Paralisia Progressiva

Este texto foi traduzido com a permissão de Ulric “Gestumblindi” Goding a Nicholaj Frisvold para publicação exclusiva aqui no TdC. Ulric é membro do Clan of Tubal Cain, publicado originalmente no site http://manofgoda.com sob o título “Progressive Stasis”.

Escrevo isto não como um mero seguidor de uma prática distinta em sua tecnologia, mas como um membro de um povo distinto em sua cultura. Os chifres são colocados, o garfo na mão. Hora de ser patife e bancar o advogado do diabo.

Todos os homens não são iguais.

Vomita-se uma utopia enjoativamente doce.

Balindo no rebanho crescente, as ovelhas permanecerão ovelhas e lobos agirão de acordo. Por mais que se queira do contrário, isto não pode mudar.

As ovelhas podem ser apaziguadas e convidadas ao covil, mas vão ser abatidas para o jantar quando a necessidade ou o desejo surgir.

A fixação de si, e qualquer posterior olhada para o próprio umbigo parece ter desarmado o “mundo ocidental”. Tentamos defender a correção política, durante todo o tempo em que vivemos sob uma política que falha a muitos. Assistimos ameaças fortalecerem enquanto brigamos para determinar qual ação é a certa. Devido à natureza “progressista” da sociedade ocidental, há tantas opiniões diferentes quanto há indivíduos; tanto que a progressão em direção à resolução vacila e fica estática. Força na identidade comum sempre terá a vantagem. No entanto, quantos neste “mundo saidinho” podem dizer que ‘adicionaram’ à comunidade? Não é uma coleção de indivíduos que compõe uma comunidade, mas uma coleção de unidades menores coesas, as famílias se preferir.

Mesmo que ser um ser humano seja um traço comum entre nós, não somos uma bolha homogênea. A constituição – não só a humanidade, mas também a multiplicidade de expressões de vida neste mundo – é heterogênea e deve ser acolhida como tal.

Será que estamos olhando para as tentativas de conversão, pregações de ‘profetas’ infindáveis, radical-isto, liberal-aquilo, abundantes manifestos que buscam casar o Ofício com humanismo secular? Se você não aceitar “isto”, então você não é “verdadeiramente” aquilo… De quem é a autoridade que dita que tal é o caso?

O “Tradicional” ou o Velho Ofício já teve seus dias?

As cosmovisões tradicionais são exclusivas em sua natureza, e tal é a natureza da besta, pergunte a qualquer antropólogo e tenho certeza que ele vai te dizer o mesmo. Uma pessoa está ou no limite social aceitável ou no (sub) cultural, e se fora deles então, a pessoa é, literalmente, uma “forasteira” por padrão.

Pessoalmente, posso percorrer a paisagem, compartilhar a companhia de outros, beneficiar-me da hospitalidade alheia, mas permaneço distinto deles. Sou obrigado à Lei do meu Povo, encontro o meu parentesco no Povo, devo a minha fidelidade à Dama e Magister do Clã. Outros têm suas próprias obrigações e limites que eu não compartilho, e por isso sou um “forasteiro” para eles e à sua raça, da mesma fora em que eles são para a minha.

Eu entendo que estas não são palavras confortáveis ​​em um mundo que demanda inclusão; no entanto, esta é a realidade para aqueles que aderem a um paradigma Tradicional.

As Nornes decidiram o meu fado nesta vida em minha primeira respiração, provavelmente muito antes disso. Se eu não nasci uma determinada cor, credo ou assim por diante e isto me impede a entrada para um sistema ou cultura nativa, então que assim seja, as Nornes falaram. O problema não reside na exclusividade, mas com a violência ou falta de tolerância demostrada tanto na manutenção da exclusividade, ou na execução da inclusão. Por exemplo, é “errado” se os povos nativos desejam manter suas práticas exclusivamente aos seus? Em minha opinião, não é. Ainda assim, o comportamento exclusivo pode ser debatido como racista? Vou deixar que cada um medite por si.

Parece ser um fenômeno moderno que as pessoas pensem que o mundo lhes deve algo, que pelo mero fato de termos nascido humanos, nós “temos o direito” a cultura ou subcultura de todo mundo. Bem, aqui eis aqui uma novidade para estas pessoas: o mundo não lhe deve nada. Somente através de suas ações você pode adquirir sua porção alocada na vida e não por simplesmente existir como um membro da humanidade.

A dura realidade da vida é que não nascemos iguais, intelectualmente ou fisicamente não desenvolvemos de forma homogênea, cada um tem seus próprios pontos fortes e fracos que podem beneficiar e prejudicar enquanto se percorre o caminho do nascimento à morte. Para aqueles que buscam consolo no Culto do Indivíduo, esta é uma perspectiva desconfortável.  Isto significaria que um é “melhor” equipado do que o outro em diferentes estações dentro da estrutura da sociedade. Para aqueles que aderem a uma visão de mundo tradicional, esta não é uma perspectiva desconfortável para ser substituída por uma inclusão liberal; esta é simplesmente a realidade comum, onde as peças díspares forjam um todo mais forte.

Por muito tempo as pessoas têm remado em um esgoto da Nova Era de “busca-de-si”, “autodesenvolvimento”, “eu”, “si”, “self”… Beneficiando a si mesmo como uma prioridade, a evolução material de raízes fundadas na escatologia egoísta que é “salvação pessoal”.

Eu olho ao redor, à “comunidade” do Ofício e vejo multidões de indivíduos que buscam “fazer um nome” para o seu próprio bem, para ser um movedor e agitador dentro da esfera da Arte. Mestres autoproclamados, Conselhos e Manifestos declarados que engrandecem os autores mais do fazem tirar as bundas para fora dos sofás e longe das telas.

Ouço com uma consistência desanimadora: “Meu relacionamento com os espíritos me dá …”, “eu vou fazer um trabalho para conseguir … “,” Eu vou comprar este livro de edição limitada com pele de cobra…” Que farsa; parece que nós, pessoas confortáveis do século XXI estamos brincando de Harry Potter para que possamos nos vangloriar para o outro avatar sem rosto na Internet. Aquilo que as pessoas estão brincando que a Arte seja é pouco mais do que chacoalhar os braços, ouvindo ecos vazios da própria conversa fiada e inflando egos enquanto nos gabamos para todos os que quiserem ouvir. Isto está longe do que me motiva à Arte.

Perdida em distração mesquinha, essa busca da construção de uma persona aceita pelos colegas tem feito mais dano do que benefício na construção de algo duradouro.
O Culto da Personalidade de fato é um veneno doce e doentio, assim como os edulcorantes em alimentos artificiais que você não pode sentir isso te matando. A preciosa visão de si de uma pessoa significa muito pouco, na melhor das hipóteses uma persona carismática possibilitará a difusão de ideias que podem beneficiar a comunidade, na pior das hipóteses uma persona carismática pode causar atrocidades tais como as sofridas durante a Segunda Guerra Mundial, bem como eras anteriores e posteriores. Persona é meramente uma ferramenta que permite a interação, que esperançosamente dá à pessoa os meios para beneficiar a sua comunidade. Um artesão não é definido por suas ferramentas, nem deveríamos ficar fascinados pela ferramenta que é o ego.

Robert Cochrane, um antepassado do meu Povo e fundador do Clan, tem sido sujeito a este culto à personalidade e desde seu falecimento muitos querem um pedaço dele, por assim dizer. Por favor, permita-me ser um tanto controverso por um momento…  Quem era ele do lado de fora de seu próprio povo não tem importância; sim, ele era dotado, ele também era atormentado. Tenho certeza de que há muitos que compartilham traços no mundo. O mais importante são as suas ideias, coisas que sobreviveram e foram reforçadas desde sua morte, ideias que deram inspiração a muitos, ideias que fortaleceram uma comunidade maior, em vez de beneficiar apenas a ilha solitária de si mesmo.

O Ofício é todo a respeito do relacionamento, pura e simplesmente. Sim, o self-ego nos dá um ponto de orientação inicial, como levamos a nossa bússola e viajamos através das vastas paisagens da existência humana e extra-humana. Mas serve apenas como uma orientação inicial. Relacionamentos não são unicamente focados em tomar, mas doação recíproca. O Ofício é uma expressão natural da cultura, tradicionalmente enraizada na troca de presentes que estreitava os laços dentro da comunidade (entre ambos, humanos e os Outros), e isto, por sua vez, dava melhores chances de sobrevivência contra a ameaça externa, seja na forma de fome ou violência. Deixe-me reiterar, no entanto, não é tanto a sobrevivência de si, mas a sobrevivência de um povo.

Se não formos vigilantes, o Culto da Individualidade trará a morte da Arte Tradicional. Não importa nem um pouco se alguém é gay, hétero, trans, negro, branco, amarelo; pró-isto ou anti-aquilo, isso é apenas mais entrincheiramento dentro de si. Abrace a heterogeneidade, mas nunca perca de vista que em vez de servir a si, busque servir ao seu povo, a sua comunidade, em primeiro lugar. E para aqueles que se professam Magister, Convocador, Homem de Preto, ou outros títulos, lembre-se que tais títulos devem lembrá-lo de que você carrega mais responsabilidade a serviço do seu povo, mantenha-os como um fardo de necessidade e não uma dádiva de status.

Seja qual forem os títulos, distinções ou orientações do self que são mantidos, eles logo desaparecem quando a lâmina é colocada no pescoço. Não é uma perda iminente da orientação ou cor que tememos nesta circunstância fatal, é a perda de vida que lamentamos.

Afinal…

“Ninguém encontra muita utilidade para um cadáver” (Hávamál)

Flags, Flax & Fodder,

Ulric “Gestumblindi” Goding

Níwe Dæg – Níwe Léoht – Níwe Hopan

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Respostas de 33

  1. Facilidades de comunicação, jogadas de marketing, os 5 minutos de fama, o desabafo das minorias, mídias…

    Isto tudo irá passar…conforme a natureza, apenas permanece o que é útil. É tudo modismo.

    A falta do conceito de família faz as pessoas serem carentes…

  2. E ainda assim, é também ego colocar-se como uma pessoal “tal” ou “qual” dentro da comunidade. Assumir cargos e títulos, fomentar relacionamentos e comunicações que assumam qualquer tipo de valor ou qualquer tipo de julgamento de habilidade – tudo isso é Ego.

    Apenas não é um Ego construído a nível individual, mas sim um Ego construído a nível Social – também conhecido como “Status Quo”.

    Em outras palavras, àquele deve-se dar o mesmo tratamento que a esse. Referindo-me ao próprio autor, algo como : “Não se maravilhar com uma simples ferramenta, nem torná-la um objetivo em si mesma”.

    1. D., não falando pelo Clan of Tubal Cain, mas de uma forma geral sobre bruxaria tradicional, é costume corrente que a estrutura seja bastante similar à de uma família, com pai, mãe e filhos. Geralmente, é uma estrutura hierárquica interna com uma ideologia anárquica, ou seja, absolutamente consensual. Penso que o texto veio em boa hora justamente pelas recentes tentativas de colocar “bruxaria” como algo institucionalizado em associações, conselhos e pasme, até igrejas.

      1. A parte política, ignoro completamente.

        Contudo, mesmo uma família construída pelo consenso, ainda assim é uma família – não é porquê os papeis são dados e assumidos de bom grado, que deixam de ser papeis.

        Nesse sentido, o Ego continua presente – como sempre continuará, diga-se de passagem, visto que é uma estrutura psíquica necessária ao convívio com o mundo externo aos desejos e impulsos daquele que o possui.

        Concordo plenamente que deve ser direito da tribo (ou clã) aceitar ou negar a entrada de pessoas em seu meio, e, principalmente, que não é obrigação de clã algum ser uma instituição, ainda mais uma instituição pública (visto que a todas as sociedades e instituições privadas de nosso tempo é permitido escolher seus membros segundo os seus processos internos de “perfil desejado”).

        Contudo, isso nada tem a ver com a existência de um Ego, e nem se torna melhor caso o Ego Privado seja dissolvido em prol de um Ego Público.

        Nesse ponto, não a política, nem sua necessidade ou falta dela, nem as implementações de facto de tal política, são objeto de minha crítica.

        Mas, tão somente, as estruturas e os discursos usados para explicar o fenômeno e justificá-lo.

        Por esse motivo acredito ser justo dizer que, não em seu clamor por dar às tribos o direito de escolherem quem delas poderá participar, mas nas justificativas que usa para tal (que poderiam ser outras, bem mais válidas), o texto se contradiz e perde a razão.

        1. Talvez seja por isso que o autor do texto tenha esclarecido que este não fosse um texto palatável, nem politicamente correto, mas uma realidade que ele e o Povo dele vive, independente do que achamos. Acredito que tenha o seu valor por ser um exemplo do quão fora do lugar comum um Clã pode ser.

          1. É uma discussão válida, de fato, para observarmos como um clã pode buscar se proteger do exeterno e validar sua existência como algo íntimo, e não público. E nesse ponto – como um chamado à realidade de que magia não tem que ser pública, não por princípios morais a respeito do “calar”, mas sim porquê simplesmente os praticantes podem NÃO querer ensinar a ninguém, NÃO se tornar íntimo de alguém, e tem seu direito de fazê-lo – o texto possui valor.

            Mas deuses, precisa botar “ego” no meio ? Transformar o texto em um dos inúmeros discursos usando o tema batido da “dissolução do ego”, e ainda por cima usando o termo de forma incorreta ?

            Realmente, não é um texto politicamente correto. Mas não parece conter também uma boa quantidade de argumentos estereotipados no meio magístico ?

            Enfim. Acho que simplesmente frustrei-me com o texto e sua abordagem do assunto. Não há muito mais o que dizer.

          2. Válidos os seus comentários e argumentos D. Talvez o autor use o lugar comum “ego” por sua fácil compreensão popular, e talvez fosse mais interessante usar “hubris”, um termo não tão popular.
            Sobre estereótipos, poderia nos elucidar a quais exatamente você se referiu?
            Toda a ideia de trazer o texto para o TdC foi realmente causar alguma agitação e gerar algum debate edificante, justamente pela corrente tendência de fazer o que é por natureza “marginal” em algo civilizado e institucional. Só por este motivo, este texto já valeria a pena, penso eu, afinal, pôde trazer aqui seus comentários a respeito 🙂

    2. Concordo contigo D., referente às contradições do texto, principalmente sobre o “ego”.

      Mas compreendo que cada Clã ou Ordem tenha sua particularidade, ainda mais uma que lide com a Arte de maneira tradicional.

  3. Este texto xenófobo, conservador, dogmático e retrógrado foi de uma ignorância ímpar. Meus parabéns ao autor, um exemplo de superação. Será difícil de ser igualado, campeão!

    1. Bem, você não entendeu que em sua casa e com sua família, não é a maioria que dá os ditames. Que bom, não é? Mas enfim, esta é a era onde todo mundo tem direito a opinião, e você tem a sua, e claramente sem sequer entender o que um “Clã” de Bruxaria Tradicional é. Tomara que ninguém venha ditar regras em cima das suas práticas espirituais, mesmo.

    2. Ao olharmos pelo prima político para o texto, realmente remete à uma ideia de conservadorismo, mas se expandirmos o prisma para a prática do Ofício que o autor têm (e que liga em todos os âmbitos de nosso ser e agir), que é a Bruxaria Tradicional, entendemos como sua maneira de existência. Tudo está ligado às raízes, à família e aos antepassados, cultural ou kármicamente. Ao menos foi isso que enxerguei e senti, ao me deparar com essa linha de prática.

  4. “para melhorar é preciso mudar”

    quem escreveu este texto está enraizado em ideias retrógradas…

    próximo

      1. se a bruxaria tradicional é tão fechada e “exclusiva”, que esperanças podemos ter de estudá-la e aprendê-la? se os “forasteiros ao clã” são considerados indignos de serem instruídos na arte, eu diria que isso se reflete de volta, de modo que esse caminho seria indigno de tomar meu tempo de estudo…
        não quero começar uma briga e muito menos provocar ressentimentos, porém essa atitude me parece claramente xenófaba e retrógrada… corrija-me se eu estiver errado por favor…

        e deixe-me ressaltar: não quero provocar brigas e nem ressentimentos, admito que meu julgamento pode ter falhado e causado alguma má interpretação

        1. Olá Cristiano. Ela é fechada e exclusiva sim, como costuma ser uma família. Isso significa que de tempos em tempos a “família” pode adotar uma pessoa por questão afinidade. Há tempos muita gente da bruxaria tradicional tem defendido que as pessoas deveriam trabalhar o resgate cultural de sua própria gente e formar seus próprios núcleos familiares. Não há como “estudá-la” e “aprendê-la” por vários motivos: um deles, porque isso só ocorre através da imersão, restando apenas estudar o que se torna público para ser tomado como exemplo, outro, porque cada família tem seu próprio conjunto de mistérios. Isso significa que há uma grande diversidade (heterogenia) no que tange à Arte das Bruxas (e daí, não há senso em institucionalizar). No caso específico de Clan of Tubal Cain, é justamente por conta da exposição de Cochrane, que rendeu um número absurdo de pessoas “querendo um pedacinho” do que o Clan desenvolveu. É importante salientar uma comparação: repare na nossa cultura indígena e me diga se está certo que qualquer um agora possa ser um pajé “de final de semana”, sem ser um ser livre das matas quanto um índio é. O contexto cultural dentro da bruxaria tradicional é uma das peças chave para sua compreensão.

          1. Ah, e a propósito, quando ele diz “meu Povo”, ele quer dizer “O Povo de Goda”, expressão indicativa de um determinado grupo de pessoas, e não “britânicos”.

          2. grato pela resposta, interessante saber como funciona os clans.
            só sinto pena pela exclusividade, eu acredito que todo o conhecimento pertence a toda a humanidade (quem acha que descobriu, na verdade só viu antecipadamente o que já existia) e sua divulgação sempre resulta em aspectos positivos no balanço geral…

            talvez não seja possível ser um pajé só no fim de semana, mas acredito que eu poderia usar o que o pajé me ensinou mesmo não tendo o mesmo nível de contato com a natureza que a dele, e também misturar com o que eu já sei, aprimorando o que eu já sabia e o que eu aprendi… se a verdade é única, os fragmentos são peças de um quebra-cabeça…

            essas são as opiniões de um neófito, estou aberto a críticas e contra-argumentos se sua visão for diferente da minha, gostaria de saber como você pensa a respeito disso

          3. Então… vamos usar a comparação do pajé. Obviamente, eu concordo que devemos nos beneficiar com a sabedoria do pajé, mas é bem outra coisa a gente sair por aí e se intitular “pajé”, porque para ser “pajé” você precisa viver entre aquela determinada comunidade. Para isso, você precisa ser aceito dentro dela, você precisa ser aceito como aprendiz do pajé mais velho, ele precisa estar disposto a te ensinar, e você precisa de um longo período de treinamento. Não só isso, se você não tiver talento nenhum para isso, o pajé simplesmente te descartará no meio do caminho. Simples assim. Então, não, não é simplesmente chegar e assaltar aquela comunidade de sua sabedoria e retirar esta sabedoria fora do contexto onde ela foi concebida. Não é nosso direito fazer as coisas assim (entendeu agora o que disse sobre mecanismos de auto-preservação e proteção?). O conhecimento está lá para toda a humanidade? Sim, mas sempre estará sob a regra “para os olhos que estão lá para ver e com ouvidos para ouvir”.

          4. Voltando um pouquinho na sua questão, só um comentário que acho que faltou. Onde você diz “se a verdade é única”… bem, eu não acredito em verdade única, e tenho certeza que você, se pensar bem, também não. Há a verdade factual, há a sua verdade, a minha verdade, há a verdade espiritual de cada um (que vai diferir de acordo com a sua vibração e inclinação natural), então, não sei não… eu jamais poderia dizer que sou dona de UMA “verdade única” sequer. Os fragmentos são peças que podem ou não se encaixar no SEU quebra-cabeças. Todo mundo tem um, e mais uma vez caímos no lance da heterogenia, não é?

            Eu não tenho críticas, só formas de provocar mais pensamentos em nós dois. 🙂

          5. eu me referi “a verdade única” como a verdade inacessível e superior, do qual cada um tem um ponto de vista diferente, derivando as verdades pessoais que chamei de fragmentos. E coloquei um “se” na frase pois não sei se essa “verdade única” existe e, se existe, é única. Talvez dê pra chamar essa “verdade única” de Deus ou realidade

        2. Eu concordo com o Cristiano com relação à suas ideias revolucionarias sobre conhecimento (que não deve permanecer aprisionado) e da relação dos grupos e clans. Mas observo que parece haver uma confusão: guardar o conhecimento dos não-iniciados (ou profanos, pois é isso que significa a palavra) não é esconder o conhecimento: porque o conhecimento se baseou em experiência, ou seja, qualquer um pode tocá-lo a partir da experiência, afinal ele está na realidade, e democraticamente disponível à todos.
          O que na realidade um clã faz é abrir o conhecimento composto (que foi descoberto pela experiência) àqueles que compartilham de sua vivência. Não faz sentido, metaforicamente, ensinar uma pessoa a subir em árvores para pegar frutos se ela sequer se interessa por comer frutos, entende? A pessoa poderia descobrir sozinha, pela experimentação, mas o grupo já sabe como fazer aquilo sem cair, ou de maneira rápida, ou que pegue os melhores frutos das copas.
          No exemplo do pajé, ele não deixaria de ajudá-lo com algo ou tirar uma dúvida porque você não faz parte da tribo: ele somente não te ensinaria seu Ofício e os Segredos que carrega, porque você nunca vai exercê-lo. A não ser que se proponha a passar por uma experiência na tribo, adquira seus costumes, compartilhe suas vivências: porque é para elas que o conhecimento do pajé surtirá necessidade.
          O pajé poderia inclusive lhe ensinar sobre seu povo, sobre seus costumes, sobre suas práticas religiosas (superficialmente), se isso fosse do seu interesse. Mas entregar noções que vieram à tona NAQUELE GRUPO somente, que ligam diretamente sua estrutura, a alguém que não tem o compromisso de não usar àquilo contra eles ou semelhantes são difíceis de aceitar, em todos os níveis de grupo.

          Você e a Bruxaria Tradicional, fiquem a vontade para acrescentar ou discordar com seus pontos de vista e vivências, que ficarei grata de qualquer forma.

          Paz e Luz.

      2. acho que minha discordância vem de dois pontos:
        1 – eu não sei exatamente qual a definição de um clã de bruxaria e o quão aberto são a novos membros e
        2 – eu discordo do autor logo no início, quando ele diz que “todos os homens não são iguais”

        1. Vou responder aos seus dois comentários, e nesta ordem começo com o que foi postado primeiro:
          Em relação ao ponto 1 – É mais fácil usar a ideia de família para um Clã. Nos velhos tempos, “clã” determinaria toda uma “família estendida”, ou seja, primos, tios, primos de segundo grau, etc., que viveriam juntos num vilarejo. Estas famílias, tanto antigamente quanto em nossos dias, têm sua própria maneira de ver o mundo, têm sua forma de celebrar plantios e colheitas, toda esta sabedoria acumulada através de gerações. Como todo vilarejo nos velhos dias ou como estes grupos costumam perceber em nossos dias, é necessário não só “preservar” para que esta herança cultural não morra, mas também proteger contra gente que não possui os mesmos valores e muito frequentemente, vêm para criar uma série de obstáculos e confusões. A gente pode ver isso, por exemplo, com pessoas que são excluídas de grupos e se sentem “injustiçados” e saem por aí revelando coisas que são íntimas daquele grupo específico. Qualquer grupo cria mecanismos de auto-proteção, e a pessoa precisa se provar antes de ser convidada.
          Em relação ao ponto 2 – Bem, ele deixou bem claro ao longo do texto, mas se logo no início você entrou em resistência com a premissa, pode ser que tenha passado batido. Veja bem, todos os homens têm talentos, só que não são iguais. Todos nós temos direito a opinião, mas a opinião do sábio é sempre a melhor. É uma questão de constituição pessoal. Alguns nasceram ou desenvolveram certos talentos que cabem em uma determinada situação, e não caberia em outra. A própria “bruxaria” é assim. Se você não é capaz de realizar um feitiço (bem sucedido), se não é capaz de mudar de forma, se não é capaz de voar, se não tem conexão com espíritos familiares… bem, você pode ser um wiccano (porque esta é a única modalidade que se dispôs a ser “democrática” e para qualquer um que a escolha), mas dificilmente você teria a chance de entrar numa família bruxa. De acordo com uma maioria de bruxos tradicionais, um bruxo nasce, um feiticeiro, faz-se. É importante não confundir esta igualdade simplesmente com o fato de termos em comum “ser humano”, esta foi a ideia do autor.

  5. Eu penso assim: primeiro, a bruxaria em si é tão aberta quanto um bosque ermo sob o luar. Mas um clã, uma tradição tem suas ideologias, conservadoras ou progressivas, de acordo com suas premissas oriundas de sua própria tradição, e não possuem o dever nenhum de acatar quem quer que seja pelo simples querer do outro. Oras, tente ir a uma faculdade pública, por exemplo, e diga “eu quero entrar, eu tenho este direito!”. Absolutamente.
    Segundo, embora a bruxaria seja um caminho aberto à todos, a Noite é invejosa de Seus Segredos e não os revela sem o um trabalho árduo na forja de Tubal Caim/Hephaestos.
    Terceiro, no cerne da bruxaria encontra-se a heresia, a semente da apostasia através do caminho selvagem, sem rédeas e grilhões. Definir e limitar a bruxaria é continuar a condicionar o self—ego nos ditames sociais da aceitação mundana.
    E por último, que fique claro que não sou um bruxo tradicional por isso tome estes pensamentos por imparciais. Aliás nem bruxo eu me considero. Aprendi logo cedo que nunca devemos chamar a nós mesmos de bruxos. Temos que deixar que os outros nos chamem. Quando então for apontado, pelo exemplo, pela práxis e não apenas pela letra, como o Maldito, o Tecedor de Sonhos no limiar da meia—noite, O Anjo feito Carne, então aceitarei com honra o peso e glória do exílio. Isto é Alteridade.
    Como se diz entre os bruxos tradicionais, possa a Palavra nos proteger da mentira.
    Belíssimo texto.

  6. Bom, acredito que as leis de afinidade e conquista pelo direito a alguma coisa que seja justa imperam nesses assuntos de exclusivismo ou grupos fechados.
    Para entrar em uma empresa vc precisa passar por uma entrevista que deveria pelo menos determinar se você está apto, não apenas tecnicamente, mas também em termos psicológicos de fazer parte daquela equipe, o que tem tudo a ver com afinidade.
    Para entrar numa família você também só consegue por relações justas e bem estabelecidas com os membros já encarnados, inclusive passando pela aceitação destes e “entrevistas” frequentemente.
    Provavelmente existem grupos fechados aqui no nosso mundo que para entrar não se pode passar por uma entrevista aqui, mas por um planejamento já do outro lado, antes de encarnar, caso seja justo e haja afinidade para tanto.

  7. Porque ser gay (ou qualquer outra coisa) não pode ser uma forma de pertencer a uma família tb, como se fosse um clã? Infelizmente, nem sempre é na família sanguinia que conseguimos nos expressar e ser verdadeiramente felizes, como somos quando exercemos nossas verdadeiras vontades.

    1. Nada impede gays de pertencerem a uma família (o texto é claro em citar que estas separações são entrincheiramentos).

  8. Creio que a definição de um clã de Bruxaria Tradicional organizado como um núcleo familiar é bastante pra entender o porquê de sua exclusividade. Ninguém permite que um estranho entre na sua casa sem ao menos ser convidado, abra a geladeira pra se servir à vontade, adentre os cômodos da casa livremente, mexa nos pertences dos moradores, ou pior, se meta em assuntos de foro íntimo, que dizem respeito somente às pessoas daquela família em questão, coroando-se com o direito de interferir sobre como as coisas deveriam funcionar ali. Cada família bruxa terá seus próprios filtros, suas próprias chaves e portas de acesso, que aproximem ou barrem o interessado por aquela família, antes de ser tomado por ela como um igual, em “like to like, love to love, blood to blood”.
    O ponto é que, neste mundo moderno onde prevalece uma constante incitação por todos os lados para reivindicar-se um direito de inclusão, de “pertencer”, de “igualdade”, ou aquele “selfismo” compulsivo comentado pelo autor do texto, Bruxaria Tradicional se mostra simplesmente não-democrática e eternamente fechada a quem esperneia do lado de fora enquanto banca o injustiçado.
    Talvez seja difícil aceitar isso já que neste mundo ocultista de facilidades um manual ao estilo de “10 passos para ser isto ou aquilo” que fomenta a ilusão do pertencer, ou um conceito mal expresso de Vontade que é usado como ferramenta para auto-imposição, parecem corresponder melhor a este tipo de ânsia.
    A cada um o que lhe for devido.

  9. Gente… eu acho que o que ele fez foi recitar as diferenças entre a individualidade que opera num mundo e a tradição hierárquica de sistemas tradicionais. Ele não é contra a individualidade, mas com o individualismo que pode resultar da mesma.
    Individualismo = rejeição das obrigações de solidariedade para pensar só em si.
    Individualidade= o que nos torna únicos.

    Ele não critica as diferenças, pelo que eu pude ver. Mas lamenta a forma como essas diferenças tentam exterminar os traços coletivos, como se isso tirasse aquela fagulha de “eu sou diferente, portanto especial” que todo mundo quer ter. E como a magia foi institucionalizada como uma propriedade de certas ordens. Aí você vê aquela típica briga de “meus rituais são melhores que os seus”; “eu sou mais apto e tenho entidades melhores”. E isso tudo dentro de variações que buscam individualizar aquilo que não tem necessidade, mas é feito apenas pra produzir uma vertente sua de magia. É diferente da questão de Chaos Magick, Thelema, Golden Dawn e tal. Mas no caso, se refere aos grupos que se formam por iniciativa de alguém de não respeitar uma hierarquia definida e criar a sua hierarquia, com o único objetivo de se manter no topo de uma hierarquia semelhante, só que tendo a si como chefe. E aí ele entra na questão de exaltação do ego de ser alguém diferente do resto do grupo, alguém “maior”.
    A reclusão de determinados conhecimentos é compreensível, visto que não se sabe suas intenções. Povos foram massacrados e tiveram suas culturas extintas por invasores. O medo é natural e autopreservação é consequência disso.
    Acredito que o ponto principal do texto seja conscientizar dos lados positivos e negativos da individualidade e individualismo como mecanismos de inclusão de si enquanto se nega algo do que você não quer ser somente uma engrenagem, mas o relógio todo. Sendo incômodo para você ser mais um, como se isso anulasse suas características únicas, tornando as pessoas cada vez menos relacionadas como iguais, mas sempre buscando exaltar suas diferenças sobre alguém que, consequentemente, será inferior a você.

  10. Entendi perfeitamente e concordo com o lance – que pra mim é óbvio e normal – de selecionar bem a entrada de indivíduos afim de PROTEGER seu patrimônio cultural, sua obviedade já foi bem ilustrada nos exemplos nos comentários sobre entradas em empresa e universidades, e é assim até mesmo em grupos de amigos (o exemplo do índio também foi ótimo). Acredito que todo esse coitadismo e esperneamento em busca de direito de tudo só por existir vem sendo plantado, pois observe sua seletividade, pois há uma cultura (que de acordo com Terence Mckenna nem mesmo é cultura, mas a total falta dela), ou melhor um sistema que vem buscando varrer da face da Terra toda cultura e heterogeneidade, e o que sobrará é uma “cultura” de massas, ditada em sua maioria pela tv, pelo vazio das almas sedentas condicionadas a completar seu vazio via consumismo, beneficiando portanto, uma pequena elite; uma cultura de mercado. A obsolência programada ajuda a manter a cadeia a todo vapor e o domínio e conforto dos lordes deste mundo.

    Para mim, a Maçonaria é um grande exemplo de abrição de pernas, de um grupo que vem perdendo seus princípios devido ao tipo de gente que admitem em suas lojas. Encontram-se na maioria delas pessoas buscando apenas benefícios próprios através de uma rede de contatos, quase sempre apenas os burgueses conservadores dominam a cena, pessoas que (pra mim que vivo no interior e conheço, portanto posso afirmar) deixam a desejar no comportamento moral em vários aspectos, desde, sua ganância material até a total falta de respeito pela esposa/filhos e visão progressista.

    Gostaria que comentasse a respeito. Obrigado!

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