Reflexões místicas com Joseph Campbell (parte 1)

Joseph Campbell

Uma entrevista com Joseph Campbell, por Tom Collins
Originalmente publicada na revista The New Story (1985)
Tradução de Rafael Arrais

Joseph Campbell talvez seja o acadêmico mais proeminente no estudo da mitologia. Entre os seus diversos livros podemos destacar O herói de mil faces, As máscaras de Deus (série) e o célebre O poder do mito. O entrevistador, Tom Collins, é um escritor e editor de Los Angeles, que já trabalhou com Steven Spielberg.

1. A importância dos mitos

[Tom] O que os mitos fazem por nós? Por que a mitologia é tão importante?

[Joseph] Ela lhe põe em contato com um plano de referência que vai além da sua mente e adentra profundamente o seu próprio ser, até as vísceras. O mistério definitivo do ser e do não ser transcende todas as categorias de pensamento e conhecimento. Ainda assim, isto que transcende toda a linguagem é a própria essência do seu ser; então você está descansando sobre ela, e sabe disso.

A função dos símbolos da mitologia é nos levar a uma espécie de insight, “Aha! Sim, eu sei o que é isto, isto sou eu mesmo”. É disto que se trata a mitologia, e através dessa vivência você se sente em contato com o centro do seu próprio ser, cada vez mais, e todo o tempo. E tudo o que você faz dali em diante pode ser relacionado com tal grau de verdade. No entanto, falar sobre isso como “a verdade” por ser um pouco enganoso, pois quando pensamos na “verdade”, pensamos em algo que pode ser conceitualizado. E tal vivência vai além disso.

[Tom] Heinrich Zimmer disse, “As melhores verdades não podem ser ditas…”

[Joseph] “E as segundas melhores são mal interpretadas.”

[Tom] E então você adicionou alguma coisa ali…

[Joseph] As terceiras melhores fazem parte da conversação usual – ciência, história, sociologia.

[Tom] Por que nos confundimos com estas verdades?

[Joseph] Porque as imagens que precisam ser usadas para falar sobre o que não pode ser dito, as imagens simbólicas, são compreendidas e interpretadas não de forma simbólica, mas de forma empírica, como fatos concretos. É algo natural, mas é também todo o problema com as religiões do Ocidente. Todos os símbolos mitológicos são interpretados como se fossem referências históricas. Eles não são. E acaso fossem, e daí, o que viria a seguir?

[Tom] Vamos tomar cuidado aqui. O que você está chamando de símbolo?

[Joseph] Eu estou chamando de símbolo um signo que aponta para algo além dele mesmo, para um campo de significado e vivência que se encontra unificado com a consciência do observador. O que você está aprendendo na mitologia diz respeito ao sentido de você ser uma parte do ser que preenche o mundo.

Se um mito não lhe toca e não fala sobre você, mas sobre algo lá fora, então ele é um mito superficial; ou que foi interpretado superficialmente. Há esta frase maravilhosa que eu anotei de Karlfried Graf Durkheim, “transparência para o transcendente”. Se uma doutrina bloqueia a transcendência, e lhe corta o acesso à divindade para lhe manter preso ao seu eu mundano, ela lhe transforma num devoto, num adorador, e não lhe encaminha a abrir o mistério que há dentro do seu próprio ser.

[Tom] Você já chamou a isto de “a patologia da teologia”.

[Joseph] É como ainda chamaria hoje.

[Tom] Walter Huston Clark diz que a igreja é como uma vacinação contra a coisa real.

[Joseph] C. G. Jung diz que a religião é uma defesa contra a experiência de Deus. Eu digo que as nossas religiões [igrejas] o são.

[Tom] O que fazer então, se a experiência não é encontrada na religião [igreja]?

[Joseph] Você a encontra no misticismo, e entra em contato com místicos que leem tais formas simbólicas simbolicamente. Místicos são pessoas que não são teólogos; teólogos são pessoas que interpretam o vocabulário das escrituras como se elas se referissem a fatos sobrenaturais.

Há uma pletora de místicos na tradição cristã, mas nós não ouvimos muito sobre eles. Ainda assim, de vez em quando alguns esbarram no misticismo. Mestre Eckhart foi uma pessoa assim. Thomas Merton também experienciou o misticismo, assim como Dante Alighieri e Dionísio, o Aeropagita. João da Cruz alternou momentos de contato com o misticismo com momentos de recaída mundana.

Eu penso que James Joyce é pleno de misticismo, e Thomas Mann também o alcançou na escrita, embora não tão profundamente quanto Joyce. É estranho como, desde a morte de Mann, o misticismo tenha desaparecido da literatura.

» Na próxima parte da entrevista, o mito como a dinâmica da vida…

***

Crédito da imagem: Google Image Search/Divulgação (Joseph Campbell)

O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.

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Respostas de 6

  1. Joseph Campbell é impressionante. Cada frase é repleta de conhecimento e sabedoria. E não apenas excertos, como no texto do post, mas ao ler suas obras, é um influxo de conhecimento constante. Considero-o como um verdadeiro sábio, no sentido original, profundo e etimológico do termo.

  2. Todo método, pratica, atividade, visando levar você até o encontro com deus ou com a verdade, é religião, palavra que vem do latim religare, que significa reconectar, o que pressupõe que há dois para se conectar ou reconectar, você e deus, voce e a verdade, que é so uma, nao há niveis da verdade, não ha duas verdades, e isso tudo é uma estupidez, engraçada, mas estupida por que não ha você e deus, você e a verdade, não ha nada pra ser religado, reunido, reconectado, conhecido, encontrado, não é necessário uma vivencia, ou experiencia, extraordinária, diferente da comum, ordinária, na qual voce supostamente se encontra agora, para revelar isso, algo transcendental, etc. isso é uma falácia, vende muitos livros, sustenta muitos misticos, mestres, gurus, igrejas, mosteiros, mas são absolutamente, dispensaveis, esqueça o nirvana, esqueça a iluminação, a busca disso em si é o que nubla, vela a verdade sempre presente, você é deus, você é a verdade, você é toda a existencia, neste exato momento, qualquer coisa diferente disso é uma mentira que lhe foi contada a qual você tem inocentemente dado credibilidade, sendo você toda a existencia, não um corpo, não uma pessoa, não uma alma, não um ego, nao um mundo, galaxia, plano, um estado, um espirito, mas todas as coisas ao mesmo tempo e nenhuma delas em particular, responda: onde está você agora? Você não é a soma de todas as partes, por que você não tem partes, parte é um conceito adotado, não existe na realidade sempre una e indivisivel, basta que você tente separar, no ato de ver, o vidente do ver e do que é visto, e veras que é impossível, sem nomear, onde um começa e o outro termina? isso acontece apenas nos pensamentos, apenas conceitualmente, mas o experienciar, no momento presente, em si, não tem partes, nem começo nem fim, tudo é uma coisa só, nunca se divide, não tem tamanho, forma, peso, nome, idade, dimensões, isto é você agora neste instante, mesmo que esteja identificado com uma suposta parte, com um suposto nome, com um suposto conceito, em uma suposta situação, posição, sonhando, iludido por isso e se sentindo supostamente separado, do que quer que seja, você permanece sendo a única existência, o único ser, a única realidade, sempre presente, eterna, imutável e indivisível, sem lacunas, sem sulcos, sem distinçoes, sem opostos. Pouco se fala por aqui na nao dualidade, por que a não dualidade é o fim de toda busca, ou o fim de toda busca é a não dualidade, é um simplório dar-se conta que não há você e não voce, eu e deus, você, eu e deus são apenas nomes diferentes da mesma coisa, que não é coisa nenhuma, coisa é um substantivo, não existe, seja consciente de tudo a sua volta, neste instante, por uns dois segundos, sem separar a conciencia dos objetos de dos quais há conciencia, sem nomear, medir, avaliar, sem permitir que o pensamento descreva, detalhe, e supostamente fragmente a experiencia, e veja o que acontece sem distinguir aquele que vê, do que ve e sem nomear o que é visto, sem usar o pensamento, sem palavras, o que esta acontecendo?

    @raph: O problema das palavras é que elas são apenas cascas de sentimentos; e palavras sagradas são cascas de frutos eternos, cujo sabor não pode ser descrito por elas… Compreender a não dualidade é algo que cabe a cada um, mas transmitir essa compreensão é algo que se dá pelo olhar, pelo exemplo do dia a dia, pelo amor. Como já disse Rumi, “Entre eu e você, não há nem ‘eu’, nem ‘você'”…

    1. Mais uma vez a tendencia inata da mente de separar, dividir, fragmentar, aquilo que não pode ser dividido, fragmentado, age e captura a consciência em sua ilusão, mas tudo bem, é assim que deve ser, que fique claro que não há nada de errado nisso, é como temer se queimar, no desenho de uma labareda, não acontece de fato, mas quanto mais a divisão, a separação disso e daquilo, como palavras e palavras sagradas, cada um, sabor e descrição, ganha credibilidade, o sofrimento é sustentado, e ser, o fim do sofrimento, dessa ilusão, é o mais nobre ato do amor, de compaixão, não se pode evitar, não é por escolha que isso é escrito aqui ou por um desejo de auto importância, reconhecimento, é por compaixão, seja como for, não é por alguém ser cego que eu não deva lhe descrever, com palavras, com sons, sensações, como eu puder, a infindável beleza das cores, tudo que restou de jesus, de gautama, de ramana maharshi foram palavras, e foi pelas palavras deste ultimo que aquilo que vê, olhou na direção certa, não há compreender a não dualidade, porque compreender é algo mental, o correto é ser, e não há como não ser, então aquele que compreende e aquilo que é compreendido, ambos desaparecem, pois nunca existiram, as palavras não são importantes, mas sim o que elas apontam, que não é uma palavra, é presença, não a palavra presença, a coisa em si, veja o que eu disse, você é essa presença, você é a verdade, então aonde você tem que ir, quanto tem que praticar ou quais livros você deve ler para conhecer a verdade? tente tocar a ponta do indicador direito com o indicador direito, o que precisa ser feito? quanto tempo você precisa, o que há pra compreender para executar essa instrução? qual a dificuldade? Paz.

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