Sanatório para Espíritos

 

Pra comemorar os 160 anos de “O Livro dos Espíritos”, posto um trecho do livro “Na próxima dimensão”, de Carlos A. Baccelli, que conta a história de Inácio Fereira, médico que, encarnado, cuidava de um sanatório em Uberaba e era ferrenho defensor da doutrina espírita. Ao desencarnar, continuou cuidando de um sanatório (do lado de lá), mas passou a ver as coisas com outros olhos:

– Mas – redargüiu o valoroso companheiro -, os espíritas haverão de se decepcionar; eu não sei a causa de, ao nos tornarmos espíritas, passarmos a achar que somos privilegiados… A Doutrina nos torna conscientes de nossas enfermidades, porém a tarefa da cura nos pertence, pois a simples condição de adepto do Espiritismo não isenta ninguém de suas provas…
– É, principalmente, do esforço de renovação… O espírita sincero é aquele que não recua diante das lutas que trava para ser melhor. Deus não cultiva preferencias… As orações dos fiéis de todas as crenças têm para Ele o mesmo valor; às vezes, quem ora aos pés de um santo de barro ora com maior fervor do que aquele que já libertou a fé de tantas formalidades…
– Como você mudou, Inácio! – brincou Odilon comigo. – Eu diria tratar-se de um espírito… Se eu não fizer esta ressalva, os nossos irmãos do mundo não acreditarão que eu esteja conversando com você, o ferrenho adversário da Igreja Católica…
– Ora, não exagere! Você sabe que eu apenas me defendia, ou melhor, procurava defender a Doutrina… Agora, no entanto, estou aqui, às voltas com a própria realidade…
– E com muito trabalho neste hospital, não é?
– Neste hospital onde, por incrível que pareça, a maioria dos pacientes é espírita… Eu preferiria lidar com um louco espírito do que com um espírita louco… Como somos, Odilon, vaidosos do nosso pequeno saber!
– Muitos médiuns internados aqui?
– O problema maior não são os médiuns que, na maioria das vezes, faliram por falta de discernimento; o problema maior são os dirigentes espíritas, aqueles que quiseram ter as rédeas do Movimento nas mãos e impunham os seus pontos de vista. Já os médiuns se assemelham aos pecadores do Evangelho, mas os dirigentes são os doutores da lei…
– Algum católico ou evangélico por aqui?
– Poucos. E são os que me dão menos trabalho… Conforme lhe disse, os espíritas é que estão mal arrumados: conversam comigo de igual para igual e, não raro, acabam invertendo de papel comigo, ou seja: tratam-me como se o doente fosse eu… Citam trechos de “O Livro dos Espíritos”, referem-se ao Espiritismo científico, fazem questão de demonstrar conhecimentos, no entanto já pude fazer entre eles curiosa constatação: quase todos foram espíritas teóricos; nunca arregaçaram as mangas numa atividade assistencial que, ao contrário, criticavam veladamente…
Conheci alguns deles, quando ainda no mundo – aparteou o devotado amigo. – Um aos quais eu me refiro chegou a combater com veemência o nosso trabalho de Sopa Fraterna na “Casa do Cinza”, em Uberaba; disse-me que o Espiritismo tinha que parar com aquilo, que nós estávamos desvirtuando tudo – o povo precisava de luz, não de pão…
– Por acaso – indaguei -, teria sido o R.?
– Ele mesmo, Inácio – respondeu. Sempre que me via no Mercado Municipal pedindo verduras e legumes para a nossa Sopa, eu tinha que ouvir um sermão… Coitado!… Nem sei se já desencarnou.
– Ele é um dos meus pacientes aqui, Odilon, e, por sinal, é um dos que mais reivindicam…
– O R., internado neste hospital?…
– E deveria dar graças a Deus, pois, a rigor, o seu lugar seria mais embaixo… Não sei como foi que conseguiu chegar até aqui.
Ele cuidava da mãe, que morava sozinha, e não deixava que nada lhe faltasse…
De fato, eu não sei o que seria dos filhos, se não fossem as mães – comentei, emocionado. – Não fosse por elas, as regiões trevosas estariam regurgitando…
– Mas, Odilon – falei, com a intenção de mudar de assunto. E o seu trabalho com os médiuns junto à Crosta, como é que tem se desenrolado?
– Estamos indo, Inácio. Como você não desconhece, os progressos são lentos – tão lentos, que, por vezes, nos parecem inexistentes, mas vamos caminhando. A turma não quer estudar e assumir a tarefa com disciplina. Muitos começam e quase todos desistem…
– Querem colher antes de semear, não é?
– E semear antes de preparar o terreno…
– Não é mesmo fácil perseverar, ainda mais no mundo de hoje, que mete medo em qualquer candidato à reencarnação…
– Porém não existe alternativa; se você deseja escalar a montanha, não adianta ficar rodeando-a, concorda?…
E nem esperar, indefinidamente, melhor tempo para fazê-lo… Creio, Odilon, que talvez este tenha sido o nosso mérito, se é que algum mérito tivemos: embora conscientes de nossas imperfeições e mazelas, ousávamos fazer o que era preciso.
– Os médiuns, Inácio, acham que mediunidade corre por conta dos espíritos; quase nenhum quer ser parceiro ou sócio e entrar com a parte que lhe compete… Fazem uma série de alegações, quase todas sofismas, para justificar a sua falta de empenho e melhor adequação da instrumentalidade.
– O velho “fantasma” da dúvida…
– Dúvida que, conforme sabemos, persistirá em cada um, até que seja definitivamente afastada pela sua lucidez espiritual; é a dúvida que desafia o homem a caminhar… A certeza é o ponto final de jornada empreendida.
– Se o Espiritismo pudesse contar com médiuns mais conscientes… – lamentei.
– Seria uma maravilha, mas estamos confiantes para o futuro… Tudo está certo. Será, por outro lado, que se tivéssemos sobre a Terra um número maior de medianeiros convictos e responsáveis, o excesso de luz, ao invés de lhes facilitar a visão da Verdade, não induziria os homens à cegueira? Sempre me intrigou o fato de Jesus ensinar por parábolas; por que o Mestre não falava claramente?… Quero crer que não era por falta de capacidade pedagógica ou por pobreza de vocabulário… Ele tencionava nos induzir à procura, exercitando a nossa capacidade interpretativa. A Humanidade não se redimirá coletivamente; a porta é estreita exatamente para conceder passagem a um de cada vez…
– Você, como sempre, tem razão, Odilon – concordei com a linha de raciocínio do companheiro. – É possível que Moisés, se tornasse a viver hoje sobre a Terra, viesse a reeditar a sua proibição dos homens se contactarem com os mortos; queremos mais, no entanto não estamos tão preparados assim…

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Respostas de 2

  1. Ponderando sobre o que escreveu Carlos Baccelli (nunca li seus livros, mas estão na minha lista, inclusive parte da minha lista seguindo sua sugestão MDD) diria que todo esquema da mônada até a mais sofisticada concepção de consciência, fora o Absoluto, que eu consigo imaginar é um esquemão muito duro, talvez um tanto sado-masoquista na nossa visão tão pequenina. Será que nesta fase de evolução fomos e ainda somos tão perigosos e contaminados que fomos exilado da família maior evoluida?…com certeza, ainda mais vivendo numa cultura como a latina, mas tambem os europeus, e outras culturas bem rodadas fazem os seus grandes montes fedorentos. Enfim o planeta terminará, nós terminaremos e toda essa carga virulenta doentia se dissipará. Transformação! Eu juntaria o Kardecismo, a Umbanda, (o Cristianismo que já está implícito nas duas anteriores) o Budismo, a Ciência, a Magia inclusive a do Caos e extrairia o elixir da sabedoria mas isto é para inteligências foderosas! Cada um uma leitura? ou existirá padronização nos andares superiores? sim creio que haverá padronização mas customizada.

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