Numa época não muito distante, todo o sistema monetário dos países desenvolvidos era baseado num conceito conhecido como padrão-ouro, definido assim pela Wikipedia:
A teoria pioneira do padrão-ouro, chamada de teoria quantitativa da moeda, foi elaborada por David Hume em 1752, sob o nome de “modelo de fluxo de moedas metálicas” e destacava as relações entre moeda e níveis de preço (base de fenômenos da inflação e deflação). Cada banco era obrigado a converter as notas bancárias por ele emitida em ouro (ou prata), sempre que solicitado pelo cliente.
Em suma, toda e qualquer cédula monetária tinha um "lastro material", ou seja, tinha a garantia material e paupável de que o banco que a emitiu tinha condições de emiti-la pelo simples fato de ter "ouro em caixa"… Do contrário, toda cédula monetária não seria muito mais do que um papel impresso, ao qual a fé das pessoas, ou a imposição a força dos governos, determinava o valor – valor virtual, não real.
As “regras do jogo” prevalecentes no sistema de padrão-ouro eram simples: a quantidade de reservas de ouro do país determinava, portanto, a sua oferta monetária. Se um país fosse superavitário em sua balança de pagamentos, deveria importar ouro dos países deficitários. Isso elevaria sua oferta interna de moeda, levando a uma expansão da base monetária, o que provocaria um aumento de preços que, no final das contas, tiraria competitividade de seus produtos nos mercados internacionais, freando assim, novos superávits. Já se o país fosse deficitário na balança comercial, exportaria ouro, sofreria contração monetária, seus preços internos baixariam e, no final das contas, aumentaria a competitividade de seus produtos no exterior. Isso trazia uma certa garantia de harmonia e equilíbrio na balança comercial e economia mundiais (pelo menos nos países desenvolvidos).
Após a Primeira Guerra Mundial, o padrão-ouro sofreu modificações definidas nos acordos de Bretton Woods, porém ainda existia o "lastro material" associado a moeda. Entretando, no início dos anos 70, a principal economia mundial, os EUA, sofria a necessidade de financiamento crescente por conta da Guerra do Vietnã. Qual foi a solução miraculosa para "criar dinheiro do nada"? Abandonar o "lastro material", abandonar o padrão-ouro, e deixar a fé das pessoas determinar o quanto valia o dolar. Obviamente que a função do governo americano, e de outros países desenvolvidos, desde então, tem sido certificar-se que as pessoas acreditam que suas moedas valem mais do que o ouro que detém em seus cofres.
O padrão-fé, termo criado por este artigo diga-se de passagem, é muito simples: os bancos emitem as cédulas monetárias e dizem que tem "uma boa quantidade de ouro para garanti-las", e como tais bancos são bancos de países ditos desenvolvidos, todos acreditam neles piamente (até porque se não acreditarem seu dinheiro valerá menos). Assim, todos creem que os maravilhosos papeis impressos em inúmeras cores, com gravuras elaboradas e assinaturas estilosas, "valem exatamente o que valem" – ou seja, seu suposto "lastro material" em ouro, ainda que não exista mais garantia real nenhuma, nenhuma, de que esse ouro esteja lá.
Não sou economista e obviamente a definição do parágrafo anterior é um tanto superficial e mesmo falha. A realidade sem dúvida é bem mais complexa. No entanto, de uma coisa todos sabemos: se toda a população com dinheiro depositado nos países desenvolvidos correr aos bancos e retirar 100% do valor, vai faltar cédula para todo mundo, mas muito pior do que isso, vai faltar "lastro material" para todo mundo – e todos perceberão que, de certa forma, aqueles maravilhosos papeis impressos nada mais são do que… papel impresso.
Como já havia dito na História do Ouro, a economia atual, principalmente as Bolsas de Valores, se baseiam essencialmente em fé… Nada mais justo, já que o próprio sistema bancário deve sua origem aos "cheques de viagem" dos Cavaleiros Templários. Nada mais justo que um sistema que surgiu de um grupo de monges-religiosos-guerreiros seja hoje baseado em fé. O problema está em não avisar as pessoas disso.
Interessante que hoje passemos por uma crise financeira mundial decorrente exatamente da percepção generalizada de que a "riqueza" de certos países ditos desenvolvidos nada mais era do que um construto de fé. Porém, mesmo esse construto era sustentado por bases tão frágeis que até mesmo a fé era uma espécie de sub-fé, uma enganação, uma "fé sub-prime" – um sistema de crença que se baseava cada vez mais no que havia de virtual na economia, em uma bolha especulativa que não correspondia sequer ao PIB de cada país, quanto mais ao "lastro material" de seus bancos.
Isso não é "teoria da conspiração", não é "um mistério de Nova Era", nem mesmo apenas um devaneio deste que lhes escreve. Trata-se da realidade. Talvez de certa forma exagerada, mas realidade enfim. Basta ver os noticiários econômicos, basta procurar entender mais de economia e balança comercial, basta atentar para a "mudança de paradigma" que muitos ditos Gurus da Economia apontam para o futuro a médio prazo. Qual o "lastro material" que nos restou? Qual a base sólida sobre a qual nossas economias serão reposicionadas? Ora, "lastro material" nunca existiu – mesmo o valor do ouro sempre dependeu da Lei de Oferta e Procura, e mesmo isso depende de fé… O que você quer comprar com o seu dinheiro? Quanto vale o seu dinheiro? Tudo depende do padrão-fé. Tudo depende de nós mesmos.
E agora você já sabe: se alguém lhe disser “eu vivo totalmente sem fé”, pergunte onde ele guarda as suas moedas de ouro…
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Respostas de 20
Isso mesmo. Um abraço a todos aqueles que se acham “materialistas” por pensar apenas em dinheiro…
@raph – Gosto sempre de deixar claro os termos: Materialistas científicos são aqueles que creem que somente os 4% da matéria detectada no Cosmos explicam todo o funcionamento da consciência humana. Materialistas (ou, as vezes, Atomistas) creem que tudo é feito de matéria, e alguns espiritualistas são também paradoxalmente materialistas, mas creem em matéria fluida, ainda não detectada (ver questão #83 do Livros do Espíritos). Já os materialistas no sentido de “obssecados pelos bens materiais”, realmente lidam bastante com fé 🙂
Sobre este comentário, que bibliografia exploro para me elucidar acerca do funcionamento da consciência humana, sua relação com o cosmo e por aí, nessa linha de raciocínio no próprio comentário?
Percebi que tu gosta muito de taoísmo, quais livros sobre você sugere?
@raph – Bem, sobre a consciência humana e o Cosmos eu recomendo o meu próprio livro, “Ad infinitum”. Sobre o taoísmo, recomendo o “Tao Te Ching”, tanto na tradução de Murillo Nunes de Azevedo (Ed. Pensamento) quanto na minha (sim, eu o traduzi há poucos meses atrás): http://www.raph.com.br/tpr/editora.html Abs.
O Lastro ouro tinha sérios problemas, provavelmente o nosso sistema hoje não é o melhor, mas definitivamente melhor que o lastro ouro.
Imagina: Seu pais tem 1 ton de ouro, derepente se descobre uma mina de ouro na tanzania que tem 10 ton dentro dela… Seu país ficou 10x mais pobre
@raph – Com certeza. Nem tenho a pretensão de criticar nosso sistema econômico diretamente, até mesmo por Economia não ser muito a minha área… Mas o artigo é mais uma brincadeira com essa noção de que os sistemas financeiros mundiais – e particularmente as bolsas de valores – são na verdade muito mais um sistema de fé e padrões emotivos do que de racionalidade pura.
Excelento post Raph ! É isto mesmo, pior acreditam que é possivel crescer indefinidamente o que acaba causando o problema mostrado em um post que vi em algum lugar intitulado quero o mundo + 5% ( achei http://www.umanovaera.com/conspiracoes/Quero_a_Terra_Mais_5.htm ). Querendo ou não o padrao ouro teoricamente se auto regularia pelo que vc disse no texto…o modelo do dolar também, visto que quanto mais emissão menos vai valer a moeda, mas o problema estaria justamente em saber o quanto mais foi emitido e o quanto foi omitido.
@raph – Exato. É nessa manipulação dos valores reais que existe o fator Fé em seu estado mais acentuado. Se a economia do primeiro mundo hoje está em crise, isso também passa pela crença de que o primeiro mundo “não é mais tão primeiro mundo assim”… Ou seja: estamos finalmente nos desiludindo. Em economia é fundamental se desiludir, mas é ainda mais importante não iludir os outros, e atacar os ilusionistas.
Genial o texto, parece que o dinheiro é mesmo um deus afinal de contas, hehehe.
@raph – Obrigado. Eu o costumo chamar de “deus do consumo” nos meus artigos… (ver, por exemplo, “Onde está o seu deus?”).
Será que as pessoas que carregam Reais no bolso tem fé na República? Ou será que é na garoupa, na onça pintada ou no mico leão, que é dourado?
Atualmente, tenho achado que é no Visa electron.
Ou será que preferem a nova escravidão, a escravidão do crédito. Trabalhe, para pagar suas dívidas!
Vou pingar um pouco mais do meu colírio alucinógeno – afinal o mundo é que está certo.
Tenho a mesma visão que tu, nao precisa tirar nem por nada hehehehe
ps: que colirio é esse que tu ta falando ? acho que gostaria de experimentar ^^
Tá mais do que na hora do padrão-ouro voltar. Padrão mais seguro não há. Depois da confusão, das fomes e das guerras criadas pelo Keynesianismo, iludindo as pessoas, usando sua fé de maneira enganosa, a Escola Austríaca de Economia tem que assumir o rumo econômico do século 21.
“O Lastro ouro tinha sérios problemas, provavelmente o nosso sistema hoje não é o melhor, mas definitivamente melhor que o lastro ouro.
Seu pais tem 1 ton de ouro, derepente se descobre uma mina de ouro na tanzania que tem 10 ton dentro dela… Seu país ficou 10x mais pobre”
O sistema de hoje é muito pior, danoso e prejudicial. Achar 10ton do nada? Qual a probabilidade disso? Quanto ouro já fio descoberto? Deem uma olhada aqui: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1085 <– @raph – Muito bom, e complementa muito bem o meu artigo…
@raph – A minha ideia em trazer esse artigo ao TdC também era deixar que o pessoal com maior conhecimento de Economia pudesse debate-lo, então estarei aqui apenas observando e aprendendo 🙂
Valeu Matheus, arrebentou !
A frase atribuída a Voltaire – Quando o assunto é dinheiro, todos tem a mesma religião – nos leva a concluir que o dinheiro é realmente a verdadeira religião universal.
E esse seu artigo que atribui as relações financeiras à fé serve perfeitamente para justificar aquela visão 🙂
Que tempos são estes, hein?
@raph – Eu costumo dizer assim: “alguns se dizem ateus, mas quem será ateu para o deus do consumo?”
O único “lastro material” que podemos utilizar na economia é a que eu chamo de economia natural, ou economia de recursos. As únicas coisas que tem valor são aquelas das quais você precisa, ou seja se você precisa de alimento, ele será seu lastro material; se precisa de silício, ele o será, e dai por diante.
Note que isto era o que faziam nossos ancestrais, trocavam recursos por outros recursos. E isto não é um retrocesso, nós apenas estamos voltando ao começo do ciclo, mas com uma visão renovada modificada pelo que aprendemos ao longo do caminho. Se nós saímos do Todo, fazemos a jornada e retornamos ao Todo no fim, porque não sairmos com uma economia de recursos, fazemos uma jornada por vários sistemas econômicos e voltamos à economia de recursos no fim? Para mim faz todo o sentido.
@raph – Engraçado que o que disse acima me remeteu a um conto que escrevi, mas ele ainda vai aparecer aqui no TdC em breve…
Tenho um projeto com um amigo onde o deus capital, ou com o nome que você o chama “deus consumo” se reúne com outros deuses “maus” (com ênfase nas aspas) e resolvem que o melhor plano para domínio da energia humana é parar com a guerra entre Deuses, como vinha ocorrendo entre Jeová e os deuses do novo mundo. arquitetam um plano divino que inclui a subversão de deuses “bons” como o deus conhecimento, enfim a deusa anarquia, ou liberdade, passa então a preparar uma alma para ser o novo avatar que lutará contra esse plano “malévolo” orquestrado em épocas do mercantilismo, esse será o blisset, que no llivro passará por doze professores (até agora o nome do livro é “os doze trabalhos de luther blisset”), e como o p´roprio nome do herói sugere, o avatar será uma espécie de alma coletiva.
Desculpas pelas delongas, mas seu post muito me inspirou. e queria dizer também que apreciaria muito qualquer “pitaco” de sua parte raph, querendo pode escrever para o mail desse post.
Abraços.
@raph – Olha me parece sensacional esse plot que você resumiu acima, pode dar uma excelente história sem dúvida… Bem eu costumo pensar no “deus do consumo” com o seu auxiliar “deus da felicidade comprimida”, que seria o deus dos comprimidos contra a depressão nas mais variadas formas… Claro que tem gente que precisa desse tipo de remédio, mas muitos usam apenas como uma forma de “anestesia da existência”, e viram pessoas “ainda mais anestesiadas e preparadas para consumir e pensar o mínimo possível”… Se achar interessante o personagem, pode incluir em algum canto da história 🙂 Abs e boa sorte na escrita!
É por isso que o Silvio Santos só da barras de ouro que valem mais do que dinheiro xD o cara é inteligente mesmo hehe
@raph – É que ele é de antes da convenção de Bretton Woods 🙂
Eu já tinha uma idéia disso de um modo intuitivo. Mas exte texto fez com que a intuição acabasse tendo um certo “lastro material” nas minhas sinapses. É um problema como sempre pegam uma boa idéia, como foi a dos templários, e transformá-la em algo extremamente ligado ao ganho em cima dos outros.
Vendo agora o comentário do Rodrigo, eu entendi o porque do Silvio Santos falar que são trocentos mil reais em barras de ouro “que valem mais do que dinheiro”.
Abraços
@raph – Abs 🙂
Vejam essa excelente apresentação sobre economia, pensamento religioso, filosófico e história… logo os assuntos que mais mexem comigo – e acho que grande parte de nós aqui – hehe
http://prezi.com/c9yg74zjlax-/historia-do-pensamento-economico-e-a-escola-austriaca-de-economia/
Eu estudei em um colégio Adventista, e por algum motivo, toda vez que tinha Semana da Oração, eles falavam como seria o paraíso físico prometido deles, e ele é de ouro, todinho de ouro… Eu nem acho o dourado a mais bela cor, mas enfim, me perguntava desde tenra idade, se tudo é de ouro, ouro valerá o mesmo que barro, que é abundante, barro é bom, se faz utensílios, moradias , arte, mas por ser abundante é pouco valorizado, um lugar todo de ouro, seria colocar o ouro como matéria prima mais abundante e comum, seria um barro.
Se tudo que nos rodeias, damos algum tipo de valor e este valor só existe porque queremos acreditar neste mesmo valor atribuído por nós ou que aceitamos acreditar existir vindo de outro, nada de fato tem um valor especifico e comum a todos, logo, tudo depende de como queremos acreditar naquilo, na hora do aperto, vemos que muito do que acreditávamos ser importante de nada valia de verdade, logo, praticamente tudo tem valor ilusório e menos necessários que julgamos ou gostaríamos, tudo que é externo e não pode ser interiorizado tem valor relativo a formas e estruturas onde nos situamos. De real mesmo só a nossa verdade, só aquilo que sai de dentro pra fora e não os elementos externos e fora de nosso controle, logo, a economia é uma grande ilusão, sempre foi. Ninguém deveria ser dono de nada na terra se a terra é lugar comum a todos nós. As coisas são como aceitamos que sejam.
só existe o pensamento, o resto é suporte.
@raph – É mais uma bela reflexão… De fato, na opinião da Natureza, provavelmente o barro, a água, o carbono, o hidrogênio, são muito mais valiosos que o ouro… São muito mais abundantes também, mas deles surgiu a vida, e do ouro não surge muita coisa além daquilo que nossa arte é capaz de talhar nele (do contrário servem apenas como barras retangulares para serem estocadas em algum cofre escuro – talvez só mesmo o Tio Patinhas para apreciá-las hehe). Abs.
“O dinheiro só vale porque as pessoas acreditam que ele vale.”
O personagem de Lázaro Ramos no filme O Homem que Copiava diz isso em uma cena forte, enquanto queima um punhado de notas…
O filme é muito interessante e na época que assisti me fez refletir sobre questões como as que o Raph coloca no texto.
Rafael Arrais, o que vc quer dizer com “@raph – Gosto sempre de deixar claro os termos: Materialistas científicos são aqueles que creem que somente os 4% da matéria detectada no Cosmos explicam todo o funcionamento da consciência humana.”?
Existe alguma estimativa de que falta detectar mais “tipos de matéria” no cosmos, e que o total de matéria já detectado, em variedade, é 4% do total ?
J Elias de Freitas
@raph: Olá José. Sim, segundo a ciência atual, somente 4 a 5% da matéria do universo interage com a luz e foi de fato detectada, o restante é composto de matéria escura e energia escura, até hoje não detectadas diretamente.