the same old rain…
Um estrondo onde antes havia só brilho. Ainda é dia, um dia cinza. Parece estranho notar que continua passando, mesmo quando por fim queremos que pare. Não adianta aparar as gotas com a mão e muito menos esperar não ficar molhado. O berro da natureza é grave e monstruoso.
Os mais velhos não se espantam com isso, no máximo estranham o fato de que estas chuvas deveriam ter chegado um mês antes. Hoje quando chega passa direto. Vocês notam que as estações já não são as mesmas? E se a data era uma hoje já não chega mais na hora.
Lembro bem de reconhecer a primavera sentindo o cheiro das flores na cidade, pelo menos em alguns cantos. Mas isso tudo mudou e deixou as coisas mais simplificadas, ou é frio ou é quente, e o que era quatro virou dois.
E por todo esse tempo tenho tentado olhar com outros olhos para as coisas de sempre. Isso me fez voltar a falar com quem já não escutava mais. Pena que certas conclusões tiveram sua razão de ser. E estas pessoas por vezes esquecem que lidar com o outro é lidar com suas ideias. Uma pessoa calada é somente mais um. Uma ideia dita é uma ignição, fazendo esses retrabalharem suas perspectivas. Mas tudo se torna muito mais oco diante de pessoas que acham saber tudo sobre o que dizem. E o quanto este tipo de pessoa se defende demonstra somente suas próprias fraquezas.
É prazeroso lidar com opiniões, independente delas confirmarem o que se diz ou não. E quando digo opiniões, falo de qualquer coisa que vá além da crítica pueril ou da babação estúpida. Ser criticado de forma inteligente deveria ser tratado como um desafio que no fim fazem todas as partes ganharem, mas ganhamos o desprezo ou o velho e eficaz bloqueio.
Tratamos o que pensamos como se estivéssemos num ringue. Só que do outro lado vemos somente um perdedor. Entramos na jaula achando que não existe nada mais certo do que o que achamos e no fim ganhando ou perdendo, ninguém ganha nada.
Num momento tão singular das nossas relações humanas onde atingimos milhares de desconhecidos com palavras aleatórias nos sentimos no topo. “Se me leem é por que sou melhor”. E isso cria seres delirantes que desprezam filósofos como quem despreza um ignorante. E o que poderia vir a trazer uma transformação paradigmática nas nossas relações hoje sucumbe ao que sempre existiu em boa parte das cabeças por ai: sucumbe à prepotência e a pequenez de qualquer discurso frouxo.
Saber não deveria implicar em quantidade. Não é a montanha de informação que me fará alguém melhor, mas o quanto dessa informação de fato por meio dos atos vem a ser algo real. Acreditar que uma coisa possa ser plana, independente do que muitos dizem, em si não é nenhum problema. O problema mesmo é tratar as lógicas que provam o contrário como balela pura e simplesmente. A estupidez avança muito mais quando encaramos ela como saber. Mas será mesmo que pisaram na lua?
Duvidar é parte da construção desse saber, por que mostra onde nossa cabeça trava e permite ao expressar abrir espaço para que uma informação mais correta tome lugar. Entretanto todos erram feio nesse ponto. Uns de um lado chegam com certezas e nenhuma vontade de pontua-las no discurso de forma compreensível. E termos como trouxa e burro surgem com frequência. Agredimos para afirmar nossas convicções e este outro é só mais um estúpido sem sabedoria. E o estúpido do outro lado fará o que se faz costumeiramente, mandará este pro inferno. Ninguém aprende, ninguém ensina, e quando ensina é só o ego tratando este à “frente” como um mero fracasso da natureza. Perde você, perde eu, perdemos.
A dúvida deveria ser priorizada não só nas escolas e nossas casas ou infância, mas sim nos nossos discursos. Deveríamos duvidar de nós mesmos, não no intuito de nos tornarmos fracos, mas no intuito de avançar mais ainda no que pensamos. Pois se duvidamos até de nossas certezas o que nos impede de forçar a barra para comprova-las de fato?
E nessa questão de saber acabamos pensando nas verdades. Esquecendo normalmente que cada um percebe um prisma atomicamente particular. No meu discurso errado ainda cabe uma pitada da verdade. No seu discurso certo, cabe por certo uma pitada de erro. Mas no fim essa “sintonia fina” estanca diante da cara. Os olhos se impregnam da beleza de ver algo, mas esquecemos que vemos somente um décimo. Basta isso para inflar nossos peitos e regurgitarmos afirmações, e da boca caem blocos de pedra, ninguém mais conseguirá alterar nada. E a beleza do ato de falar perde a graça, ninguém fala, todos editam bíblias e dogmas, pelo menos até o muro próximo, quando inevitavelmente acertamos a cara no cimento.
Dói quando se aprende, mas só quando nos agarramos ao erro, temendo perde-lo desesperadamente. Mas se todos tratassem o que sabem como meias verdades, não nos prenderíamos a nenhuma dita certeza. Certezas são incertas quase sempre. Nos prenderíamos ao desejo de saber mais, para que esse pedaço do todo possa absorver um outro pedaço do todo.
Foi estranhamente assim que fiz em alguns estudos, sem nunca ter pensado diretamente nesse contexto todo. Li livros sempre achando que o que eu via deveria ser a linha guia e não a letra no livro. Ela não sofrerá a dor de comer pedaços de tijolos. Entretanto ainda que eu compreendesse o que absorvia, aos poucos, como quase tudo na vida, eu testava incansavelmente até perceber que não mais me preocupava com aquilo, minha preocupação estava mais a frente, e portanto aquilo longe de ter sido somente superado, tinha se amalgamado a outro ponto mais distante na reta. Sabe quando percebo que entendi algo? Quando outro algo toma lugar e se torna mais importante. E muitas vezes me percebi mudando meu discurso durante a conversa. Não importa se perco uma certeza, desde que eu encontre uma melhor. E se porventura isso vier do outro ao meu lado, que graça tem de chegar e somente concordar? Prefiro muito mais nunca dizer que o outro está certo, pura e simplesmente. Prefiro parar de afirmar o que para mim era o certo e passar a perseguir algo além dos dois. Não quero teu sorriso frouxo agradecido. Quero sua agonia junta da minha buscando ver ainda mais longe.
E que se danem os senhores da razão, passado um minuto não saberão nem o que disseram, quanto mais se importarão de fato com a dúvida.
Feito as gotas da chuva, posso não aparar todas, mas evitarei algumas de acertarem meus olhos. E se por fim eu estiver errado, que ótimo, posso agora dar um passo diferente, atrás de outras tantas coisas que mal nos damos conta.
O título é uma referência ao Smashing Pumpkins.