Sabemos que a maior parte do que chamamos de “realidade”, permanece oculta aos nossos olhos. De certo modo isso é bom. Imaginem o caos que não seria, se enxergássemos as ondas rádio, as microondas ou as inúmeras radiações. A natureza fez bem em delimitar nosso campo visual e auditivo. Nos deu o suficiente para sobrevivermos.
Do mesmo modo, somos incapazes de enxergar as infindáveis galáxias que nos rodeiam, bem como a estrutura de um átomo. Acreditamos que essas coisas existem, mesmo que não tenhamos os instrumentos certos para averiguar. Isso porque, existiram, e ainda existem, homens ou mulheres, que fazem disso a sua vida, a sua razão de existir: romper os limites observáveis.
O italiano Galileu Galilei, físico, matemático, astrônomo e filósofo foi um desses. Não saberia ele, da existência dos anéis de Saturno, das manchas solares, das montanhas lunares, das fases de Vênus e das “luas” de Júpiter se não tivesse realizado sua verdadeira vontade.
Novas visões trazem novos pensamentos, o sistema heliocêntrico ganhava força. No entanto, novos pensamentos não eram bem vindos. Visões que rompem nossos paradigmas é sempre um incômodo. E na época de Galileu, expor essas visões, poderia ser um tanto perigoso. Julgado pelo tribunal da inquisição romana e temendo um fim semelhante ao de Giordano Bruno, Galileu se viu forçado a renunciar publicamente as suas ideias.
Se engana quem acredita que isso pertence apenas a um passado distante. As chamas da inquisição se apagaram, mas suas cinzas continuam a intoxicar a sociedade, a sufocar o pensamento livre. Eles atuam silenciosamente, como uma espécie de câncer que se desenvolve em nossas entranhas. Lamentavelmente, quando nos dermos conta dos sintomas, já estaremos em fase terminal.
Nosso saudoso Rubem Alves, sabia muito bem disso ao escrever que “os hereges que as religiões queimam e matam não são assassinos, terroristas, ladrões, adúlteros, pedófilos, corruptos. Esses são pecados suaves, que podem ser curados pelo perdão e pelos sacramentos. Os hereges, ao contrário, são aqueles que odeiam as gaiolas e abrem as suas portas, para que o Pássaro Encantado voe livre. Esse pecado, abrir as portas das gaiolas para que o Pássaro voe livre, não tem perdão. O seu destino é a fogueira. Palavra do Grande Inquisidor.”
Ainda hoje, pensamentos diferentes do padrão o qual estamos inseridos, ou que estejam em dissonância com os dogmas religiosos, não são bem vindos. É notável como um livre pensador pode incomodar. Incomoda porque não fomos programados para pensar livremente. Incomoda porque balança as colunas dos templos fundamentalistas, que lamentavelmente são construídos sobre a maleabilidade da areia. “E caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, e ela desmoronou. E foi grande sua ruína! ” (Mateus 7:27)
Até quando carregaremos as traves do preconceito e do legalismo? Até quando permitiremos que a cegueira ideológica nos impeça de enxergar o que está por trás das aparências?
Escreve Frei Beto que “toda realidade é sacramento, sinal de algo maior e mais profundo do que as meras aparências demonstram”. O que precisamos? O que nos falta? Teilhard de Chardin deixa a dica: “uma nova maneira de ver, ligada a uma nova maneira de agir: eis o que nos falta”.
Em poucas linhas, Nietzsche nos apresenta toda uma filosofia de vida, uma espécie de “código de conduta” para quem deseja vivenciar essa nova maneira de ver e a nova maneira de agir proposta por Chardin. Afinal, o que é necessário para que sejamos, de fato, livres pensadores? O que é necessário para que deixemos de ser apenas mais uma mera bateria da matrix, e quem sabe um dia, alcançarmos o livre arbítrio intelectual?
“É necessário possuir uma integridade intelectual levada aos limites extremos. Estar acostumado a viver no cimo das montanhas – e ver a imundície política e o nacionalismo abaixo de si. Ter se tornado indiferente; nunca perguntar se a verdade será útil ou prejudicial… Possuir uma inclinação – nascida da força – para questões que ninguém possui coragem de enfrentar; ousadia para o proibido; predestinação para o labirinto. Uma experiência de sete solidões. Ouvidos novos para música nova. Olhos novos para o mais distante. Uma consciência nova para verdades que até agora permaneceram mudas. E um desejo de economia em grande estilo – acumular sua força, seu entusiasmo… Auto-reverência, amor-próprio, absoluta liberdade para consigo”.
Creio, que Galieu Galilei, está entre esses raros homens que tiveram “olhos novos para o mais distante”.
Fabio Almeida é bacharel em administração de empresas, especializado em filosofia, teologia e história. Eterno aprendiz, amante das artes e do livre pensar.
Respostas de 2
Belo texto, Fábio. Parabéns!
@FDA – Obrigado Pedro!
Texto muito bom, citações muito coesas. Parabéns.