Um dos problemas centrais na busca espiritualista é a conciliação entre a crença intuitiva em uma Criação perfeita e o oceano de dúvida e dor que existe em nossa realidade cotidiana. Filosoficamente isso resulta em dezenas de especulações e interpretações que chegam até mesmo a negar a relação direta entre Criador e Criação (supondo que exista tal diferenciação) através de um personagem intermediário, o demiurgo gnóstico, que teria gerado o mundo corrupto que observamos.
Outra maneira de tentar conciliar essas percepções opostas é a concepção de um processo de causa e efeito tão natural e impessoal quanto a gravidade, que ajusta essas realidades aparentemente díspares. Enquanto a tradição ocidental, de raízes egípcias, fala em um julgamento final da alma humana, o oriente imagina um processo dinâmico e cotidiano, que dispensa júri e juiz (embora algumas linhas, como a teosofia, citem a figura dos Senhores do carma, essa personificação da lei não é a mais comum, mantendo seu caráter natural).
O quanto desse conceito é útil e o quanto é apenas uma fantasia egóica? Dando um passo atrás, pensemos a reencarnação e veremos o mesmo comportamento. De uma hipótese sistêmica muito interessante, ela passa a ser uma simples maneira de afagar o ego. Quantas princesas e generais não se redescobrem em centros espíritas e terapias de vidas passadas? Nunca a humanidade foi tão nobre quanto em suas pretensões…
Em sua interpretação tradicional, todo o mecanismo reencarnatório/cármico é tradicionalmente respaldado por um interpretação linear do tempo. Mas essa interpretação faz sentido de um ponto de vista do Self (vamos chamar assim uma possível dimensão maior do Ser) ou é apenas um ponto de vista raso do ego? A argentina Zulma Reyo, em seu livro Karma e Sexualidade faz uma representação interessante entre o que ela chama de tempo linear e o tempo concêntrico, a realidade vivida pelo Self. Ela considera a existência egóica, linear, como uma experiência do Self projetado na tridimensionalidade, a partir de condições absolutamente aleatórias. O mecanismo cármico existe apenas como elemento de aprendizagem dentro dessa única existência linear, não atuando como elemento de ajuste entre consecutivas experiências lineares. Do ponto de vista de uma Criação una, essa visão é absolutamente harmônica. Mas do ponto de vista do ego individualizado, a perspectiva de uma vida iniciada em condições aleatórias não difere em nada de uma visão absolutamente materialista.
A autora também define como elemento chave para entender o processo cármico aquilo que chamamos de forma-pensamento. É através dessas estruturas mentais/emocionais geradas e mantidas por nossos pensamentos e ações que se dá a atração das condições externas que caracterizam a relação de causa e efeito. E essas formas-pensamento seriam visíveis a médiuns treinados como aderências no campo causal. É praticamente a mesma interpretação, dita em termos atuais, do processo cármico tal como compreendido no Jainismo, uma das religiões mais antigas da India. Os janistas crêem que o carma é uma substância que se adere à alma, e essa quantidade e qualidade de substância aderida que define as condições atuais da vida do individuo. Essa substância pode ser eliminada através de jejuns e meditações.
Fica então a questão. É possível conciliar reencarnação, causa e efeito e uma existência não linear?
Texto do meu irmão Andrei Puntel
Respostas de 23
Bem, o tempo conforme visto pelo Self sempre será linear, por conta da existência da figura da “memória” – a menos que ele absorva para si a memória do que ainda não foi realizado, o “ganho” de memória sempre indicará um tempo linear na visão do ser.
Além do mais, mesmo caso a memória total do ser possa ser acessada independentemente de sua posição temporal, ainda assim é de se esperar que ela seja localizada em termos de passagem de efeitos, isso é, de passado e futuro, permitindo ao ser construir para si uma visão linear, mesmo daquilo que ainda não foi vivenciado.
O que não quer dizer que o ser necessariamente precisa viver um tempo linear em termos terrestres.
Encarnar hoje aqui, e ter a próxima encarnação em 150 a.c., por exemplo, são possibilidades de vida.
Quanto à linearidade temporal e o paradoxo temporal possivelmente resultados de tais experiências, se adicionarmos a Causalidade e a Probabilidade como uma quinta dimensão juntamente ao Tempo e os três Espaços, isso dá conta do problema – cada ponto de Causalidade possui seus próprios valores de tempo e espaços, e o ser pode montar sua própria linha de Causalidade e Probabilidade a partir dessa visão.
Ou seja, cada pessoa, a cada manifesação, gera uma linha temporal diferente, onde sua manifestação seja tal ou qual. Ela pode, claro, se manifestar em um tronco temporal que gera, dentre suas possibilidades, aquele futuro que ela experimentou antes da encarnação atual, ou pode encarnar em um futuro mais distante.
Apenas, não necessariamente, esse tronco temporal dará orígem à realidade que ela antes experimentou.
Essa hipótese, acretido, permite uma harmonia entre existência atemporal, causalidade e existência temporal, assim como permite a existência do Livre-Arbítrio – não como um arbítrio sobre a natureza da realidade e seus destinos possíveis, mas efetivamente sobre a experiência a ser vivida pelo ser dentro da infinidade da possibilidade.
O que, de fato, poderia ser visto como a manifestação de Binah partindo de Chockmah – a criação de um universo de experiências a partir de estados indissociados de sobreposição de possibilidades e probabilidades, segundo a determinação do ser/consciência, que poderia ser visto, nesse caso, como Kether ou como Ain Soph Aur, dependendo de cada interpretação.
Minha visão é menos ambiciosa que a sua. Vejo a linearidade como um atributo do ego projetado, e a concentricidade como um atributo do próprio Self. Consciência em Malkut e Tipheret, bem longe de Binah e Hochmah. Não há paradoxos, pois são realidades em niveis diferentes. Linhas e troncos temporais seriam apenas ilusões egoicas. Se há relação causa e efeito, talvez seja um processo em rede, incompreensível do ponto de vista do ego.
G.Mestre,
O destino do homem .é criar a si próprio,não importa o tempo ,o carma são as cicatrizes do tempo da nossa evolução ,até um dia chegarmos a Morada do Pai ,
EU SOU ,,, A PERFEIÇÃO., na minha neófita visão.
Os Janitas , visualizam a densidade ,,quanto mais evoluímos mais volatizamos,e Dissolvemos o que esta coagulado, denso , a existência não linear ,para efeito de EU SOU …contempla poucos ,,o que são 200 mil anos para eternidade ? mesmo volatizado ficam marcas no etéreo,que alguns irmãos conseguem visualizar, por favor me corrija se a minha visão estiver viciada .
Saudações .abcs
TR
se a existência fosse não-linear, faria sentido falar em reencarnação?
ótima pergunta, gostaria de saber a resposta…
alguém aqui sabe?
se sabe, não fala
se não fala,
talvez seja pra descobrir por si mesmo
e então se calar…
Não vale, é exatamente essa pergunta que eu deixo no final. 🙂
MDD, achei muito interessante esse conceito de karma e bate com o que tenho estudado recentemente. Sinto que preciso ler sobre o assunto e me aprofundar no conceito. Este livro citado é o mais indicado para estudar esse conceito de karma? Há livros dessa autora ou de outros autores mais indicados para começar a ler sobre o assunto?
Da mesma autora só conheço Alquimia Interior, que é legal, mas Karma e Sexualidade tem uma abordagem única.
Outra solução para o dilema inicial é não pirar tanto e simplesmente render-se ao fato facilmente observável de que a criação não é perfeita… =D
Mas aí não tem graça, Corre-se o risco de visitar Macchu Picchu e ver apenas um monte de pedras…
Interessante essa visão do Jainismo sobre o karma. As obras de Ramatís, bem conhecidas no meio espírita (menos ortodoxo) falam em uma espécie de toxina astral que o espírito elimina através do perispírito, toxina essa produzida a partir do resultado de pensamentos e ações desequilibradas e violentas.
A eliminação dessas toxinas é que geraria as doenças no corpo físico e as enfermidades no corpo astral, levando a processos extremos como a ovoidização.
Já no sentido oposto, cada ação positiva, ligada a fraternidade e sincera caridade, produziria uma espécie de luz no campo energético envolta do perispirito, luz capaz inclusive de diluir certa quantidade de toxinas astrais.
É rigorosamente o mesmo mecanismo, com outra nomenclatura.
Certamente um dos maiores conflitos existenciais. Muito dessa oposição excludente vem da linguagem. Quando, por exemplo, você diz que faz isso e não aquilo, na verdade você pode está fazendo os dois, ou outra coisa mais, ou seu oposto, etc. Essa determinação excludente é uma miragem da razão. Hoje com 700 abas no navegador aberto, fica claro que a mente humana trabalha em rede e não em linearidade. Tenho certa facilidade em abranger lados supostamente excludentes em um só. Acredito, portanto, que tudo que acontece tem um sentido, e que nada o tem.
“A mente humana trabalha em rede”. Exato. Talvez seja um reflexo do mecanismo funcional do Self !
Tirando os dogmas de qualquer doutrina.
A vida não tem lógica, e sim, um mistério de ser vivido.
Marcelo, poderia me responder algumas dúvidas que sempre tive:
1)Os grandes mestres do esoterismo e das religiões, como Pasqually, Saint Martin, Papus, guaita, Raymond Bernard, Buda, Maomé entre tantos, ficam aonde após sua passagem?
Me disseram, certa vez, que eles ficam na egrégora que criaram, ou que seguiam. Pergunto se procede, se eles por serem mais adiantados espiritualmente não encarnam mais ou se reencarnam novamente na terra?
2) Sempre, de tempos em tempos a divindade encarna lideres espirituais para guiar o povo, e através de seus ensinamentos, surge uma nova religião para novos tempos. Você acredita que isso acabou? Pois o que vemos hoje é o redescobrimento das antigas e não o surgimento de novas ou de um grande líder.
3) Terminando, você acha que, apesar de todo esse ódio, estamos rumando para todas as religiões se unificarem em uma única? Se sim, qual você acha que seria?
Que excelente síntese e questionamentos… Gosto dos pontos de vista a que a Física Quântica tem chegado… A idéia de tempos linear e concêntrico coexistindo não parece ser um contrasenso. Ademais, apesar de menos cognoscível que o ego, o self é uma realidade inegável nas mais diversas manifestações do ser, em várias culturas através do mundo e dos tempos. Enfim, a dualidade insiste em marcar presença nas experiencias desse plano.
Prezado Marcelo, talvez seja muita pretensão ter o completo entendimento do funcionamento dos processo kármico, a meu ver até mesmo essa ideia de relacionar o referido processo com a ciência natural, algo como causa e efeito, de certa forma contrapõe a noção de amor e perdão divino.
Isso é mera especulação minha, pode ser que o mecanismo seja realmente tão natural quanto a terceira lei de newton (que aliás era um ocultista interessado nas profecias de apocalipse – faço um parêntesis para sugerir que abordes o interessante tema da relação da magia enoquiana com o apocalipse).
Enfim, já é um trabalho penoso livrarmos em qualquer medida dos venenos da mente, o que por si só já traz um grande alívio, será mesmo útil ou necessária a compreensão da totalidade de uma lei divina? Se é que isso é possível…
grande abraço.
Concordo totalmente. Impossivel compreender integralmente uma lei divina, mesmo que natural. O objetivo da especulação é só manter a mente aberta e não carregar idéias engessadas.
Excelentes comentários.
Abraço a todos.
Creio que a ideia de amor e perdão divino é mais uma carência do ser humano que quer acreditar em uma espiritualidade paternalista que uma observação verdadeira dos mecanismos universais, não querendo desmentir que existe um proposito maior e longe de querer especular se este propósito é parte de um plano ou uma atitude que tomamos para dar sentido as coisas, acho muito mais coerente (se é que em nossa extrema limitação como ser humano podemos se quer julgar o que é ou não coerente para o universo ou para a espiritualidade) entender como uma lei natural (ainda que dificilmente a entenderemos em seu todo) pois ela passa a agir de forma igual a todos que estão pelo menos no mesmo cenário (matéria da terra por exemplo) dando a real noção de justiça (tratamento igual) a todos (na soma das pluralidades da existência).
Realmente dificilmente compreenderemos a totalidade das leis universais em uma única existência, e ainda que seu entendimento por si possa não resolver as questões pessoais de cada ser, ela pode ajudar em algum nível alguns indivíduos dentro de suas necessidades especificas ao ponto de que, se chegar em uma resposta não é fator determinante de nada, o processo de busca pode ser oportunidades de despertar catarses nos buscadores ainda que o resultado disto seja chegar na conclusão que a própria busca é menos importante, talvez até mais um desvio, mas é o indivíduo que tem que chegar nesta conclusão, por isto é importante manter a busca coletiva.
Como dizem, não existe resposta errada, talvez exista perguntas erradas, a questão é em que queremos nos debruçar e se este objeto a ser alcançado é realmente determinante em nossa evolução.
Acredito que o homem perde tempo demais com medos e ações externas e pouco faz em prol de sua evolução pessoal, isto é causado pelo ego, logo, no final, o que nos inibe a encontrarmos de maneira adequada as respostas que nossa essência já possui se deve ao fato de nós vivermos distraídos com os fatores externos, somente no exercício de desapego destas vibrações exteriores, desta necessidade de uma respostas externa, da luta pela superioridade e sede de auto valorização do conhecimento não aplicado na própria evolução que teremos a vibração correta de encontrarmos as respostas dentro de nós mesmos, de maneira que o trabalho dos outros não deve ser uma formula pra nós, mas sim um caminho para encontrarmos nossas próprias respostas individualmente. E esta respostas pode ser até não procurar mais nada.
No final, posso estar completamente errado, isto não é importante, mas o que temos que encontrar é a gnose, que não é um conhecimento especifico, mas um estado de compreensão individual.
A visão de reencarnação budista é por aí…
Segundo o Zen Budismo, a única coisa que passa de uma vida para outra são os Karmas, a individualidade se extingue e o karma dela é passado adiante, moldando outra existência.
Já segundo o Budismo Tibetano, a Consciência se vê confrontada pela Clara Luz da Realidade (o Pleroma, o mundo arquetípico), e caso consiga se desapegar das formas ilusórias, percebendo-as como o que elas realmente são (símbolos), poderá adentrar. Caso contrário, se emaranha em novos condicionamentos (Karma), sendo atraída para outra experiência (reencarna).
Não creio que essa visão seja muito conflitante com a visão espiritualista de reencarnação. Basta lembrar que a nossa individualidade, tal como a concebemos, é também ilusória – fruto da construção social de uma vida inteira. Isso explicaria, inclusive, lembranças de encarnações diversas e simultâneas. Se no fundo Atman é Brahman, somos todos encarnações da mesma coisa.
Sou terapeuta e pratico regressões pela técnica da ABPR e garanto que generais e princesas não aparecem em nosso consultório, algumas prostitutas, alguns viciados, gente violenta, nobres também aparecem, mas com menor abundancia do que escravos, índios, e aldeões.
A questão é, usar um técnica pra agradar o regredido que procura um passeio turístico em suas fantasias e chamar isto de regressão terapêutica, ou fazer um tratamento sério pra quebrar sintonias negativas e aprender com os erros do passado pra quebrar o ciclo de repetição das tendências negativas?
Não entendo em existência espiritual de maneira linear, o pensamento linear é cultural, acho que tudo existe o tempo todo em algum lugar do universo não tridimensional ou metafísico ou qualquer nomenclatura para o além do material. A nossa dificuldade está no fato que estamos em um avatar pouco consciente e acreditamos ser um ser completo, achamos que nosso cérebro tem ideias e sentimentos, que somos cérebro, uma estrutura material que acreditamos que pensa, eu compartilho da visão do René Descartes que entendia que nossa mente (espírito) existe fora do corpo que só capta o pensamento esterno através de sua antena (codificador) que é o cérebro, nesta visão existe o espirito, muito mais complexo e sofisticado do que a mente humana encarnada afogada em cultura e regras sociais em prol de uma sobrevivência e norma que simplifique a interação humana que nos situa neste aparente tempo e espaço coletivo, estamos com a limitada mente consciente (cerebral, que é praticamente um programa pra funcionar no automático em prol da sobrevivência do corpo do avatar) que nos distancia da consciência maior do espírito completo, este que é livre no tempo e espaço formado por todas as experiencias dos múltiplos avatares nos diversos universos paralelos, nos diversos tempos. Nesta visão se explica a capacidade da previsão e de que em existências ditas anteriores possamos ter tido maiores capacidades do que na atual, uma vez que o avatar é limitado pela sua cultura e estado físico e geográfico. Nossa qualidade de ser não é restrita as ações de uma vida especifica e sim em nossa capacidade de se conectar a esta existência superior em vez de nos apegar tanto as abstrações em que o avatar se emerge a cada existência, em outras palavras, o quanto nossa capacidade de se ligar a consciência maior a experiencia momentânea. Imagine que você é uma pessoa que pode se dedicar ao estudo de sua biblioteca pessoal pra colocar a tona os melhores aprendizados ou se divertir jogando com o vídeo-game, isto é uma metáfora para entendermos que nosso espírito,mesmo completo em algum ponto do universo,pode ter a tendencia de se perder no apego mundano, em vez de se conscientizar, prefere vida apos vida se distrair com os estímulos do avatar, talvez até entendendo que isto é o sentido pra ele, a mera interação. Em potencial, todos nós temos a capacidade de usarmos esta consciência superior para nos despertarmos, mas na prática, são poucos os realmente religados, espiritualizados, iluminados, despertos, ungidos que tem o equilíbrio e consciência desta existência maior. Simples assim.
a linearidade é impermanente, o caos é impermanente, resta a essência que também é impermanente e permanente então tudo é permanente e impermanente. Kybalion.