Artigo de Albert Paul Dahoui
Joseph Campbell lançou um livro chamado O herói de mil faces. A primeira publicação foi em 1949, sendo o resultado de um longo e minucioso trabalho que Campbell desenvolveu ao pesquisar a estrutura de mitos, lendas e fábulas. Seu trabalho de pesquisa também analisou histórias modernas, assim como muitos roteiros de filmes.
Sua primeira observação foi que, em todas as histórias, existe um herói e que a narrativa gira em torno de suas peripécias. Nem sempre o herói é um ser humano, podendo ser um grupo de pessoas, um animal ou uma figura mitológica.
Campbell desenvolveu uma estrutura de eventos que demonstra que o herói passa por doze etapas. A seguir, iremos abordar cada uma delas para lhes dar uma idéia de sua estrutura básica, mas achamos conveniente alertar para os seguintes aspectos.
1) Nem toda história se encaixa no caso deste modelo. Portanto, se você está desenvolvendo um romance ou já escreveu um, não se preocupe se ele não se encaixar perfeitamente no modelo da jornada do herói.
2) Há histórias que se encaixam no modelo de Campbell, mas não contém todas as etapas. Não há problema. Não há necessidade de reestruturar a história só porque faltam alguns itens. Se sua história já é boa, não mexa só para cair no modelo de Campbell.
3) O modelo de Campbell também pode ser reduzido ao modelo de três atos, e no decorrer da exposição, mencionaremos cada um dos atos e seus pontos de virada. Vamos, portanto, ao modelo de Campbell, também conhecido como os doze passos de Campbell e Vogler.
Passo 1 – Mundo Comum.
O herói é apresentado em seu dia-a-dia. No esquema de três atos, trata-se do primeiro ato ou parte, quando expomos como é o nosso protagonista.
Como sou amigo dos exemplos, vamos criar uma historia, exemplificando etapa por etapa. Exemplo: Nosso herói é um policial a ponto de se aposentar. Seu único desejo é cumprir o pouco tempo de serviço e se aposentar numa chácara que ele levou anos para comprar. É viúvo e detesta gente de modo geral.
Passo 2 – Chamado à aventura
A rotina do herói é quebrada por algo inesperado, insólito ou incomum.
Dica: Não se esqueça de que só existe história se o personagem for interessante e se seu desejo for frustrado por um oponente.
Dentro do esquema de três atos, ainda estamos no primeiro ato.
Exemplo: O policial recebe a missão de levar um perigoso bandido em custódia até outro estado, onde será julgado por vários crimes. Todavia, ele sabe que os comparsas desse criminoso farão de tudo para libertá-lo.
Passo 3 – Recusa ao chamado
Como já diz o próprio título da etapa, nosso herói não quer se envolver e prefere continuar sua vidinha.
Dica: não se esqueça de que para haver um desejo frustrado é preciso que haja alguém ou algo (o vilão da história) que frustre a vontade do nosso herói. Definir bem o vilão é uma arte.
Ainda estamos no primeiro ato ou parte.
Cuidado: essa etapa nem sempre é necessária ou existe numa história. Pode ser que o evento ocorrido na etapa 2 (chamado à aventura) seja de tal ordem que não deixe margem a recusas.
Exemplo: O policial tenta passar a missão para outro, mas o seu chefe lhe diz que não há nenhum perigo e que será uma viagem rápida e segura.
Passo 4 – Encontro com o Mentor
O encontro com o mentor pode ser tanto com alguém mais experiente ou com uma situação que o force a tomar uma decisão.
Dica: É muito importante se conhecer a Teoria dos Personagens. Construir personagens consistentes e interessantes é meio caminho para o sucesso.
Cuidado com os clichês.
Ainda estamos no primeiro ato ou parte. Pode se colocar o ponto de virada aqui.
Exemplo: Nosso policial descobre por meio de um investigador aposentado que um dos membros da gangue do bandido, que ele terá que levar em custódia, assassinou seu irmão, também policial, numa emboscada traiçoeira. Nesse ponto da história, ele se lembra de que jurou no leito de morte de sua mãe que descobriria o assassino de seu irmão (que tragédia, não?).
Passo 5 – Travessia do Umbral
Nessa fase, nosso herói decide ingressar num novo mundo. Sua decisão pode ser motivada por vários fatores, entre eles algo que o obrigue, mesmo que não seja essa a sua opção.
Dica: não se esqueça de suspender a descrença do leitor. Normalmente é aqui que termina o primeiro ato, ou seja, logo após o primeiro ponto de virada.
Exemplo: O policial aceita a missão, mas esperando que seja atacado pela gangue e prenda o assassino do irmão. Em vez de viajar de avião, ele resolve ir de carro, numa viagem muito mais
perigosa.
Passo 6 – Testes, aliados e inimigos
A maior parte da história se desenvolve nesse ponto. No mundo especial – fora do ambiente normal do herói – é que ele irá passará por testes, receberá ajuda (esperada ou inesperada) de
aliados e terá que enfrentar os inimigos.
Dica: Como se trata da parte mais extensa, é interessante se construir essa parte conforme os moldes típicos da Confrontação, ou seja, com embargos, pontos médios, novos embargos e
reviravoltas. Não se esqueça de usar todas as técnicas do Dialogo Oblíquo, assim como as Técnicas de Narrativa (cadinho de emoções, progressão, manter a tensão etc.).
Exemplo: O policial viaja de carro. A gangue o persegue. Ele se refugia numa cidade pequena, onde conhece uma mulher que o ajuda, já que está levemente ferido. Um início de romance começa entre os dois. O bandido que está sendo levado em custódia consegue fugir, mas é preso pelo irmão da jovem, que ajuda nosso herói. Os elementos da quadrilha fecham todas as saídas da aldeia, mas existe um caminho pelas montanhas que somente um velho conhece. Nosso herói terá que convencê-lo a levá-lo pela trilha perigosa.
Passo 7 – Aproximação do objetivo
O herói se aproxima do objetivo de sua missão, mas o nível de tensão aumenta e tudo fica indefinido.
Continuamos na segunda parte – Confrontação. Podemos criar quantos embargos desejarmos, mas não esqueça a progressão da história e o ritmo da narrativa.
Exemplo: os bandidos descobrem a trilha que o policial seguiu e começa a persegui-lo. Além de estarem sendo levados por um homem velho, o policial está ferido e o próprio bandido em custódia não o ajuda em nada, atrapalhando sua andança. Oh, dificuldades!!!
Passo 8 – Provação máxima
É o auge da crise – precisa dizer mais?
Dicas: Lembre-se sempre para quem você está escrevendo. Ele irá estabelecer o tema, o gênero e a trama.
Ainda estamos na Confrontação.
Exemplo: o herói está cercado e se refugia numa cabana. O velho é ferido. A munição está para acabar. Quando ele está para ser morto, espera uma ajuda inesperada da polícia local, avisada pela jovem que se apaixonou pelo herói.
Passo 9 – Conquista da recompensa
Passada a provação máxima, o herói conquista a recompensa.
Exemplo: após o herói ser salvo, ele consegue levar o bandido para o estado que o julgará por inúmeros crimes. Todavia, um dos bandidos da quadrilha fugiu, mesmo que a maioria foi presa ou morta.
Passo 10 – Caminho de volta
É a parte mais curta da história – em algumas, nem sequer existem. Após ter conseguido seu objetivo, ele retorna ao mundo anterior.
Dica: eu não daria muita importância a esta parte. Mencione-a en passant.
Em tese, estamos na parte final ou terceira parte – Resolução.
Exemplo: O herói toma um avião de volta para sua cidade de origem, sendo parabenizado por todos os colegas.
Passo 11 – Depuração
Aqui o herói pode ter que enfrentar uma trama secundária não totalmente resolvida anteriormente.
Dica: faça ser uma surpresa absoluta.
Em tese, se houver uma reviravolta, você ainda estaria na confrontação, mas nada é fixo e imutável quando se escreve. Conheça as regras e depois quebre-as, se quiser.
Exemplo: quando nosso herói entra em casa, após a longa viagem, ele é surpreendido com o bandido que fugira. Ele o espera para liquidá-lo. É o assassino de seu irmão e, antes de matá-lo, revela algo de estarrecedor a seu respeito – o crime fora encomendado pelo capitão da polícia, seu chefe – por isso os bandidos sabiam de todos os seus passos. Quando ele está para dar o tiro fatal, ele cai morto – a mulher que o ama o salva.
Passo 12 – Retorno transformado
É a finalização da história. O herói volta ao seu mundo, mas transformado – já não é mais o mesmo.
Dica: ao se estruturar o personagem, existe aqueles que se transformam e os que permanecem inalterados. Normalmente, a história é melhor quando o herói se transforma em alguém melhor.
Exemplo: o herói casa-se com a jovem que o salvou e vai ser o chefe de policia da pequena cidade.
Última dica: escreva e reescreva, pois escrever um livro exige planejamento, treinamento e revisão
Respostas de 2
Prof. Del Debbio,
Peço desculpas por não estar participando, fiquei viciado em internet e achei que uma boa medida inicial seria me desligar do facebook. Mas pouco adiantou, há na internet muito mais fontes de informação que aquele que só acessa o Facebook pode sequer imaginar ( ” há muito mais coisas entre o céu e a terra…”).
Mas um mal maior se encarregou de resolver esse mal menor – meu humor está mais deprimido, e nem do vício ( internet) tenho me aproximado mais, a não ser me forçando a fazê-lo, para não perder coisas boas como alguns dos artigos publicados aqui pelo sr, por Igor Teo, por Raph Arraes, e por outros que conheço menos mas que escrevem artigos igualmente valiosos.
Com votos de saúde p o sr. e para todos os que discretamente , me vendo em dificuldades, me deram “dicas” valiosas.
Eu não poderia fazer uma lista de todos eles / elas.
José Elias
O título do artigo acima , ” Um exemplo de uso prático da Jornada do Herói” , é para mim como a visão de alguns morangos num prato, com creme de leite e açúcar….
Se não GOSTAR MUITO do conteúdo, ficarei decepcionado, pois já desenvolvi uma elevada expectativa!!!
Namu Shaka Butsu