[parte 7/7] Alquimia, Individuação e Ourobóros: Conclusão

Esta é a sétima e última parte da série de sete artigos “Alquimia, Individuação e Ourobóros”, que é melhor compreendida se lida na ordem. Caso queira acompanhar desde o começo, leia as parte 1, 2, 3, 4, 5 e 6. Obrigado por todos que acompanharam a jornada dessa série!

Conclusão

O presente trabalho teve como objetivo traçar os paralelos entre a opus alquímica e o processo de individuação, investigando o significado da imagem alquímica e arquetípica, suma do processo de individuação, o Ourobóros. Através do método de amplificação e de levantamentos bibliográficos, foram analisadas obras filosóficas e/ou acadêmicas que explicitavam a simbologia desta imagem arquetípica, suas correspondências dentro da simbologia alquímica e as respectivas analogias com o processo de individuação descrito por C. G. Jung.

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A amplificação promove associações diretas da consciência frente a uma imagem, conteúdo ou símbolo explorado, cujo nome é circumbulação, ou seja, um movimento circular em torno de um ponto – o próprio método é o uma manifestação ourobórica – “a amplificação consiste simplesmente em estabelecer paralelos” (JUNG, 1998, 172).

Estende-se ao ponto de considerar aspectos coletivos através de experiências individuais, recorrendo a fontes de cunho cultural, histórico, mitos e filosóficos, afim de “ampliar o conteúdo metafórico do simbolismo” (JUNG, 1998, 173).

O símbolo estaria carregado com os significados arquetípicos de uma forma apresentável para o ego, e seria então o terceiro fator da relação psique-corpo, um intermediador que facilitaria o equilíbrio e manifestação da individualidade, possibilitando uma vida menos sintomática. Uma vez que a psique tem dificuldade de perceber e atuar com diferentes polaridades, a doença de manifesta como uma forma de chamar a atenção para a unilateralidade da psique, e convidá-la a integrar outros aspectos.

Seria o símbolo então a ferramenta principal da psique para se manifestar e se transformar, e que, as religiões, são carregadas destes símbolos que ajudam o homem a se religar com o divino, ou com seu próprio self, numa forma de vir-a-ser mais natural e fluída. Toda manifestação de doenças exigiria uma compreensão e investigação simbólica, que facilitaria a dissolução da mesma.

Em síntese, considerando o paradigma social de unilateralidade, manifestado entre outras esferas, na psique, produz adoecimentos nos indivíduos, em níveis mentais e físicos.
A integração desses aspectos psicológicos inicialmente opostos seria, portanto, a chave da chamada individuação. Através destes, seria possível atingir um estado psicológico centrado, no qual o maniqueísmo neurótico não mais afetaria negativamente.

A individuação, portanto, diz respeito ao processo cíclico de integração dos opostos psíquicos para transcender e atingir um contato mais significativo com suas essências e se aproximar do arquétipo divino, o Si-mesmo (Self), e está intimamente ligada com os processos e etapas alquímicas.

Realizar a síntese destes opostos no Si-mesmo é a meta do processo de individuação. Isso ocorre com a discriminação e a consequente integração de conteúdos inicialmente inconscientes e que fazem parte de um processo de transição da consciência comum (vigília) para um estado psíquico mais amplo, na busca do homem consciente, o homem total.

De acordo com Jung, o ser humano possuí uma forte necessidade de auto conhecimento e de obtenção de um equilíbrio psicológico e pessoal, e este propósito universal reflete-se nos arquétipos e pode ser identificado ao longo da história, em todas as religiões e orientações religiosas.” (CHEVALIER, 1998, 11)

Evidentemente, esta é uma experiência incomum e vivida por poucas pessoas geralmente não antes da segunda metade da vida. A Individuação é um processo que ocorre durante toda a vida, mas, às vezes, há uma intensificação antes da maturidade da idade adulta e, quando isso acontece, há uma mudança na forma da pessoa encarar sua vida, fazendo-a manifestar, às vezes, alguns “comportamentos místicos”, num sentimento de comunhão e harmonia com a vida.

É de suma importância que as pessoas consigam refletir e entrar em contato com tais aspectos de suas personalidades, uma vez que, compreendendo-as, é possível integrá-las, tendo como consequência uma existência mais saudável e prazerosa, transcendendo a patologia e permitindo que suas verdadeiras essências venham à tona e se transformem.

A alquimia, como um antigo método para a obtenção desse re-ligare com o Self, permite o amadurecimento da psique através de metáforas, possibilitando a integração de opostos psíquicos complementares. Percebemos que o processo alquímico é cíclico, e, assim como o processo de individuação, exige um constante processo de atuação do indivíduo para com seus conteúdos, processo este que Jung define acontecer por toda a vida. A mesma metáfora pode ser utilizada para definir o Ourobóros, um processo cíclico e constante, que representa a integração de opostos e a volta para a unidade.

O Ourobóros é a resolução do conflito dialético atingido na busca da Individuação a unidade da separação, ou solve et coagula (dissolve e solidifica), representando metaforicamente todo o processo da opus alquímica. É uma símbolo presente em diversas esferas sociais e religiosas. A imagem revela o paradoxo do infinito, onde tudo se inicia em seu próprio fim, e acaba em seu próprio começo.

A partir deste levantamento bibliográfico e imagético da simbologia mandálica e da serpente, fica claro as correspondências arquetípicas encontradas entre o processo de individuação, a figura do Ourobóros e os processos alquímicos.

Sendo assim, o principal resultado deste trabalho aponta que a figura do Ourobóros é uma ideia arquetípica que se refere à capacidade humana de se renovar e se superar, solucionando os conflitos egóicos, e ampliando a consciência humana no sentido da individuação, promovendo saúde mental.

Mas e aí, entendi o círculo, e como posso transcender esse aspecto circular e me aproximar mais do meu próprio Self? O caminho é longo e, como vimos, não tem fim, mas formas geométricas e símbolos podem nos ajudar, como uma chave, a abrir as portas para o desconhecido, o inconsciente. Devemos ficar atentos ao que nossa intuição nos mostra, aos caminhos que nosso coração aponta. Tudo está interligado e o círculo, é só o começo.

Como vimos, Masan (2009) apresenta o Amor como uma das chaves para a integração psicológica dos opostos e eu particularmente sou adepto desta filosofia: através da compreensão, empatia e alteridade podemos nos permitir uma real abertura para tudo aquilo diferente de nós e dos nossos valores, e com afeto, perceber o Outro como um reflexo de nós mesmo, um universo complementar que permite integração psíquica e saúde mental. Talvez, como diria Sartre, o inferno realmente são os outros. Mas é também no outro que vive a semente do Paraíso, pois só se pode provar a doce ascensão, aquele que já viveu a amargura da queda.

Referências Bibliográficas

CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro. Ed. José Olympo. 2008

JUNG, Carl Gustav. A Vida Simbólica. Obras Completas. Vol. XVIII/I. Petrópolis. Ed. Vozes. 2 Edição 1998.

MASSAN, Francisco. Opus Alquímica e Psicoterapia. Disponível em: www.clinicapsique.com/doc/opus.doc. 14/05/2013

Imagens:

‘Édipo e a Esfinge’ obra de Gustave Moreau (1964)
Hieroglifo egípcio ‘Ankh’, que representa a chave para a vida eterna
Mandala Tibetana
‘Sadhu’ pintando o rosto com a marca do deus Shiva
“A Short Tour and Farewell” de Raymond Douillet
Garoto segurando uma flor, imagem da internet sem referência
Demonstração do princípio hermético da correspondência: símbolos, macro e microcosmo

Ricardo Assarice é Psicólogo, Reikiano e Escritor.

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