamar de ateu aquele que não acredita em um Criador nem tampouco em deus algum, na época de Espinosa, de Jesus, e até mesmo de Sócrates, ser acusado de ateísmo era ser acusado de não seguir a cartilha religiosa da igreja dominante, era ser acusado de subverter dogmas, de rezar secretamente, quem sabe, para “algum deus estranho e desconhecido, que ninguém sabe onde está e nem exatamente como é”… Ora, não se enganem: Espinosa foi excomungado por ser ateu! Jesus foi crucificado por ser ateu! Sócrates se viu condenado a beber veneno por ser ateu!
Mas, é claro, todos esses acreditavam em algum Criador… Esbarramos aqui em um profundo problema etimológico. É como pedir para um grupo de pessoas interpretar a frase “disciplina é liberdade” – cada qual vai interpretá-la, obviamente, de acordo com sua própria definição dos termos “disciplina” e “liberdade”. E, por mais que tais conceitos já sejam capazes de gerar uma imensidão de interpretações diversas, mesmo combinados eles mal chegam aos pés das quase infinitas interpretações para que se responda a pergunta “o que é Deus para você?”.
Nietzsche também era um filósofo profundamente espiritual, o que pode ser constatado facilmente em uma de suas obras primas, Assim falou Zaratustra. Mas, e qual seria a visão que o bigodudo tinha de Deus? Talvez este poema, que ele escreveu na juventude, possa nos dar uma boa pista:
Antes de prosseguir em meu caminho
e lançar o meu olhar para frente uma vez mais,
elevo, só, minhas mãos a Ti na direção de quem eu fujo.
A Ti, das profundezas de meu coração,
tenho dedicado altares festivos para que, em
cada momento, Tua voz me pudesse chamar.
Sobre esses altares estão gravadas em fogo estas palavras:
“Ao Deus desconhecido”.
Seu, sou eu, embora até o presente tenha me associado aos sacrílegos.
Seu, sou eu, não obstante os laços que me puxam para o abismo.
Mesmo querendo fugir, sinto-me forçado a servi-lo.
Eu quero Te conhecer, desconhecido.
Tu, que me penetras a alma e, tal qual turbilhão, invades a minha vida.
Tu, o incompreensível, mas meu semelhante,
quero Te conhecer, quero servir só a Ti.
Oração ao Deus desconhecido (traduzido do alemão por Leonardo Boff) [4]
Existem algumas interpretações bem detalhadas sobre o motivo de Nietzsche ter escrito um poema tão profundamente espiritual, e tão aparentemente teísta, mas o que nos importa aqui é reconhecer a complexidade inata da relação que cada ser tem com Deus – e, quanto mais sábio este ser, mais deliciosamente complexa será sua interpretação, pelo menos se a formos tentar resumir com meras palavras, que no fundo são apenas cascas de sentimentos…
Se você crê ou não nalgum Criador, contente-se com sua própria crença ou descrença, pois a não ser que faça parte de alguma comunidade eclesiástica profundamente ortodoxa e dogmática, é bem provável que a interpretação do que seja Deus de seus semelhantes, mesmo aqueles mais próximos e queridos, seja algo diversa da sua própria… Uns crêem em líderes militares que comandam povos escolhidos, outros em um pai bondoso muito velho e de barba perfeitamente branca, outros em um avatar que encarnou na Terra e ressuscitou 3 dias após ser crucificado, outros em alguma espécie de ser de pela azulada que gosta muito de música e dança, outros apenas em um conceito de libertação da mente do sofrimento mundano, outros na mãe natureza, outros em uma substância que abarca a tudo e a todos, outros num evento aleatório que gerou leis profundamente simétricas por todo o Cosmos… E, quem sabe, cada um deles tenha conseguido visualizar um pequeno pedaço do incompreensível, do desconhecido, do nosso mais profundo semelhante.
Mas não adianta apenas crer, é preciso se mover em sua direção. É preciso amar. Julguemos os seres por seus frutos, por suas obras; Pois julgá-los por suas crenças ou descrenças não é muito diferente de julgar que Nietzsche era apenas mais um louco, apenas porque achamos o seu imenso bigode um tanto quanto fora de moda…
***
[1] Retirado de A Gaia Ciência, de Friedrich Nietzsche.
[2] Retirado de Ecce Homo, de Friedrich Nietzsche.
[3] Embora todo seguidor de igrejas seja religioso, nem todo religioso é um seguidor de igrejas. Religião vem do latim religare e significa “religação a Deus ou ao Cosmos”, enquanto que Igreja vem do grego ekklesia e significa algo como “a comunidade dos escolhidos por Deus”. É claro que é possível seguir uma doutrina eclesiástica ou algum dogma e ainda assim ser genuinamente religioso e espiritual, mas a maioria se contenta em repetir orações decoradas uma vez por semana, e esperar pelo tão aguardado céu de ócio eterno… A crítica de Nietzsche era endereçada diretamente e esses últimos.
[4] O texto em alemão pode ser encontrado em Die schönsten Gedichte von Friederich Nietzsche, Diogenes Taschenbuch, Zürich 2000, 11-12 ou em F.Nietzsche, Gedichte, Diogenes Verlag, Zurich 1994. Ver também o artigo Wotan, por Carl Jung; e também este trecho do livro Nietzsche, God and the Jews, por Weaver Santaniello.
***
Crédito das imagens: [topo] Bettmann/Corbis (Nietzsche); [ao longo] Philippe Lissac/Godong/Corbis (imagem de Krishna quando criança)
O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.
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Respostas de 18
Falando em Nietzsche, dois dos principais erros ou falhas que muitos estudiosos cometem é: Primeiro, que ele estava infectado um bom tempo por sífilis e por um espírito poético que nunca o deixou, as pessoas esquecem que há um homem por trás da máscara do filósofo que cria todas suas idéias a partir do que ele viveu; Segundo, que a raiva de Nietzsche, uma ótima ferramenta contra o dogmatismo tirânico, estava direcionada aos efeitos sociais da religião. A raiva de Nietzsche não é contra Deus, é contra as tiranias, sutis ou violentas em nome da religião. Eu evito citar autores ou evocá-los em uma discussão, teoria ou formação de argumento, justamente pelo o que foi dito texto e porque isto incorre em seguir o caminho de outrem. Este é um pequeno detalhe que o orgulho do fanático impede de enxergar. Sobre o Niilismo, em relação a vários autores de várias épocas, é uma ótima ferramenta para fazer perguntas e formular hipóteses a partir da destruição dos valores. O choque da quebra da crença é um esplendor necessário. Será que o fanático nunca terá este prazer?
@raph – Acho que a primeira coisa que devemos ter em mente ao interpretar Nietzsche é a noção de que ele era mesmo um pensador fora de seu tempo, mas não que estivesse no futuro (ou apenas pensando no futuro) mas, pelo contrário: na antiguidade; No melhor sentido do termo – quando os pensadores eram também poetas.
Ola
Na minha distante meninice, há quase sessenta anos, quando tinha seis anos, fui colocado por minha mãe para fazer o catecismo numa igreja do bairro onde morávamos em Sorocaba.
Meu ´pai era maçon, assim como meu avô, porém, embora se dissessem cristãos para efeitos sociais, vim a saber posteriormente que não eram. Assim como soube também que minha avó paterna não o era.
Um dia ao retornar do catecismo afirmei espantado, para meu pai, que considerava o inferno um horror, ao que este perguntou quem me havia falado do inferno, ao que respondi que teria sido o padre na conversa no catecismo. Meu pai, muito tranquilo, disse que pelo que sabia ninguém havia retornado do inferno para poder dizer como era. Meu avô, espanhol galego, disse que o horrível não era o inferno, mas, sim, a cabeça dos padres que criaram tudo aquilo.
Nesse momento, minha avó que passava e ouviu minha conversa, chamou-me de lado e perguntou se eu gostaria de conhecer um lugar onde se praticava a magia negra, ao que respondi que sim, na minha curiosidade de menino.
Somente para se entender a coisa, Sorocaba é uma cidade que teve uma imigração espanhola muito grande, dos diversos povos que habitam a espanha, mas, principalmente galegos, asturianos,bascos e cantabricos, então nossa vida era permeada por contos sobre lobisomens, vampiros, bruxos e magos, mas, isso não quer dizer que eles acreditavam nisso, mas, se divertiam falando sobre isso com os caipiras. Minha avó tinha fama de bruxa por ser expert em ervas e saber curar.
Dois dias depois ela me levou para ver onde se praticava a magia negra, e para meu espanto fomos parar na mesma igreja onde eu fazia o catecismo. Explicou-me que toda a religião onde o sangue é exacerbado, é onde se pratica o lado negro da magia. A partir daí passou a mostrar-me o interior da igreja. Nunca tinha percebido como em todas as figuras o sangue era abundante, cheguei a ficar enjoado e sentindo o cheiro de sangue.
A partir daí minha avó passou a me ensinar sobre suas crenças, as quais somente fui começar a entender toda a sua profundidade quando adquiri mais idade e conhecimento.
Minha avó explicou que era galega, do povo celta, que em razão das perseguições religiosas praticadas pelos judaico cristãos, escondia sua verdadeira fé, e para não correr riscos dizia-se cristã. Segundo ela, durante 1700 anos as mulheres de sua familia passavam os conhecimentos de mãe para filha e somente agora quando o catolicismo já não tinha mais tanta força e não mais matava, ela estava quebrando a regra e ensinando para um homem de sua familia.
Ela disse que de má fé ou por ignorância, os cristãos afirmavam uma série de idiotices sobre as crenças dos celtas, passando da afirmação de que viviam num mundo cercado de espíritos até a que cultuavam e temiam infinitos deuses.
Na realidade acreditavam numa grande força criadora, e os diversos deuses nada mais seriam do que as inúmeras manifestações da energia criadora do universo, a quem se davam os mais variados nomes para não ficarem citando, por exemplo, a grande energia do sol, ou a grande energia do raio, a grande energia que faz germinar a terra e outros.
Sabiam que à grande força criadora não adiantava pedir, pois esta não os atenderia, mas, que vibrando na mesma faixa da energia do universo e quando todos vibravam em uníssono, nos cultos ciclicos durante o ano, criavam uma capacidade de produzir resultados, o que em outras religiões, principalmente nas de origem judaica é chamado de milagre.
Ela sempre dizia que a grande força criadora do universo, a inteligência que permeia cada átomo, cada célula, fazendo com que cada um saiba o que deve ser feito, é uma força aética, amoral, sem nenhum dos sentimentos que regem os humanos, não atendendo a rogos ou prantos, pois, na sua impessoalidade de energia pura ignora totalmente os problemas da humanidade. A Grande inteligência criou tudo de forma ordenada, encadeada, para funcionar corretamente, sendo que cada ser tem sua serventia e será alimento dentro da cadeia alimentar, inclusive os humanos. Criou inclusive as exceções, isto é, a regra e o caos, também com suas regras.
A vida não tem nenhum sentido a não ser a própria vida, e para a Grande Força o essencial é que se viva e morra, gerando durante a vida um excedente de energia que segue para o grande bloco de energia universal. Istoé, a energia criadora se alimenta do excedente de energia de todos os seres criados pelo sistema gerado por essa inteligência. Dizia que a vida é uma infestação, existindo em todos os lugares do planeta, inclusive vidas dentro de outra vida. Dizia que o universo pulula de vida e que a grande imbecilidade humana é acreditar ter mais importância do que as demais vidas.
Dizia que todas as religiões ditas de revelação na realidade eram primárias e calcadas na ignorância.
@raph – Roberto, a sua avó sabia das coisas; E quem quer que use sangue (de verdade) em rituais, ainda precisa aprender muita coisa… Mas isso não quer dizer que todos os celtas foram sábios, nem que todos os cristãos são ignorantes da verdadeira espiritualidade. Na verdade, existe gente em todo lugar no mais variado grau de consciência, por isso também o Cosmos está abundante de vida: pois cada um está onde conseguiu chegar… Dito isso, é óbvio que as revelações dogmáticas não nos ajudaram muito, nesse ponto os druidas celtas estavam pelo menos dois passos a frente – a conquista de si é bem melhor que uma revelação “de fora” 🙂 Abs–raph
Ola Raph
Obrigado por sua gentileza em apartear. O texto do blog é muito bom.
A velha senhora dizia sempre que nos rituais tanto fazia que o sangue fosse real ou simbólico. Costumava dizer que os cristãos eram teofágicos simbólicos.
Dizia que quem cria em boa fé, como a maioria, não tinha responsabilidade pelas imoralidades de quem regia a fé.
Lógico que existem pessoas altamente espiritualizadas em qualquer das religiões ou em qualquer dos povos, porém, apenas os que pertenciam às religiões criadas pelos judeus – cristianismo, islamismo e mormonismo estão propensos a criticar. perseguir e discriminar por motivos religiosos, já que todas as outras religiões não se importam em que as pessoas creem, pois herdaram o exclusivismo criado pelos judeus.
Parabéns novamente e gostei muito de poder participar.
@raph – O pior é que se formos ver, a maior parte dessas “inquisições” não tinha nada de espiritual, buscavam quase que o oposto: apenas terras e poder sobre quem vivia nelas. Não existem guerras santas, existem apenas guerras mesmo… Acho que foi aquele inquisidor quem resumiu melhor: “Matem todos, e deixem que Deus salve os seus”. Este não faz a menor ideia do que seja Deus…
Linda história.
Obrigado por compartilhá-la.
Obrigado por compartilhar. Um profundo e belo ensinamento (em poucas palavras – se compararmos com extensos livros sobre o assunto…) que irá beneficiar muito mais pessoas também.
Roberto, eu acho que o seu texto merecia um post no blog.
Fiquei sem palavras. Fantástico.
Sinto uma felicidade notálgica em ler seus dizeres. Meu grande respeito pela forma que você escreve, cresce mais a cada dia.
Agradeço por essas breves palavras que apesar de não se aprofundar, são realmente relevantes. Também, para se aprofundar nesse tema teria que surgir daqui um livro. AHAHAH
Assim seja.
@raph – Obrigado Silvestre, bom saber que cascas de sentimento as vezes também podem fazer sentimentos inteiros aflorarem 🙂
Na verdade este artigo faz parte de um tema bastante recorrente nos meus textos (na maioria das vezes de forma oculta), mas acredito que esta série sobre a linguagem seja onde eu mais me aprofundei no problema do “Deus de cada um”: http://textosparareflexao.blogspot.com/2010/01/reflexoes-sobre-linguagem-parte-1.html
Ola
Sempre gostei muito de Nietzsche, embora eu o considere carola demais para o meu temperamento.
Ele viveu num período em que surgiram inumeros pensadores que alteraram o modo de pensar religioso, tomemos por exemplo, Helena Blavastski, Allan Kardec, Annie Besant, e muitos outros.
@raph – Acho que Nietzsche não fazia a menor cerimônia em ser ácido, ferozmente crítico e, tantas vezes, apenas incrivelmente chato mesmo… Mas, era poeta e escrevia assombrosamente bem, isso não podemos lhe tirar.
E por falar em escrever bem, Raph, está cada vez melhor. Eu te acompanho no seu blogo há algum tempo e posso perceber que a cada texto que escreve sua capacidade literária está cada vez mais afiada. Um grande abraço e obrigado por este lindo texto.
@raph – É eu as vezes vejo meus textos de 2006, 2007, do blog, e vejo que melhorou bastante mesmo.. Interessante é que o primeiro artigo do blog se chama “O grande salto”, e apesar de hoje não gostar muito dele, serve como evidência desse tal salto literário 🙂
Este é ainda um bônus: além de organizar minhas própria ideias e poder refletir com vocês, ainda vou evoluindo na escrita.
Analogamente, temos Alberto Caeiro. O Guardador de Rebanhos foi o primeiro texto que li, cujo conteúdo me fez pensar mais profundamente na concepção de Deus, em sua concepção vulgar e o que poderia ter ela além disso, de mais profundo… E perceber que Deus na verdade não é nada parecido com o Deus do umsabadoqualquer que normalmente existe na mente das pessoas.
“(….)
A chuva chovia do céu
E enegreceu os caminhos…
Quando os relâmpagos sacudiam o ar
E abanavam o espaço
Como uma grande cabeça que diz que não,
Não sei porquê — eu não tinha medo —
Pus-me a rezar a Santa Bárbara
Como se eu fosse a velha tia de alguém…
(…)
(Que artifício! Que sabem
As flores, as árvores, os rebanhos,
De Santa Bárbara?… Um ramo de árvore,
Se pensasse, nunca podia
Construir santos nem anjos…
Poderia julgar que o sol
É Deus, e que a trovoada
É uma quantidade de gente
Zangada por cima de nós…
Ali, como os mais simples dos homens
São doentes e confusos e estúpidos
Ao pé da clara simplicidade
E saúde em existir
Das árvores e das plantas!)
(…)
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.
(…)”
@raph – É por isso que Pessoa era o Guardados de Sonhos, o Fingidor que finge ser personagem o personagem que deveras também o é (ou parte de seu próprio “panteão do eu”). Ainda assim, ou até mesmo por isso, foi também um ocultista…
Olha só como são as coisas… nesses ultimos dias decidi começar a ler obras filosóficas para finalmente me aprofundar nesse tipo de pensamento e disciplina (e pra justamente não ficar só nos aforismos e bordões avulsos) e a primeira obra escolhida foi justamente o “Assim Falou Zaratustra”.
Já no primeiro capítulo, ainda no prólogo, eis os deliciosos versos os quais me deparo:
—
Aos trinta anos de idade, deixou Zaratustra sua terra natal e o lago de sua terra natal e foi para a montanha. Gozou ali, durante dez anos, de seu próprio espírito e da solidão, sem eles se cansar. No fim, contudo, seu coração mudou; e certa manhã, levantou-se ele com a aurora, foi para diante do Sol e assim lhe falou:
“Que seria a tua felicidade, ó grande astro, se não tivesses aqueles que iluminas!
São dez anos que sobes à minha caverna; e já se te haveriam tornados enfadonhos a tua luz e este caminho, sem mim, a minha águia e a serpente.
Mas nós te esperávamos todas as manhãs, tomávamos de ti o teu supérfluo e por ele te abençoávamos.
Vê! Aborreci-me da minha sabedoria, como a abelha do mel que ajuntou em excesso; preciso de mãos que para mim se estendam.
Eu desejaria dar e distribuir tanto, que os sábios dentre os homens voltassem a alegrar-se de sua loucura, e os pobres, de sua riqueza.
Por isso, é preciso que eu baixe às profundezas, como fazes tu à noite, quando desapareces atrás do mar, levando ainda a luz ao mundo ínfero, ó astro opulento!
Como tu, devo ter o meu ocaso, segundo dizem os homens para junto dos quais quero descer.
Abençoa-me, pois, olho tranquilo, que pode, sem inveja, contemplar uma ventura ainda que demasiado grande!
Abençoa a taça que quer transbordar, a fim de que sua água escorra dourada, levando por toda parte o reflexo da tua bem aventurança!
Vê! Esta taça quer voltar a esvaziar-se e Zaratustra quer voltar a ser homem.”
Assim começou o ocaso de Zaratustra.
—–
A partir dessas poucas linhas, me convenci completamente de que Nietzsche é muito mais do que o mero ateu fundamentalista que os ateus-de-quarto-e-internet querem deixar transparecer. Nunca esperava tanto simbolismo e profundidade poética do homem o qual joçosamente “matou Deus”. Simplesmente, estou impressionado!
Nietzsche sabia muito mais das coisas do que sonha nossa vã historiografia…
@raph – Como disse, ele nunca fez nenhuma questão de parecer “boa praça” e/ou “bonzinho”, mas isso não significa que não tivesse profundidade espiritual. Claro que, muitas vezes, vai dizer uma ou outra coisa que servirá apenas de pura provocação (e realmente é uma provocação), mas isso é coisa que ele pouco usou neste livro em específico, que talvez seja o melhor dele (eu também comecei deste, embora o “Gaia Ciência” provavelmente seja mais fácil de ler como forma de introdução ao seu pensamento).
Sim, sim! E ao que me parece debaixo de toda essa arrogância (ou, para ser mais humilde, “suposta arrogância) existe alguém com um pensamento demasiado profundo que encontrou somente na linguagem poética um meio conciso de expressar suas ideias, tamanho o “buraco” filosófico as quais se encontram.
O que mais me surpreendeu no pouco que eu já li na obra de Nietzsche é a quantidade de correlações quase que totalmente claras da sua filosofia com alguns aspectos do Ocultismo. A doutrina do super-homem me parece deveras idêntica ao conceito cabalístico de Tipheret, o Eu Superior, ou em suas próprias palavras, do “homem que deve ser superado”. Várias vezes também o super-homem é comparado ao Sol (símbolo mais manjado de Tipheret) e sobre a questão do sacrifício do homem ao andar pela corda-bamba. Além disso, há as ideias do espírito de gravidade (absurdamente relacionadas a Saturno), das questões da generosidade, do nunca “negar-se a vida” (o falso escapismo de alguns teólogos a respeito do Mundo Material) e etc.
Ironicamente, recomendaria Nietzsche a qualquer um que busca uma religiosidade na sua vida. Está ajudando absurdamente na minha…
Não é à toa que o seu maior medo era o “de se tornar um santo”. Eis que o desgraçado quase conseguiu isso!
@raph – Na juventude ele teve experiências que poderiam ser classificadas com mediúnicas, há também uma possibilidade de que sua loucura fosse antes fruto de uma mediunidade mal resolvida do que da sífilis (como normalmente se diz).
Ele escreveu poemas em homenagem a Wotan, por exemplo, um deus da mitologia nórdica… Mesmo o poema do artigo, de certa forma, é dedicado a Wotan. Se pode ler em inglês, vale a pena pesquisar pelo termo “Nietzsche” aqui, e ir acompanhando o que Jung diz dele: http://rhizome.org/discuss/view/42457/
O que sei é que ele conhecia o paganismo a fundo, particularmente o paganismo praticado na Grécia Antiga…
É incrível como as coisas são! Eu deveria estar preocupado com fim do mês com as contas a pagar, com o que vou vestir com onde vou arranjar sexo, abrigo, conforto e segurança… Mas hoje não sai de meu quarto, não pronunciei nem uma palavra, não respondia perguntas de ninguém, e nem a seus chamados apelativos.
São 00:38 e é a primeira vez desde a mesma hora de ontem que me comunico e não por palavras. Existe um altar vazio, em lugar mental que só eu sinto e vejo, nele acho eu está o “DEUS” invisível e verdadeiro, mas em minha frente vejo caminhos e mais caminhos, pra cada continente um mais acessado , e outros variáveis para cada país e cada cultura, o invisível me parece o DEUS de verdade, mas parece que as “versões” que por ai andam respondem e atendem, e o verdadeiro está ocupado demais, ou é importante demais para prestar atenção ao meu conflito.
Seria eu o perfil padrão do condenado? ou um sedento e surdo? ou surdo é a força maior por desejo própio? é DEUS o maior de todos os egoistas?
Não consigo por mais que já tentei crer de coração em planos salvadores cristãos , ou condenadores eternos, e não faço isso por má intenção simplesmente é assim comigo e não consegui mudar esses parametros até hoje!
o que voce fez? como agiu diante destes dilemas e que resultados obteve?
Não acho mesmo que vc tenha as respostas que a bíblia(atual), a torá,o zohar, o ari ou o alcorão já não tenham dito mas preciso argumentar e arrazoar sobre o fato pois não fazer nada a respeito pra mim já o início de um suicídio.
@raph – Se Deus é pensado como um Ser, ou apenas como um Ser, racionalmente e intuitivamente chegaremos a dilemas sem volta, a paradoxos irreconciliáveis, e invariavelmente dia chegaremos a uma certa descrença. Mas, então, será o início, e não o fim… Pois quando finalmente percebermos que Deus é Substância, a Substância que não pode criar a si mesma, o Uno que formou tudo o que há através do Movimento, então teremos a genuína experiência de estarmos encharcados por seu Oceano onde quer que cheguemos, em todos os momentos da existência… Então começaremos a compreender que todos somos parte dele, e todos estamos conectados numa longa teia de luz. E saberemos que é o Amor, só o Amor, a essência de seu Movimento. Então passaremos a amar, pelo prazer de amar, pois o Amor é sua própria recompensa, e quanto mais arde em nossa alma, mais combustível há para que o fogo cresça ainda mais, cada vez mais… E não teremos nada pelo que crer ou descrer, nem nada a temer. Teremos dado o primeiro passo no caminho, e depois do primeiro já saberemos que a época da escuridão da alma ficou para trás. Será o início da vida, e o fim da sobrevivência. Mas nada disso se aprende lendo palavras – o Amor não é uma palavra.
Sei como se sente! Mas a reposta está dentro de você, não fora.
Nenhum Deus e nenhuma pessoa lhe dará as repostas para as perguntas que te afligem.
Quando eu era criança achei que quando ficasse mais velho o mundo me daria todas as respostas. Mas ele só me trouxe mais perguntas.
Como explicar as incongruências e injustiças da vida, mesmo na nobreza de espírito?
E se a vida acabar aqui, qual o sentido de se viver? Existe vida além da morte?
Talvez a reposta para o que incomoda 99% das pessoas esteja muito mais perto do que elas imaginam, e NÃO seja exatamente a reposta para essas questões.
Imagine você num ambiente onde há um nº infinito de paredes, cada uma com uma marca redonda de 1cm de raio. A 5 metros, identifico uma parede e peço a você que aponte seu dedo em direção a essa marca, neste momento imagine uma reta imaginária sobre o seu dedo que começa no seu pulso e termina na parede. E você aponta corretamente a marca. Então, te dou um binóculo e peço para que você aponte a marca de uma parede que está a exatamente 700 metros de você. Neste momento as chances de acerto são menores, mas ainda possíveis. E você acerta novamente. Entretanto, haverá marcas em paredes cujas distâncias tornarão fisicamente impossível qualquer chance de acerto.
Agora, imagine que cada marca significa uma “verdade” em sua vida.
Estimar respostas para perguntas como “Qual religião está correta?” ou “Deus existe?” é tentar apontar corretamente para uma marca que está a milhares de quilômetros de distância.
Mas isso não significa que não existe “verdades” em nossas vidas, nem que não exista respostas para essas questões.
Talvez o grande segredo esteja no foco que damos as coisas!
Se focarmos coisas mais próximas, aos poucos encontraremos tantas verdades e saberemos tanto sobre nós mesmos e a vida que talvez respostas para perguntas como “Deus não existe?” não nos incomode tanto, não tenha todo esse peso.
E infinitas são as verdades implícitas nas coisas “menos importantes” de nossas vidas ocupadas com as formas vazias da sociedade em que vivemos.
Talvez o que aflija a maioria das pessoas não seja a falta de respostas para questões como “Deus existe?”, mas sim a ausência quase completa de “pequenas” verdades. A falta de conhecimento sobre si mesmas.
O que eu realmente quero? Do que eu realmente gosto? Do que eu realmente não gosto? O que realmente me faz bem? O que realmente me faz mal? Quais são minhas qualidades? Quais são os meus defeitos? Qual caminho eu quero tomar na minha vida?
Para essas perguntas existem respostas fúteis e respostas que lhe abrirão as portas da evolução. Mas estas não são respostas imediatas, demandam observação e experiência.
Tente olhar mais para as pequenas coisas, elas lhe guiarão para o caminho correto.
Quando atingir este nível, quando experimentar a evolução espiritual dormente no cérebro humano (independentemente do contexto, do molde, da crença, em que ela estiver inserida) poderá repensar seus parâmetros.
Espero ter ajudado!
@raph – Há um deus adormecido em cada ideia de amor, por mais pequenina que seja 🙂
Vislumbro em Nietzsche um caso ímpar na história moderna da filosofia, tal vitalidade poética não foi vista (pelo menos por mim) até mesmo em grandes nomes da poesia do século passado. O pensamento Nietzscheano assemelha-se ao românticos clássicos, tal é o seu lirismo e a seu louvor ao indivíduo, que não deve submeter a sua vontade subjetiva às instituições e convenções, mas não abarca ao escapismo venerado pelos romãnticos, Nietzsche, ao revés,agarra a vida com afinco, a proclama e a saúda constantemente, o que o aproxima às cultuações pagãs, principalmente à Dioniso, o qual citava sempre em seus escritos. Em suma, a filosofia de Nietzscheana, é permeada por essas “influências” míticas pagãs e apreciador de literatura que era, a poesia o fustigava e ele não escondia essa propensão por ela.
@raph – Pois é, para se compreender melhor escritores como Nietzsche, ou mesmo Fernando Pessoa, há que se conhecer o paganismo…
o sangue está presente em tudo,obra e graça desse criador que nos fez a sua imagem e semelhança.A natureza é expressão desse criador demiurgo que exige em seus altares sangue para sequir “vivo” através dos tempos…nasce milhares de pessoas todos os dias,e todos os dias morrem milhares,seja em guerras,epidemias,catastrofes,enfim uma maneira cruel que a natureza possa existir nutrindo-se de sangue todos os dias…nos alimentamos de seres vivos,animais,plantas e até o ar que respiramos…matamos para viver…somos condenados a matar para sobreviver…creio que isso pira qualqur um…até o Nietzsche.
gente eu já penso que Nietzsche teve uma lucidez incomparável assim como a estamira teve apesar dela ter seus prblemas seus disturbios mas ela não deixou a sua lucidez, mas eu penso que a solidão de Nietzsche fez com que ele dedicasse mais o seu lado de filósofo,Nietzsche para mim foi e é um filósofo que soube usar bem o seu lado lúcido ele sim teve um espírito lúcido.
Curioso essa idéia de um ente cosmico criador, constituido de pura energia, e ao mesmo tempo impessoal. Tal idéia, constitui-se uma anti-nomia de “per si”. Ora, como é que a pessoalidade poderia estar alheia a natureza desse próprio ser. Se assim fosse, seria um ser “DEFICIENTE” em si mesmo.