Por Vera Márcia Gonçalves da Silva Pina
“As imagens e figuras arquetípicas que estão presentes nos contos e mitos nos fornecem material simbólico que nos permite trabalhar em todos os estágios da vida lidando com muitos arquétipos, principalmente com a sombra, o lado escuro da personalidade, em que se encontram os aspectos desconhecidos e geralmente desprezados por nós, como a raiva, inveja, ciúmes etc…”
É preciso dizer que o essencial não é a interpretação e compreensão das fantasias ou conteúdo dos contos, mas sim, a possibilidade de reviver plenamente esses conteúdos.
Para Jung, compreender intelectualmente um sentimento negativo, ou reconhecer sua falsidade, não é suficiente para eliminá-lo. Os sentimentos não podem ser atacados pelo intelecto porque não têm base intelectual.
É exatamente o que os contos nos ajudam a fazer: reviver sentimentos escondidos ou viver desconhecidos. Os contos falam diretamente à alma do ser humano; sozinhos eles causam raiva, dor, insegurança, indignação, orgulho, força. Isso porque somos nós a personagem principal e são nossas imagens internas que serão colocadas nas imagens do conto, com nossa carga de sentimentos e emoções, pois eles são desprovidos disso.
As imagens e figuras arquetípicas que estão presentes nos contos e mitos nos fornecem material simbólico que nos permite trabalhar em todos os estágios da vida lidando com muitos arquétipos, principalmente com a sombra, o lado escuro da personalidade, em que se encontram os aspectos desconhecidos e geralmente desprezados por nós, como a raiva, inveja, ciúmes etc.
As crianças se identificam com as personagens dos contos e assim conseguem vivenciar seus sentimentos de abandono, rejeição, nascimento de irmãos, ciúme, o fato de ser a(o) filha(o) preterida(o) ou a(o) mais querida(o) etc. com essas personagens; com elas são submetidas às mais terríveis provas, com a vantagem de poderem pedir ajuda para seres fantásticos ou animaizinhos humanizados. Esses animais representam tendências humanas arquetípicas. Não representam os verdadeiros instintos dos animais, mas também nossos instintos animais, isto é, se o tigre representa na história a agressividade ou a avidez não é aquela característica realmente do tigre, mas a nossa própria agressividade ou avidez. Os animais são portadores da projeção de fatores psíquicos humanos.
É cumprindo toda essa trajetória, a chamada “jornada do herói” que nossas crianças podem, de maneira simbólica, atingir a maturidade representada pelo encontro do “diamante perdido” ou pelo “resgate do parceiro” que estava em terras distantes.
Com as personagens dos contos, crianças, adolescentes e adultos provarão seu verdadeiro valor de herói ou heroína, superando seus medos, inseguranças e dificuldades.
As fadas geralmente representam o lado positivo do arquétipo da grande mãe, bem como as bruxas o seu aspecto mais terrível, porém, tão fundamental para impulsionar nosso crescimento – imaginem as histórias sem bruxas ou gigantes…nada aconteceria!
Mães excessivamente boas tendem a paralisar seus filhos impedindo seu desenvolvimento e autonomia. Quantas mamães chegam a impedir que seus filhos saiam de casa sozinhos, mesmo quando eles já têm idade e maturidade para isso. Para elas seus filhos nunca estarão suficientemente crescidos. É por essa razão que em muitos contos as mães boazinhas demais morrem no início deixando seus filhos e filhas sozinhos no mundo, ou melhor, nas mãos de uma madrasta terrível. Nesse momento do conto pode ser despertado nas crianças um pensar sobre “como me afastar de mamãe e descobrir minhas verdadeiras forças”, “quais são essas forças em mim?”, “é possível eu me virar sozinho?”. Lógico que nem sempre será tão consciente para elas esse pensar.
“Os sentimentos não podem ser atacados pelo intelecto porque não têm base intelectual; os contos nos ajudam a reviver sentimentos escondidos ou desconhecidos.”
As mamães ao ouvirem o conto, quando tocadas por essa imagem, talvez entrem em contato com: “posso deixar morrer o meu lado superprotetor saindo um pouco de cena e permitindo que meus filhos enfrentem o mundo com seus próprios recursos?” ou “como é esse aspecto em mim?” ou ainda “existe um lado madrasta dentro de mim?”.
É assim que os contos e mitos nos ajudam a organizar nossos pensamentos e direcionar nossas ações de forma coerente e mais sábia, por nos permitir refletir sobre aspectos tão presentes em todos nós.
Os heróis dos contos representam os esforços que fazemos para cuidar do nosso crescimento e aprender a dialogar com os problemas que surgem o tempo todo. A figura do herói é o meio simbólico por meio do qual o ego emerge; para isso ele tem que olhar de frente para a sombra; assim, o herói, mesmo tendo que enfrentar um caminho de pedras, estará suficientemente preparado para vencer o dragão.
Respostas de 3
Ótimo artigo, muito bom pra refletir sobre o tema =)
Abraços!
Ótimo este texto!!Adorei,faz total sentido!!
Existe um teste chamado TAT, com pranchas de cenas que são apresentadas em sequência para que o indivíduo preencha as imagens com uma história. É a mesma base da criação dos contos de fadas. Eventos pessoais mascarados por símbolos ou deformados pelo recalque para se manifestarem sem ferir a consciência. É muito interessante ver esse aspecto de projeção de si nas coisas. E, parece que, quanto melhor a distorção do evento pessoal, melhor a história kkkk’
Ótimo texto. Faz tempo que não tinha Jung aqui no TdC o/