Referencias Herméticas em Promethea – Parte 3

promethea03
Por Octávio Aragão

Leia primeiro Referencias Hermeticas em Promethea – Parte 1
e Referencias Hermeticas em Promethea – Parte 2

Sephiroths
Curiosamente, foi neste momento que a série perdeu mais leitores. Os fãs reclamaram de um possível proselitismo da parte de Moore, como se estivesse tentando atrair os leitores para sua visão de religião, e alguns tarólogos apontaram possíveis erros de interpretação nos significados das cartas, mas Moore não se intimidou e prosseguiu, apesar das críticas, afirmando: “Em termos de energia mental, sinto-me como se tivesse 15 anos. Descobri a magia quando precisava dela, e tem sido imensamente útil. A magia é o viagra criativo” [16].

O capítulo 13 atesta o início do reaproveitamento do que Moore imaginou para a série Glory dentro de Promethea. Está de volta a Árvore da Vida, a Yggdrasil nórdica, além da primeira citação direta à cabala nas páginas da série.

Promethea mostra à sua amiga Stacia um diagrama da Árvore, com todas suas esferas devidamente numeradas, desenhado no chão como se fosse um jogo de amarelinha.

“This is like a map, or maybe a circuit board. It’s the structure of things, whether that’s the universe or each individual human soul. It’s an old hebrew knowledge system called kaballah. It’s intended to encode all conceivable existence in a single glyph.” [17]

E assim, durante um ano Promethea viajou por todos os aspectos – chamados ‘sephiroths’, ou muito apropriadamente, ‘letra’ em hebraico – derivados de Yggdrasil. Foi ao círculo lunar, reencontrou Thot -Hermes no círculo dedicado à comunicação, onde Moore aproveita para dar uma demonstração de metalinguagem fazendo Hermes afirmar que a melhor maneira de se compreender os deuses é por meio de ficções ilustradas – como as histórias em quadrinhos – e propõe, encarando fixamente o próprio leitor, que algumas ficções podem estar efetivamente vivas [18].

Promethea conhece o poder das emoções no reino aquático de Afrodite e fica frente a frente com Jesus no ponto mais alto do plano apolíneo. Descobre que Marte não é apenas o deus da guerra, mas também da força, da estratégia, do julgamento frio. A quarta esfera, Chesed, é a morada dos patriarcas, dos pastores, e onde Promethea e Sophie encontram seus pais perdidos e onde a menina se separa de seu duplo mítico para seguir viagem.

E então, no número 20, há o Abismo, onde Sophie descobre que pode haver um sephiroth esquecido entre o quarto e o terceiro. Um número que pode ser infinito: Pi, um buraco no tronco de Yaggdrasil, por onde criaturas lovecraftianas espreitam. O sugestivo título The Wine of Her Fornications antecede a entrada de Sophie em Binah, o templo da feminilidade, onde se reencontra com Promethea. Este é o templo da Mãe Primordial, assim como Chesed é o sephiroth do Pai, aquela que não é uma só, mas três aspectos complementares: Babalon, a prostituta; Maria, a virgem, e Isis, aquela que dá a luz ao Salvador e inicia a rota para o Apocalipse.

O capítulo seguinte, Et In Arcadia Ego… [19], finaliza a peregrinação da heroína Promethea pelas ramificações da Árvore da Vida, simultaneamente retomando ao início da jornada no encontro com a figura do arcano Louco, do Tarot. Promethea e o espírito de sua amiga Bárbara fecham o ciclo subindo uma escadaria rumo à face de Deus.

Sim, você leu corretamente. O Deus.

Deo Gratias
O número 23 finaliza a viagem com uma edição atípica. The Serpent And The Dove narra a caminhada de Sophie/Promethea e Barbara por dentro de “Deus” e é uma empreitada que desafia os cânones da narrativa visual tradicional com páginas de leitura circular, esboços em lugar de desenhos finalizados como parte do desenvolvimento da história e monocromia representando a Luz Divina. A identificação de Deus como um Aleph, um ponto/momento eterno, síntese de tudo que há, ocupa uma página dupla onde mandalas e cenas cotidianas se alternam em círculos concêntricos que desaguam numa visão externa da Árvore da Vida, onde alguns dos sephiroths são planetas do sistema solar.

E assim, fazendo o caminho por fora do tronco de Yggdrasil, flutuando pelo espaço, Promethea volta para casa e para aventuras de cunho mais “super-heroístico” a partir do episódio 24, mas, ao que parece, o pano de fundo cabalístico estará no cerne da personagem até o fim.

Aliás, olhando em perspectiva, esse parece ser um tema recorrente na obra de Moore há pelo menos dez anos: uma divindade híbrida de Hórus e Hermes faz uma breve aparição nas últimas páginas de From Hell, a biografia de Jack, O Estripador[20]; é em Supreme que o conceito da Immateria aparece pela primeira vez, com o nome de Ideaspace[21]; a graphic novel The Birth Caul lida com a idéia de uma linguagem ancestral que guiaria os caminhos de uma cidade, no caso, Londres, em paralelo com os indivíduos que nela residem [22], assim como acontece no romance A Voz do Fogo[23] e, mais uma vez, em From Hell. Ou seja, parece que a recorrência da cabala vai além de uma febre passageira e o autor está decidido a percorrer o caminho da Árvore da Vida várias vezes.

Só nos resta esperar que sempre haja lugar para nós nessas jornadas.

Notas

16. MOTA, Pedro. ABC, in Alan Moore: Argumentos; GOUVEIA, Cristina (org.). Amadora, Portugal: Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem/Câmara Municipal de Amadora/Editora Devir, 2002 – 1ª edição, p. 42

17. “Isto é como um mapa, ou talvez uma placa de circuito. É a estrutura das coisas, seja ela o universo ou cada alma humana. É um velho sistema de conhecimento hebreu chamado Cabala. Está concebido para codificar toda existência concebível num simples glifo.” In: MOORE, Alan. Promethea #13: The Fields We Know. USA: America’s Best Comics, 2001 – 1ª edição, p. 10

18. MOORE, Alan. Promethea #15: Mercury Rising. USA: America’s Best Comics, 2001 – 1ª edição, p. 18 e 19

19. A frase Et In Arcadia Ego… aparece em uma série de pinturas produzidas durante a Renascença das quais a mais conhecida é um quadro de Pussin que retrata um grupo de pastores observando uma lápide com a inscrição cuja interpretação correta é, segundo o crítico de arte Erwin Panofsky, “A Morte Existe Mesmo na Arcádia”. Isso significa que, mesmo no lugar que Virgílio considerou como o mais idílico da criação, há a possibilidade de infelicidade, de sofrimento, e, conseqüentemente, de completitude. No caso de Promethea, Moore quer simbolizar o último sephiroth, o lar do Deus Único, ou, como ele chama, do “I”.

20. MOORE, Alan. From Hell#14: Gull Ascending. Australia: Eddie Campbell Comics/Top Shelf Comics, 1999 – 1ª edição, p. 22

21. MOORE, Alan. Supreme #45: The Age of Gold. USA: Awesome Entertainment, 1997 – 1ª edição

22. MOORE, Alan. The Birth Caul. Australia: Eddie Campbell Comics, 2000 – 1ª edição

23. MOORE, Alan. A Voz do Fogo. São Paulo, SP: Editora Conrad, 2002 – 1ª edição, p. 303

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Uma resposta

  1. Ah! Vendo essa imagem do diagrama da Árvore da Vida no chão, me veio imediatamente o jogo da Amarelinha na cabeça. Kkk

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