estava diante da fogueira.
sentindo suas chamas enfeitarem a noite fria.
das suas labaredas eu retirava meus sonhos…
encontrava nelas um pouco mais de alento… diante do espelho de meus próprios sentidos.
Sonhei então… que estava diante de minha própria vida… anos à frente. Sentia o vento em meu corpo e via a casa que me acompanhava. Grande e distante. Pessoas que eu não conhecia por todos os lados. Pareciam me conhecer, mas não se apresentavam. Eu também não ligava. Caminhei e vi adiante um precipício maior do que o mundo, sentindo que deveria me jogar, mas a casa me chamava dizendo pra voltar… e eu duvidava. Não via asas que me dessem segurança e fiquei parado…
Acordei ainda vendo as chamas titubeando diante de mim, esquentando minha pele que esfriava lentamente com o vento… Levantei calmo vendo outros ao redor da fogueira perdidos em seus próprios devaneios. Eu de pé me senti no começo do mundo e diante do ritual mais antigo do homem me senti mais vivo.
Foi quando me veio à mente em qual força cada um ali estava se guiando. Vi os amigos mais próximos e sabendo já de antemão seus pensamentos percebi claramente que o primeiro da esquerda não definia nada nem ninguém, falava que a força vinha do universo e por ele se manifestava. Outro logo após ele via por intermédio de Deus, na imagem de Jesus o canal para alcançar sua verdadeira identidade. Em seguida uma das mulheres ali pensava que nem os celtas, provavelmente agradecendo a grande Mãe natureza todas as suas graças alcançadas. O que estava a minha frente eu não conhecia bem, mas sempre se vestindo de preto, calado e muitas vezes sisudo me passava uma idéia mais ateísta, mas no fundo eu sentia que ele imaginava um plano mais rico do que outros ditos esotéricos… provavelmente vendo na música uma ferramenta para alcançar ou torna-se como o artista universal. Logo após a direita a segunda mulher ao redor da fogueira demonstrava certo temor a tudo aquilo, e por mais que estivesse envolvida sentia dela um receio que lhe impedia de voar… sabia que era católica de criação e que buscava entender como unir seus pensamentos atuais com seus atos anteriores. Logo após o último do círculo ao redor da fogueira era um amigo de infância que via anjos e demônios brincando de xadrez conosco… ele ria disso como se não lhe importasse a cara do mundo e sim o que se faz dele. E por fim acabei em mim, mas de mim não se tem muito o que dizer… não vejo nada além do que se pode ver.
Em certo momento todos olharam pra mim como se eu fosse falar algo. Parei sem saber como começar. O que dizer pra um círculo tão heterogêneo? Por onde começar a falar? Deus… Saturno… Hécate… Jesus? Olhava incessantemente pra cada um ali e não me vinha palavra alguma. Senti a chama da fogueira e receoso quase gaguejei… mas contive-me em silêncio. Olhei para as estrelas vendo em cada ponto ali um mundo como o nosso. Onde milhares de pessoas em cada um desses planetas em algum momento pensaram em uma divindade, tão alienígena quanto a própria imagem que me vinha podia permitir. Cada um deles assimilando a força maior, a consciência do universo ao seu modo, a partir de suas próprias maneiras e temores cada um tocava a si mesmo e ao Todo o tempo inteiro.
Olhei para fogueira mais uma vez e senti do vento as palavras sussurradas lentamente: que só há uma força em todo lugar, e que essa força é tão plena que não importa como a encaram, que não importa se não a encaram, que não importa nada, que todas essas diferenças não alcançam sua verdadeira face, não diminuem sua natureza. Que a única coisa que importa é se somos verdadeiros conosco, por que é a partir de nós que ela se torna parte de tudo que ela já é.
Quando percebi as palavras já tinham saído por mim. Não quis olhar para eles e me virando andei mata adentro. Uns calados continuaram, outros também levantaram, outros andaram para qualquer lado. Eu via então que no chão, no ar, nas árvores, nas trilhas cortadas no meio daquilo tudo havia um sentido e um sentir… que por mim se manifestava e por mim terminava, que por eles se manifestava e por eles terminava, como nas árvores o sentido e o sentir se manifestava e por elas terminava… que tudo ao redor se identificava por que esse Todo maior quer se conhecer ainda mais, por intermédio de sua própria criatura, mas que esse criador nunca será dissecado, analisado, dividido… nunca será separado do seu meio…
…nunca será separado de si mesmo…
sem nunca ser confundido com tudo ele permanecerá sendo o Todo… por isso me calo aqui.
Djaysel Pessôa
Respostas de 11
Muito legal, não importa a diferença no fundo nada pode dividir ou separar agente do uno já que o todo manifesta em todos e em tudo.
Mas se você pensar todo esse infinito causa muito medo por que você passa a não carregar só a si mesmo mas como “atlas” todo peso do mundo.Talvez agente não consiga se separar do todo mas o medo faz que fechemos os olhos.Mas como diria.
cristo não se acende uma lâmpada para ser escondida mas para que ela brilhe para todos. E talvez assim mesmo de olhos fechados não temeremos mais o medo.
@DJpes – concordo contigo sobre a questão de medo. Mas já percebeu que ninguém alcança as coisas sem a devida condição para tal? Somos um Todo tão maior e mais uno nesse universo que até alcançarmos tal magnitude de consciência… de ser… precisamos engatinhar, aprender a falar, a tomar posse de decisões, a etc e tal…. enquanto isso… bricaremos de ver o mundo pela primeira vez todo dia… todos os momentos… em todas as vidas… a mesma brincadeira do Todo que se regozija em nós e por nós… sorrindo tanto quanto nós sorrimos…
Lindo texto. Eleva o pensamento de uma forma magnifica.
Sempre soube que não era nada sobrenatural!
Muito bom ! Desta vez não fiquei fazendo loading do texto por tanto tempo como no outro
@Djpes =]
Muito bom
Obrigado por compartilhar ,)
Very interesting entry, I look forward to the next! Thx for share
Sinto-me pesadamente inclinado a dizer que a coluna do Zzurto é a que mais me compraz.
Seus textos à moda zen de escrita são deliciosos. Parabéns!
E não se esqueça de ler os meus artigos que, vez ou outra, aparecem na coluna d’O Alvorecer.
Paz!
@Djpes: Agradecido Alexandre. Admito que procuro ao máximo não ser muito tecnicista, não que fosse ruim isso, mas sinto que acabo tendo mais liberdade… E confesso que esse tipo de feedback muito me anima! Abraços… Sempre lendo de tudo um pouco, mesmo que muitas vezes não comente… Abraços… =D
Pois é, meu caro… se todos soubessem dar o real significado de “uno”, a vida seria outra, mas enquanto virem na “unidade” o exclusivo, o “filho único de Deus”( pois ensinaram que um tal nazareno era o único e exclusivo filho de um boneco barbado opressor onipotente e que o resto da humanidade era só um resto insignificante de pecadores), o inalcansável, o “bilhete premiado”, então serão sempre criaturas à sombra longiqua de um Pai ausente e tirano.
Deus é sim a Unidade, e isso significa que engloba tudo e todos, cada célula e grão de areia, cada átomo e impressão, macro e microcosmos… mas preferem ver o Deus personificado bem distante de si, quase utópico, uma iguaria para eleitos e fanáticos misticos… Ah, se a igreja “universal” realmente fosse universal…heheheh! Mas enquanto ouverem os seres com consciencia de que são verdadeiros templos do Universo haverá uma esperança; enquanto existirem aqueles que perceberam que é dentro assim como fora que está a divindade…
É a grande guerra entre os exclusivistas que preferem ver um Deus inacessivel e distante contra os verdadeiros universalistas que vêem Deus em sua totalidade em absolutamente TUDO. Enquanto eles procuram Deus com suas lunetas e telescópios estaremos por ai, como farois a mostrar Deus dentro de nós…
Ótimo escrito, meu amigo!
@Djpes: são essas idéias e conclusões que animam o espírito. São pessoas como você que fazem esse absurdo perder de fato o sentido, enquanto tantos se engalfinham para ter o pedaço desse “bilhete premiado” que nunca conseguirão… Abraços… e grato pelo comentário! =D
Feliz por está aqui lendo o texto e os comentários. Gratidão!
” que só há uma força em todo lugar, e que essa força é tão plena que não importa como a encaram, que não importa se não a encaram, que não importa nada, que todas essas diferenças não alcançam sua verdadeira face, não diminuem sua natureza. Que a única coisa que importa é se somos verdadeiros conosco, por que é a partir de nós que ela se torna parte de tudo que ela já é.”
muito bom. vc estava realmente “inspirado”
“esse Todo maior quer se conhecer ainda mais, por intermédio de sua própria criatura”
não tenho certeza disso. Imagino que o TODO já se conheça muito bem, e que questionar o motivo que o levou a criar é investigar um mistério que está além da nossa capacidade de compreensão atual.