Pensamento, entre a Neurologia e a Psicologia

Raph Arrais, autor do blog Textos para ReflexãoIgor Teo, autor do Artigo 19;  Peterson Danda, autor do Autoconhecimento & LiberdadeRaphael PH, autor do Diário  do Adeptu e Jeff Alves, autor do O Alvorecer, antigos membros do Links Mayhem, participam de um novo projeto. Sobre um tema específico cada um dos participantes irá publicar um texto, em uma ordem estabelecida aleatoriamente, formando uma discussão, um agradável bate papo, onde o leitor será levado a refletir e meditar sobre diversos pontos de vista e abordagens do mesmo tema. Iniciaremos pois o projeto Entrementes. Boa leitura!

E coube a mim, Igor Teo, o primeiro texto do projeto, sendo o tema “Pensamento”. Mas, o que seria exatamente isso que chamamos de pensamento?

Se formos pensar de forma mais organicista, poderíamos dizer que pensamentos são produtos de interações entre diferentes regiões do sistema nervoso, respostas do organismo às necessidades do ambiente e da sobrevivência. De maneira simples e reducionista, seria apenas isso: impulsos químicos e elétricos interpretados por um sistema complexo que se assemelharia a uma máquina. E a consciência? Não existe. O que chamamos comumente de consciência é a capacidade desses mesmos neurônios voltarem a si mesmo, inferindo informações sobre o que fazem. Em algum momento da filogênese, o aparecimento da “consciência”, de fato, foi uma grande vantagem evolutiva que contribuiu com a sobrevivência da espécie.

Assim tem postulado alguns neurocientistas, dentro de uma perspectiva relativamente recente da Ciência que procuram resolver o problema da natureza da mente humana, assim como seus produtos, como o próprio pensamento. A relação entre neurologia e psicologia (colocando a primeira como uma ênfase biológica da natureza do pensamento, e o segundo estudando a existência metafísica do mesmo) pode ser remontada até tempos antigos. Não exatamente com estes mesmos termos, é claro, mas em uma questão que durante séculos instigou todos os tipos de homens de conhecimento: a relação entre o corpo e a alma, que traduzimos hoje, nos tempos do ceticismo científico, em cérebro e mente. Referências à palavra cérebro são encontradas já nos antigos egípcios; na Grécia Antiga, por sua vez, Hipócrates, frequentemente citado como o “pai da medicina”, já considerava o cérebro como o órgão do pensamento e das sensações. A ideia de alma, como centro da consciência humana é encontrada em diversos povos e civilizações, relacionados, sobretudo, ao tema religioso.

Antes dos estudos fisiológicos da neuroanatomia, filósofos já procuraram compreender a mente humana sustentando posições de que a alma poderia existir de forma independente da matéria. René Descartes (1596-1650), filósofo e também anatomista, propôs assim o famoso dualismo cartesiano entre mente-cérebro, influenciando profundamente o pensamento europeu subsequente. A própria máxima “Penso, logo existo” é exemplo de um modelo transcendental para a existência do pensamento humano, pois quando o filósofo duvida de sua própria existência enquanto ser, não é sua qualidade biológica que provará seu existir, mas o seu raciocínio abstrato que irá, ou seja, a sua existência em próprio pensamento.

Não vou aqui eleger uma perspectiva, renegando outra ao posto de falsa. Quero sinalizar, na verdade, a necessidade de integrarmos a base biológica do comportamento aos aspectos culturais e subjetivos, os quais interferem nos processos psicológicos e na própria configuração cerebral. Podemos ver que esse aspecto metafísico do pensamento está assentado realmente em bases biológicas, mas também existe além do mesmo, podendo o influenciar. Neurologia e psicologia podem funcionar juntas, uma contribuindo com a outra, da mesma forma que fazem a anatomia e a fisiologia. Enquanto uma se dedica ao Hardware, a outra trabalha com o Software.

Pensemos num exemplo: um paciente sofre grande estresse em seu trabalho. Este estresse diário faz com que ele desenvolva algumas desordens psicológicas que nos serão conhecidas como patologias. Uma perspectiva biológica simplista e reducionista tentará medicá-lo, sedando as sensações que seu sistema nervoso receberia do ambiente de trabalho. O sujeito pensará até que está melhor, quando, na verdade, a aparente melhora não passa de uma máscara. O ambiente de trabalho continua sendo um lugar estressante, e que apesar do paciente não apresentar mais sintomas físicos, continuará a estar sendo psiquicamente influenciado pelo estresse. Se hoje a medicação impede de aparecer sintomas, no futuro ele poderá apresentar traumas psíquicos que marcaram profundamente sua história de vida.

Não estou aqui falando contra a medicalização, pois a mesma em muitos casos é necessária. Entretanto, é importante sinalizar que a banalização da mesma impede a promoção de uma saúde verdadeira. Cala-se o sintoma, quando o sintoma é na verdade a expressão de que há algo errado na vida daquele sujeito, e que a causa também deve ser combatida, e não apenas a sua consequência. No exemplo acima, ações que busquem a melhora daquele ambiente ou mesmo intervenções clínicas que viessem a ensinar aquele sujeito a lidar melhor com o seu trabalho podem vir a solucionar a situação sem todo o gasto monetário que a indústria farmacêutica exige. É preciso investir em ações que realmente fazem a diferença a curto e em longo prazo, ao invés de tentar tapar buracos com palha. Tapar um buraco com palha não evita que alguém que pise nele venha a cair e quebrar uma perna, só o faz invisível, e a sua ilusão de inexistência só faz com que mais pessoas venham a pisar nele e a se machucarem.

Aos que acreditam na ineficácia de intervenções subjetivas atuando em processos biológicos, é preciso compreender que a própria neurociência já provou a eficácia dos mesmos. Durante muito tempo realmente acreditou-se que o Sistema Nervoso Central após seu desenvolvimento tornava-se uma estrutura rígida, que não poderia ser modificada, e que lesões nele seriam permanentes, pois suas células não poderiam ser reconstituídas ou reorganizadas. No entanto, com o avanço das neurociências, pôde ser constatado que há sim um mecanismo de modificação do sistema nervoso em função de suas experiências, tanto em indivíduos jovens como em adultos, mecanismo este conhecido como neuroplasticidade. A plasticidade neural está presente em todas as etapas da ontogenia, inclusive na fase adulta e durante o envelhecimento.

Por fim, Alan Moore nos conta uma piada sobre este tema através de Aleister Crowley em Promethea.

Havia dois homens dividindo um carro ferroviário. Eles não se conheciam, só estavam viajando juntos por acaso. Um dos homens tinha guardada em sua capa uma caixa de papelão, com buracos feitos no topo. Depois de um tempo imaginando o que havia dentro da caixa de seu companheiro de viagem, o outro homem não conseguiu conter sua curiosidade. Ele disse, “com licença, eu não pude deixar de notar sua caixa. Por acaso há algum tipo de animal aí dentro?”

O outro homem sorriu e educadamente respondeu “você está absolutamente correto. Há mesmo uma criatura dentro desta caixa. E na verdade, eu posso até revelar, que o animal em questão é um Mangusto.”

O homem que iniciou a conversa ficou surpreso com a revelação. Surpreso, ele procurou uma explicação maior dessa informação, certamente provocativa, do estranho viajante… “Um Mangusto? Senhor, eu confesso que não esperava que fosse uma criatura tão exótica e estrangeira.

O animal que mencionou atiça tanto minha curiosidade que eu tenho que implorar para que diga mais. Qual sua relação com essa espécie, se me permite a ousadia?”

O outro homem, meio constrangido, respondeu “bem, é algo pessoal, já que se trata de uma tragédia familiar. Sabe, essa história triste é sobre o meu irmão mais velho. Ele sempre foi o que você poderia chamar de ovelha negra da família. Ele sempre se satisfez em vícios comuns e previsíveis, sendo o pior de todos seu apreço por bebidas fortes. Suas bebedeiras continuaram até ele chegar ao estágio final de melancolia, o delirium tremens. Meu irmão agora vê serpentes em todos os cantos, por isso estou levando este Mangusto para ele, para que possa se livrar delas.”

“Me perdoe”, o outro homem interrompeu, parecendo confuso, “mas essas cobras que seu irmão vê… não são cobras imaginárias?” Seu colega viajante respondeu “De fato. Mas esta…” e aqui ele gesticulou dramaticamente para a caixa perfurada, “é um mangusto imaginário.”

Por Igor Teo, do blog Artigo 19

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Respostas de 3

  1. Belo texto..imagem mental ..engraçado como aos poucos “tudo” vai se diluindo nesses aspectos…

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