“Quando uma criatura humana desperta para um grande sonho e sobre ele lança toda a força de sua alma, todo o universo conspira a seu favor”
– Goethe
Quem nunca passou por uma situação na qual parecia que o universo estava tentando falar alguma coisa? Você pensa em alguém e essa pessoa te liga. Você sonha com alguém e depois esbarra com ela na rua. Na mesma semana te falam de uma música, filme ou livro e parece que ele está em todos os lugares. E aquela ligação estranha entre irmãos gêmeos, exploradas pelo cinema, em que um sofre um acidente e o outro sente dor? Esse tipo de situação normalmente é chamada de coincidência. Mas será que é só isso, um evento arbitrário?
Esse tipo de fenômeno está sendo cada vez mais estudado dentro dos campos da parapsicologia e afins, e parece que agora a ciência começa a entender um pouco melhor isso e explicar essas coisas de forma ‘científica’. Mas se voltarmos um pouco na história, essas situações já eram vividas e entendidas pelos místicos.
No hermetismo, um antigo sistema filosófico e mágico atribuído ao misterioso Hermes Trismegisto, autor da famosa “Tábua de Esmeralda” entre outros textos, existem algumas concepções que explicam o funcionamento do Universo. Segundo o livro Caibalion, um clássico da literatura hermética, a primeira dessas concepções é a lei do mentalismo: “O todo é mente, e o Universo é mental”. Se considerarmos essa concepção da natureza, tudo esta interligado, como se fosse uma grande mente universal.
O psiquiatra suíço Carl Jung desenvolveu, em sua teoria Analítica, um conceito que pode ajudar a explicar esses tipos de fenômenos e essa realidade de interconectividade: o “Inconsciente Coletivo”. Grosso modo, para Jung, além do nosso consciente, subconsciente e inconsciente (postulado por Freud), existe uma camada ainda mais profunda compartilhada por todos os indivíduos, portanto coletiva, a qual todos estamos sujeitos. É como se fosse uma grande rede, que está presente em cada um de nós, e em todos nós.
“Uma camada mais ou menos superficial do inconsciente é indubitavelmente pessoal. Nós a denominamos inconsciente pessoal. Este porém repousa sobre uma camada mais profunda, que já não tem sua origem em experiências ou aquisições pessoais, sendo inata. Esta camada mais profunda é o que chamamos inconsciente coletivo. Eu optei pelo termo “coletivo” pelo fato de o inconsciente não ser de natureza individual, mas universal; isto é, contrariamente à psique pessoal ele possui conteúdos e modos de comportamento, os quais são ‘cum grano salis’ os mesmos em toda parte e em todos os indivíduos. Em outras palavras, são idênticos em todos os seres humanos, constituindo portanto um substrato psíquico comum de natureza psíquica suprapessoal que existe em cada indivíduo”. (JUNG, 2000, p.15)
Considerando este conceito, podemos entender o fenômeno das coincidências como algo que o próprio Jung denominou sincronicidade, que seria a “simultaneidade de um estado psíquico com um ou vários acontecimentos que aparecem como paralelos significativos de um estado subjetivo momentâneo e, em certas circunstâncias, também vice-versa” (JUNG, 1991, par. 818). Em outras palavras, é a percepção de um fenômeno que contém geralmente um significado simbólico, através de situações que não compartilham nenhum tipo de relação aparente, ou seja, acausais, e exprimem um estado psíquico interno compartilhado com um evento objetivo e externo.
O interesse de Jung por esse tipo fenômeno sempre causou certo desconforto para a comunidade científica, no entanto, as novas concepções de realidade apresentadas pela moderna física quântica começam a explicar essa interligação de forma científica, corroborando com as concepções Junguianas destes fenômenos. Vale a pena dizer que Jung era amigo de Wolfgang Pauli, um dos primeiros estudiosos da física quântica*.
Em resumo, a física quântica trabalha com partículas atômicas e sub-atomicas, ou seja, átomos, moléculas, elétrons, prótons, nêutrons, etc, e estuda as dinâmicas interações destas partículas. Dentre essas partículas, podemos citar os fótons, que são as menores partículas envolvidas numa radiação eletromagnética. Aparentemente, fugimos um pouco do tema, mas cientistas contemporâneos já realizaram experimentos nos quais, apesar de separados por grandes distâncias, dois fótons interagem entre si, mesmo sem apresentar uma conexão causal, ou seja, é como se houvesse algo que os conecta, que vai além da realidade física e observável.
“Se utilizarmos o exemplo de dois fótons correlacionados, onde é possível alterar o estado de um deles, alterando-se o estado do outro e de modo instantâneo, então seria possível haver uma correlação não-local entre os inconscientes de todos os seres humanos, o que resultaria no Inconsciente Coletivo de Jung e na sua Psicologia Analítica”. (NUNES, 2009, p.8)
Toda essa interconexão da consciência já não é mais teórica e esta sendo comprovada. Existe um experimento, realizado em entre os anos de 1993 e 1994 por Jacobo Grinberg, um neurofisiologista da Universidade do México que consistiu em colocar duas pessoas para meditar juntas, com a intenção de se comunicarem diretamente, sem troca de sinais ou conversa. Essas pessoas eram isoladas uma da outra em “gaiolas Faraday”, câmaras eletromagneticamente impermeáveis, e seus respectivos cérebros conectados a máquinas de eletroencefalograma.
Após um breve tempo de meditação, foram mostrados flashes de luz para apenas um dos sujeitos, cuja atividade elétrica cerebral era alterada em resposta aos flashes. É ai que a coisa fica interessante. No eletroencefalograma do outro sujeito que não recebeu nenhum flash de luz, foi constatado que seu cérebro recebeu um potencial, virtualmente igual em intensidade e força, variando em atividades elétricas de 65% a 75%. Esse é um valor muito substancial e a conclusão do experimento é que a atividade elétrica de um cérebro se transfere para outro cérebro, sem conexão ou contato elétrico nenhum. Este experimento foi replicado por Peter Fenwick em Londres e Leanna Standish e seu grupo na universidade de Bastyr, em Seattle. Todos concluíram a mesma coisa: existe uma transferência de informação de cérebro a cérebro, sem nenhuma conexão eletromagnética.
Essas conclusões são muito interessantes e significativas, e acabam por explicar, mesmo que parcialmente, os fenômenos de sincronicidades. No entanto, apesar de explicarem uma comunicação não-local entre sujeitos, pouco se sabe sobre o motivo destas manifestações acontecerem em determinados momentos, ou com determinadas pessoas. No romance best seller americano “A Profecia Celestina”, James Redfield conta a história de um manuscrito encontrado no Peru que contém nove visões, ou nove etapas, que os seres humanos precisam desenvolver afim de evoluir individualmente como sujeitos e coletivamente como espécie. A primeira etapa deste processo é descrita como a tomada de consciência das “coincidências” que nos cercam. É defendido, que para evoluirmos, o primeiro passo a ser dado é perceber essas sincronicidades e não considerá-las como mero acaso, mas uma forma intuitiva de buscar informações no dia-a-dia que nos impulsionam a melhorar e expandir a consciência.
Acho pertinente, por tanto, encerrar dizendo que devemos prestar atenção a nossa volta e analisar essas coincidências, entender o que elas nos dizem e para onde elas apontam. Quando fazemos isso, cada vez mais essas situações acontecem e nos indicam que estamos no caminho certo. Aos poucos, vamos integrando destino e livre arbítrio, expandindo nossa consciência e nos aproximando dos horizontes da jornada da alma.
* Para saber mais sobre essa amizade, leia “A permuta dos sábios: um estudo sobre as correspondências entre Carl Gustav Jung e Wolfgang Pauli” de Cesar Rey Xavier
Ricardo Assarice é Psicólogo, Reikiano, Mestrando em Ciências da Religião e Escritor. Para mais artigos, informações e eventos sobre psicologia e espiritualidade acesse www.antharez.com.br ou envie um e-mail para contato@antharez.com.br
Imagens:
Representação de Hermes Trismegisto de Viridarium chymicum, D. Stolcius von Stolcenbeerg, 1624
Encontrada na internet
Encontrada na internet
Bibliografia:
CAMAYSAR, R. O Caibalion. São Paulo, Pensamento. 2000.
JUNG, C. G. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis, Vozes. 2000.
JUNG, C. G. Sincronicidade. Petrópolis, Vozes. 1991.
NUNES, A. L. Física e Psicologia: Um diálogo interdisciplinar. XVIII Simpósio nacional de ensino de Física. 2009.
Respostas de 3
Excelente!
Inconsciente super coletivo
Eu sempre tive dificuldades em entender o inconsciente coletivo de Jung. Primeiro, imaginava que havia uma espécie de espaço metafísico onde esse depósito de imagens e padrões de sentimento e pensamento existiam, algo, portanto, externo, que interagia com os humanos, que o sintonizavam, captavam. O que me levou à essa imagem foi a ideia de coletivo, como uma web, uma teia. No entanto, algum tempo depois eu me deparei com um artigo que explicou de forma mais racional e fez muito mais sentido pra mim: de que são apenas padrões comum na espécie, desconsiderando qualquer variável genética e cultural,presente, portanto, em todos os indivíduos. Como biólogo, essa visão me foi maravilhosa, muito esclarecedora, e pude entendê-lo como uma espécie de nosso equivalente aos instintos dos outros animais, que já o “nascem sabendo” como se diz.
Não obstante, a junção do entrelaçamento quântico fez unir às duas visões, e associá-las realmente a uma ideia de um servidor comum, uma pasta de compartilhamento. Foi quando me veio à mente os movimentos ultra-sincronizados dos cardumes e dos bandos dos pássaros. Estão eles unidos por “uma só mente?”. Essa visão nos aproxima de uma visão mais psicológica do que diz a tradição espiritualista sobre os animais: são todos parte de uma mônada principal, os indivíduos ainda não adquiriam grau de individualização, e a atingem progressivamente, bem presente nos mamíferos superiores e em nós um pouco mais. No entanto, essa nossa individualidade parece não ser totalmente individual. Não estamos fechados. Não ha NENHUM sistema fechado no universo.
Recentemente saiu pela NetFlix a série Sense8, que explora pessoas que compartilham (involuntariamente) experiências e habilidades. Vou deixar um post excelente do acid aqui que trata sobre isso: http://www.saindodamatrix.com.br/archives/2007/08/reencarnacao.html
Isto posto, podemos esticar o padrão e unir a outro grande ensinamento que nos diz as tradições espirituais esotéricas: tudo está dentro de nós. Algo que me chamava desde os tempos de crente quando comecei estudar ocultismo foi esse tipo de frase recorrente no meio. As respostas estão dentro, você sabe tudo o que precisa, etc. Tudo bem que numa perspectiva psicológica tal afirmação pode se limitar a um conhecimento poderoso do inconsciente restrito e pessoal do indivíduo, mas não é aí que quero chegar. Poderiam haver degraus de inconsciente, onde em determinado momento eu extravaso o da minha própria espécie e posso acessar o dos animais, da natureza, das montanhas, e até mesmo do universo. O inconsciente seria a informação oculta que dirige as coisas: o instinto dos animais, as leis do universo… E como somos nós mesmo PARTE DO PRÓPRIO Universo, é totalmente óbvio que todas as informações sobre ele estejam codificadas e bem guardados no fundo do nosso ser também. Na verdade, estão por todas as partes do nosso ser. Como diria um poeta, estamos encharcados de Deus. A alusão ao fundo do nosso ser se refere a dificuldade de acessar esse estado/informação.
“…cada vez mais essas situações acontecem e nos indicam que estamos no caminho certo.”
Acabei de ler as orientações sobre o obituário da AA e enquanto refletia em como escrever tal situação pensei na pessoal falando sobre mim e o habito de ir meditar dentro da gaiola de Faraday com as bobinas de Tesla ligadas. Há alguns anos após ter lido Fortaleza Digital do Dan Brown eu me imaginei criando um sistema de criptografia baseado na teoria do caos e meses após eu vi uma matéria falando sobre os avanços da USP nesta área, isso voltou a acontecer varias vezes e a sensação que eu tenho é exatamente essa.
Obrigado a todos os envolvidos com o site por ajudar a encontrar nosso próprio caminho.