Depois de ver o rap do Alan Moore, fui buscar no TdC o post que escrevi sobre a Kabbalah e Watchmen e descobri que ainda não havia escrito um… What the fuck? pensei… tinha certeza que já havia feito, mas deve ter sido em alguma realidade paralela, então aqui está.
Para não atrapalhar os estudos de vocês, não vou colocar nada a respeito das razões pelas quais cada Personagem está em cada Esfera e deixar a lição de casa para cada um de vocês solucionar com o auxílio do Livro de Kabbalah Hermética. Seguem anotações sobre as referências Ocultistas em Watchmen:
Cuidado: Contém Spoilers da HQ!
OBS: Eu só tenho a Watchmen em inglês, por isso usei os termos no original, se alguém puder ajudar e traduzir os termos que eu usei nos comentários, eu agradeço.
O Comediante – O nome do comediante, Edward Morgan Blake, é formado pela junção de três grandes ocultistas: Edward Crowley (mais popularmente conhecido como Aleister Crowley), Evan Morgan (discípulo favorito de Crowley) e William Blake (alegadamente a encarnação anterior de Crowley), cujos trabalhos são citados vezes durante o HQ.
Gunga Dinner – O nome do restaurante vem do poema “Gunga Din”, considerado um dos mais famosos poemas do escritor maçônico Rudyard Kipling (também autor da história “O Homem que queria ser rei”, repleta de simbolismo maçônico). Neste poema, Kipling conta, sob o ponto de vista de um soldado britânico, a história de um carregador de água bhisti que acaba salvando a vida do soldado, mas morre durante o processo. A própria história do Comediante e sua morte estão relacionadas ao poema.
Os taxis, durante toda a HQ e em momentos significativos, têm desenhado em sua lateral o trigrama do I-ching TUI, cuja tirada em um jogo significa “estar atento, quando tudo mais parece estar tranqüilo, pois a complacência poderá levá-lo a ser enganado”. A primeira vez que ele aparece na HQ é entre os detetives investigando a morte do comediante e a primeira aparição de Rorschach.
A companhia de taxis é chamada “Promethean” e seu lema é “trazendo luz para o mundo”. Uma referência óbvia a Prometeus e sua comparação com Lúcifer romano.
O sujeito que sempre conserta a porta do Dreiberg trabalha para a companhia “Nó Górdio”, que também é uma referência a Alexandre, o Grande. A companhia “Triangle” também faz referências ao Egito.
“Who Watches the Watchmen” uma pichação que aparece constantemente na HQ, vem de uma citação latina “Quis Custodiet ipsos custodes”, das obras do poeta romano Juvenal, em provocação à obra de Sócrates que colocava a classe dos guardiões como responsável pela proteção das cidades. “E quem nos protegerá dos guardiões?”. Platão responde que eles nos guardarão deles mesmos, com uma mentira nobre. “Diremos a eles que eles são melhores do que eles realmente são e, por causa disso, eles deverão proteger aqueles que são desprotegidos”.
Sweet Chariot – O nome dos cubinhos de açúcar que o Rorshach come durante toda a HQ são baseados na música “Swing low, Sweet Chariot”, que tem referências bíblicas a respeito da carruagem de Elias (também conhecida como arcano 7 do tarot) e tem como significado alguém que trafega por debaixo das rotas conhecidas para enfrentar um mal maior (esta música foi usada por escravos como símbolo de rotas conhecidas como “Túneis subterrâneos” que usavam para escapar para o Canadá, organizadas por maçons abolicionistas). Todas estas referências têm enorme similaridade com o caminho subterrâneo que Rorshach faz para enfrentar Veidt durante toda a trama.
Krystallnacht e Pale Horse – O nome das bandas que se apresentam durante o final da HQ são referências a duas operações realizadas pelos nazistas no começo da II Guerra. A primeira consistiu na destruição de cerca de 200 sinagogas e mais de 1.000 lojas judias, que foram incendiadas. Os judeus ainda foram acusados de terem causado a destruição e condenados a pagar pesadas multas aos nazistas. Pale Horse foi uma operação semelhante destinada a prender e usar homossexuais em experimentos em campos de concentração. O nome vem da bíblia (revelações 6:8) Note que o casal lésbico que aparece paralelamente à trama principal faz diversas referências a esta banda. Outra banda mencionada é “Pink Triangle”, que é uma referência ao triângulo rosa que os nazistas faziam os homossexuais usarem em braçadeiras nos campos de concentração.
O nome do cantor principal de uma destas bandas, Red D´eath, é baseado em um conto de Edgar Alan Poe, “Red Death”.
A revista “Nova Express”, que aparece ao longo da HQ, é o título de um livro de William S. Burroughs, cuja história é muito complexa e bizarra para ser descrita em poucas palavras, mas que tem muito a ver com a idéia do monstro usada por Veidt.
O nome do asilo onde a mãe de Laurie fica internada é “Nephente Gardens”. Nephente é uma droga enteógena usada para diminuir a dor e o sofrimento, usada na Antiga Grécia.
Os dois troféus guardados pelos minutemen são o “Moloch solar mirror weapon” e o “king Mobs ape mask”. Moloch é um deus amonita conhecido por seus altares onde se atiravam crianças ao fogo e king Mob é uma referência às revoltas inglesas de Junho de 1780, onde os revoltosos diziam que serviam a “sua majestade, o rei turba” (“your majesty, King Mob”). Grant Morrison, outro ocultista autor de HQs, também utilizou esta referência para criar o personagem principal da série “Invisibles”, também repleta de referências ocultistas.
O nome Rorscharch vem do teste de manchas criado por Hermann Rorscharch em 1921, que são explicados durante todo o capítulo 6. O estupro da garota Kitty Genovese aconteceu na vida real.
O nome do Dr. Manhattan é baseado no “Projeto Manhattan”, que desenvolveu a bomba atômica. O design do dr. Manhattan, azul com o símbolo esculpido em sua testa, é inspirado nos deuses hindus criadores do universo, Brahma, Vishnu e Shiva, que possuem poderes ilimitados, assim como ele.
O painel na base de Gila Flats, onde o dr. Manhattan foi criado, tem a frase “Per dolorem, ad Astra”, que significa “pela dor se chega às estrelas”. Um mote alquimista e, ao mesmo tempo, reflete a situação do dr. Manhattan durante a HQ e sua fuga para marte.
Ozymandias – vem de um poema de Percy Bysse Shelley, chamado Ozymandias, que retrata o Rei dos Reis. Percy foi membro da Golden Dawn e esposo de Mary Shelley, a escritora de Frankenstein. Seus textos principais foram “A Rainha Mab” e “ A necessidade do ateísmo” (que lhe rendeu a expulsão da universidade de Oxford). O poema Ozymandias tem tudo a ver com a função desempenhada por Adrian Veidt. Já o próprio nome Adrian Veidt foi inspirado no ator alemão Conrad Veidt, nascido em 1893, que ficou imortalizado por sua atuação no filme mudo “O homem que ri”, adaptação do poema ocultista de mesmo nome, de Victor Hugo, cujo personagem principal mais tarde inspiraria Bill Finger a criar ninguém menos que o Curinga.
Várias vezes durante a HQ é mostrado a obsessão de Veidt com diversas TVs ligadas ao mesmo tempo em canais diferentes. Isto reflete o método do escritor William S. Burroughs de trabalhar (ele escreveu “The Naked Lunch “ e “Nova Express” desta maneira e, diz a lenda, que ele escrevia os textos e depois jogava aleatoriamente todos os papéis no chão para que sua mente conseguisse sair do modo racional e traçar linhas mais subconscientes nos trechos dos textos. Observar múltiplas imagens aleatórias é um dos métodos de adivinhação semelhantes aos oráculos de borra de café, bola de cristal ou ler entranhas de animais (acho que o próprio Veidt menciona isso em algum dos capítulos). O dr. Manhattan e sua conexão passad-presente-futuro também reflete esta multiplicidade de “canais”.
Karnak, o nome da base de Veidt, é o nome do principal templo dedicado ao faraó Ramsés II, o Ozymandias real.
A nave de Nightowl, Archie, é um diminutivo de Archimedes, o nome da coruja do desenho da Disney “The Sword in the Stone”, que conta a infância do Rei Arthur. Corujas, a lua e superfícies ovaladas estão presentes em todo o capítulo 7, representando os atributos de Atenas. Até mesmo os calendários dentro da casa de Dreiberg começam na segunda-feira (moon-day) ao invés de domingo.
O capítulo 5, “Fearful Simmetry”, é desenhado como um espelho, com a página 1 refletindo a página 28, a 2 refletindo a 27, e assim por diante, com as páginas 14-15 sendo a borda do espelho. O símbolo do crânio e caveira aparece bastante neste capítulo. Tanto a questão da simetria, do poema e do símbolo aludem a um grau maçônico que, infelizmente, não poderei comentar. Além destas, existem outras referências à maçonaria e seus símbolos neste capítulo, que é o meu favorito.
O Capítulo X é repleto de referência a duplas, ao número dois, aos pares e a “dois cavaleiros” (pessoas aparecem várias vezes dirigindo, cavalgando ou andando lado a lado nesta HQ). Referências ao símbolo da Ordem dos Templários.
Walt Feinberg, o autor fictício do conto dos piratas que acompanha paralelamente a narrativa, é uma homenagem a Walt Disney e Joel Feinberg. O tio Disney dispensa apresentações, e Feinberg foi um filósofo americano famoso e um dos primeiros escritores a discursar sobre os direitos individuais versus a autoridade do estado (tema constante em Watchmen).
Referências dos títulos
Capítulo I – “At midnight, all the agents” é uma referência a música de Bob Dilan chamada “Desolation Row”
Capítulo II – “Absent Friends” é uma referência a Elvis Costello na música “The Comediants”
Capítulo III – “The Judge of all the Earth” vem da bíblia, é uma referência a Gênesis 18:25 e tem tudo a ver com o Dr. Manhattan.
Capítulo IV – “the watchmaker’ é uma referência a uma frase de Einstein em relação à existência de Deus, que depois foi parafraseada por Dawkins como uma negativa da existência de Deus.
Capítulo V – “Fearful Simmetry” pertence a um dos poemas mais famosos de William Blake, “Tyger”, que trata novamente de maneira sutil de toda a trama de Watchmen.
Capítulo VI – “The abyss gazes also” é uma referência a Nietzche.
Capítulo VII – “A brother to Dragons” é uma referência bíblica. Vem do livro de Jó, 30:29
Capítulo VIII – “Old Ghosts” é uma referência à escritora inglesa Eleanor Farjeon, famosa por suas histórias para crianças. O título vem do livro “Hallowe´en” onde diz “no Halloween os velhos fantasmas saem…”
Capítulo IX – “Darkness of mere Being” vem de um livro muito legal do Carl Jung, chamado “Memories, Dreams, Reflections”. Recomendo a leitura.
Capítulo X – “Two Riders were approaching” eu não sabia de onde ele tirou esta, mas um leitor me escreveu dizendo que a referência vem da música do Bob Dylan “All along the Watchtower”
Capítulo XI – “Look at my works, Ye Mighty” – também vem do poema Ozymandias, de Percy Shelley, já mencionado acima.
Capítulo XII – “A stronger, Loving World” vem da música “Santies”, de John Cale.
Respostas de 2
Belas observações!
Manão, foi nessa dimensão mesmo. No S&H em 2009! Me lembro porque tenho salvo em pdf…