» Parte 2 da série “Reflexões sobre o materialismo” ver parte 1
Fusão Nuclear – é o processo no qual dois ou mais núcleos atômicos se juntam e formam um outro núcleo de maior número atômico. A fusão nuclear requer muita energia para acontecer, e geralmente liberta muito mais energia que consome. Até o início do século XXI, o ser humano ainda não conseguiu encontrar uma forma de controlar a fusão nuclear como acontece com a fissão.
Conforme vínhamos dizendo, a filosofia de Demócrito não despertou tanto interesse, na época, quanto as de Pitágoras, Sócrates ou Platão. Mas coube a Aristóteles resgatar suas ideias décadas após sua morte.
Aristóteles dizia que o raciocínio que guiou Demócrito para afirmar a existência dos átomos foi o seguinte: o movimento pressupõe o vazio no qual a matéria se desloca, mas se a matéria se dividisse em partes sempre menores infinitamente no vazio, ela não teria consistência, nada poderia se formar porque nada poderia surgir da diluição sempre cada vez mais infinitamente profunda da matéria no vazio. Daí concluiu que, para explicar a existência do mundo tal como o conhecemos, a divisão da matéria não pode ser infinita, isto é, que há um limite indivisível, o átomo. "Há apenas átomos e vazio", disse ele. Observando um raio de sol que penetrou numa fresta de um recinto escuro, Demócrito viu partículas de poeira num movimento de turbilhão, levando-o à ideia de que os átomos (os indivisíveis da matéria) se comportariam da mesma maneira, colidindo aleatoriamente, alguns se aglomerando, outros se dispersando, outros ainda nunca se juntando com outro átomo.
Talvez seja mais conveniente ilustrar o pensamento de Demócrito por seu experimento mental onde imaginamos cortar uma maçã com uma faca (claro, o experimento não necessariamente precisa ser apenas mental, mas em sua época só era possível visualizar aos átomos através da imaginação pura – guardem isso):
“Quando cortamos a maçã” – afirmou Demócrito – “a faca deve passar pelos espaços vazios entre os átomos. Se não houvessem tais lacunas, então a faca iria encontrar algum átomo impenetrável, e a maçã não seria cortada. Em uma escala muito pequena, a matéria exibe uma aspereza irredutível – o mundo dos átomos.” Segundo Carl Sagan, os argumentos de Demócrito não são os mesmos que usamos hoje, mas são elegantes, sutis, e derivados da experiência do dia a dia, a observação da natureza – suas conclusões estavam fundamentalmente certas.
Para Demócrito, nada ocorria aleatoriamente, tudo advinha de alguma causa material. Ele sabiamente afirmava “que preferia conhecer uma causa do que ser o rei da Pérsia.” Ele acreditava que a pobreza em uma democracia era muito melhor do que a riqueza em uma tirania. Foi essencialmente um livre-pensador, um observador meticuloso da natureza.
O atomismo foi essencial para o desenvolvimento da física ao longo da história da ciência, mas hoje se sabe que os átomos são muito, muito menores do que poeira flutuando num facho de luz, ou pequeníssimas lascas de poupa de maçã… Os átomos são constituídos por um núcleo de prótons e nêutrons com elétrons girando ao redor, porém mesmo estas partículas ainda são constituídas de grupamentos de partículas ainda menores, os quarks. Atualmente os quarks são o limite do “muito pequeno” observável por instrumentos, mas através de elegantes teorias matemáticas os físicos postulam que as menores unidades materiais podem ser cordas cuja vibração produziria partículas de maior ou menor massa – mas isso já é uma outra história.
Demócrito estava fundamentalmente correto quando postulava sobre a quantidade de vazio que existe entre os átomos, mas certamente não pôde vislumbrá-la em toda sua magnitude… Para se ter uma ideia básica, consideremos o hidrogênio, o elemento mais abundante do universo. A maior parte dos átomos de hidrogênio é bem simples: um único próton com um único elétron girando ao redor (é também o único elemento que não necessariamente possuí nêutrons). Caso o núcleo do hidrogênio fosse do tamanho aproximado de uma maçã, o elétron a orbitá-lo estaria vagando a cerca de 3Km de distância… Isso demonstra um universo bastante vazio!
Mas não para por aí: felizmente os elétrons jamais se chocam na natureza, a não ser em condições extremas como no núcleo das estrelas… Graças a força de repulsão eletroestática, os elétrons não se chocam (como quando aproximamos dois imãs de mesma carga). Não fosse por isso, ao cortarmos maçãs ou apertarmos a mão uns dos outros, causaríamos verdadeiros incidentes nucleares com a fusão nuclear de nossos átomos…
Se tudo que existe é, de fato, átomos e vazio, consideremos quão bizarro é este mundo onde seres constituídos de átomos deslizam para cá e para lá, e julgam estar caminhando, tocando o solo; e julgam estar realmente tocando a água ao mergulharem no mar; e julgam realmente estar tocando uns aos outros nas relações sexuais… Não, toda a matéria é intangível, e tudo o que há são átomos a deslizar em turbilhão pelo vazio infinito.
Mas e o que isso tudo tem a ver com nossa questão em relação ao materialismo? Ora, é muito comum vermos seres ignorantes responderem abruptamente quando afirmamos, enquanto espiritualistas, que não somos materialistas – eles dizem mais ou menos assim:
“Ora, então você não crê na matéria? Então vá chutar uma parede para ver se a sua perna não te convence!” – Como se o mero ato de caminhar contra o vento já não provasse algo semelhante… Ou ainda, de fato, o mero fato de estarmos aqui inteiros, sem termos explodido em uma reação nuclear, levando conosco boa parte de nossa cidade (a bomba de Hiroshima tinha apenas 0,6g de urânio enriquecido).
O que ocorre é essencialmente uma confusão de nomenclaturas e conceitos, o que, aliás, parece ser a principal razão das discussões inúteis no ramo da filosofia, da ciência ou mesmo da religião… De fato, todos somos materialistas, no sentido de crer em átomos, ah não ser talvez os mais alienados ou alucinados. Há mesmo muitos religiosos que são extremamente materialistas. Mas, então, que espécie de materialismo se opõe ao espiritualismo?
***
Crédito da imagem: Igor Kostin/Sygma/Corbis (maçãs contaminadas por radiação em Chernobyl)
O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.
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Respostas de 9
Ola
Por aí se vê o quanto a colonização judaico cristã da Europa usando a força de Roma trouxe de atraso, ignorância e barbárie
Parabens pelo texto..
@raph – Obrigado. Realmente foi um grande erro terem “ignorado” boa parte do pensamento antigo, particularmente da Grécia Antiga. Abs.
Sempre a velha Maça!!
Uma pergunta que eu faço a todo mundo que possui conhecimento nesta área, seja filosófica a física moderna ( e embolando um texto de Nagarjuna que eu ando lendo ): Como sabemos se o átomo é o que é, se os únicos meios que possuímos para perceber os átomos, são espectros eletromagnéticos de microscópios eletrônicos ? Ou seja, a superfície do átomo pode ser pura energia e não matéria e já que os átomos são “ocos”, não podemos ter certeza ou afirmar a validade da solidez e preenchimento da matéria, nem em escopo macrocósmico. Know what Im saying ? Como dizem os nossos queridos herméticos: O universo é vibração., ou Tudo é Vazio. Quer dizer, não podemos confiar nas nossas mãos e olhos, não é ?
sem duvidas não devemos confiar nas mãos e nos olhos, pois estes são apenas os veiculos de nossas impressões…pense os outros animais percebem o mundo diferente de nós, uns enxergam muito melhor inclusive, devemos afirmar então que o mundo que os animais enxergam é o verdadeiro ou o mundo que os homens enxergam é verdadeiro ??? nem um dos dois é o “verdadeiro” ambos são impresões deste mundo.
Concordo, mas vamos pensar de forma neutra e quase “budista”. Por que temos as percepções da forma que temos ? Estamos limitados não apenas por nossas percepções, mas por nossa linguagem, em definir dicotomias como “energia X matéria” ou “espírito X matéria”, sendo que talvez, não seja nenhum dos dois. Onde quero chegar é: Qual escopo ou percepção nos oferece o sonho cartesiano de observar as coisas como elas são em essência ? Será que ao atingirmos tal percepção, não descobriremos que tudo é de fato vazio ?
“Caso o núcleo do hidrogênio fosse do tamanho aproximado de uma maçã, o elétron a orbitá-lo estaria vagando a cerca de 3Km de distância… Isso demonstra um universo bastante vazio!”
Esse é um conceito bastante controverso, tendo em vista que as modernas teorias consideram a não existência de um vazio real.
Se pudéssemos seccionar uma pequena área do universo e isolá-la de todo o resto, tornando-a um sistema hermético e, a partir daí, fôssemos extraindo todas as partículas físicas existentes neste sistema (átomos, nêutrons/prótons livres, neutrinos, etc) até obter um completo vazio, onde somente existisse o espaço chegaríamos ao chamado vácuo quântico. Absolutamente sem pressão ou temperatura (atingindo o zero absoluto).
Logicamente ali não deveria existir nada (afinal, extraímos tudo que era possível extrair). Mas não é exatamente isto que ocorre. Este vazio mantém uma série de campos que mantém uma quantidade de energia constante conhecida como “energia de ponto zero”. Este é o estado estacionário (uma autofunção do Hamiltoniano, não estando sujeito a alteração ou a um estado de menor energia) onde, por lógica, nada deveria existir nem vir a existir, já que não há nada que possa interagir.
Apesar de tudo, esta minúscula quantidade de energia presente no vácuo (seu estado fundamental) não permanece estacionária para sempre. Está sujeita à “quebra espontânea de simetria”. Esta quebra de simetria é um processo não induzido, através do qual flutuações energéticas podem surgir deste estado fundamental.
Essas flutuações são extremamente comuns e só ocorrem por que os possíveis estados subsequentes deste “vácuo” tem a mesma probabilidade de ocorrer. As flutuações ocorrem e dão origem a diversas partículas (veja bem, originadas do vazio).
Estas partículas (sejam elas virtuais ou potenciais) tem vida extremamente curta e são a prova de que, embora os valores médios dos campos desapareçam no vácuo, os seus desvios permanecem possuindo um valor não nulo.
E este é o vácuo presente entre os espaços atômicos. Ele não é verdadeiramente vazio, mas sim um parque de diversões para interações de campos permitindo que a matéria possua sua características e as manifeste no mundo macroscópico. O vácuo é, na realidade, um
PLENUM
repleto de partículas e interações.
Se formos um pouco mais além e desejarmos ver como a ciência materialista pode sacudir o materialismo, podemos observar que os quarks (componentes dos núcleons; prótons e nêutrons) são mantidos por partículas que nada mais são que flutuações quânticas (como, fundamentalmente, todas as partículas o são), conhecidas como glúons.
Pare para pensar: essencialmente, a matéria é VIRTUAL! Formada por flutuações de ENERGIA do vácuo quântico.
@raph – Exato, mesmo físicos teóricos da Academia postulam que toda a matéria e energia podem ser, no fundo, bem no fundo, informação, e tão somente informação…
Um físico americano, John Wheeler, cunhou a curiosa expressão “o it que vem do bit”. Em suas próprias palavras:
Cada it – cada partícula, cada campo de força e até mesmo o próprio continuum espaço-tempo – deriva inteiramente sua função, seu significado, sua própria existência – mesmo que em alguns contextos indiretamente – de respostas induzidas por equipamento a perguntas sim ou não, escolhas binárias, bits. O it que vem do bit simboliza a idéia de que cada item do mundo físico tem no fundo – bem no fundo, na maioria dos casos – uma fonte e uma explicação imateriais; que aquilo que chamamos de realidade vem em última análise da colocação de perguntas sim-não, e do registro de respostas evocadas por equipamento; em resumo, que todas as coisas físicas são informacional-teóricas na origem (trecho de At home in the universe).
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Já o vazio, realmente não existe vazio algum no Cosmos, portanto o uso do termo “vazio” ali é realmente incorreto. Porém, por sua excelente explicação acima estar um pouco além do contexto do artigo (ou do espaço disponível), achei melhor deixar apenas “vazio” mesmo… No que agradeço, portanto, pela complementação do seu comentário 🙂
Abs
raph
“(a bomba de Hiroshima tinha apenas 0,6g de urânio enriquecido)”
Na verdade essa era a massa físsil. A bomba possuía uma massa total de 64Kg de Urânio enriquecido sendo 50Kg enriquecidos a 88% e 14Kg enriquecidos a 50% (média de 82,68%).
No final das contas, 0,6 à 0,86g da massa total foi efetivamente convertida em energia na forma de radiação (térmica, eletromagnética, corpuscular e gravitacional).
@raph – Obrigado pelo complemento 🙂