Vocês já chegaram a pensar o que realmente querem? Por mais simples que possa parecer a resposta, esta é uma pergunta complexa. Dentre tantas coisas, o que estamos buscando? Se tomássemos o hinduísmo como um todo, veríamos que ele diz: Você pode ter tudo aquilo que deseja.
A primeira coisa que as pessoas querem é o prazer. Somos duais, portanto o instinto animal está presente. Nascemos com receptores prazer/dor inerentes. Se os ignorássemos, deixaríamos a mão sobre um fogo quente ou nosso corpo não reagiria durante uma situação iminente de perigo, com isto não viveríamos muito tempo. Além disso, o único chakra que está ativo em todos é o Muladhara. O mundo está tão cheio de belezas, tão cheio de deleites sexuais…
É natural pensarmos no asceticismo, mas para a pessoa que quer prazer, a Índia diz: vá procurá-lo. Ela não faz do prazer o seu maior bem, mas também não condena o desfrute do prazer. Porém, o hedonismo requer bom senso. Nem todo impulso pode ser seguido impunemente – existe o carma. Impulsos para ferir os outros, mentiras, roubos e traições por lucros imediatos devem ser ignorados, por exemplo. Se é o prazer que você quer, procure-o de forma inteligente, sem sucumbir aos vícios.
Os hindus dizem isto e esperam. Esperam que todos, mesmo que não seja nesta vida, chegue a conclusão de que isto não é tudo o que desejamos, não porque seja mau, mas por ser demasiado trivial para satisfazer a natureza total do ser humano. Quando ele chega, mudamos os nossos interesses para a segunda meta da vida, que é o sucesso mundano com seus três ramos: riqueza, fama e poder.
A palavra sânscrita que os hindus utilizam é artha, que traduzida literalmente significa “coisa, objeto, substância”. Sua tradução rotineira é “riqueza, posses materiais”. A utilização do termo “sucesso mundano” se dá pelo fato que os textos hindus dão a essa palavra um tema mais amplo, não envolvendo apenas a riqueza.
Também esse é um objetivo digno, que não deve ser escarnecido ou condenado. Suas satisfações perduram por mais tempo, pois o sucesso, ao contrário do prazer, é uma conquista social e, como tal, envolve a vida dos outros. Por isso, o sucesso comanda alcance e importância muito além dos concedidos pelo prazer. Além disso, uma quantidade módica de sucesso é indispensável para mantermos o lar e desincumbir-se responsavelmente dos deveres profanos. Mas, no fim, todas as recompensam acabam.
Riqueza, fama e poder são exclusivos, logo competitivos. O que eu tenho é meu e você não pode tê-lo. A ideia de um país onde todos são famosos e ricos é falsa, pois o poder estaria igualmente dividido. Através da competitividade, quem sabe quando o sucesso mudará de mãos?
O impulso para o sucesso é insaciável. As pessoas fazem dele a sua principal ambição que seus anseios não satisfazem. “A pobreza não consiste na diminuição das posses de uma pessoa, mas no aumento de sua ganância”, argumentava Platão. “Se conseguisses todas as riquezas do mundo inteiro, ainda restariam mais riquezas e a falta delas te deixaria mais pobre”, concordando o teólogo Gregoris Nascimento.
Outro problema do sucesso e também do hedonismo é que seu sentido é excessivamente centrado no eu, que sempre se mostra pequeno demais para um entusiasmo perpétuo. Mesmo tendo o que estipulamos como meta, sabemos que falta muito para o que realmente queremos e acabamos sempre criando novas metas, numa busca insaciável. No final, todos temos a perspectiva que “do mundo nada se leva” ou, como dizia os meus avós, “no fim só levamos areia na cara”…
Os hindus localizam o prazer e o sucesso no Caminho do Desejo, já que os desejos pessoais das pessoas têm sido de maior importância em sua vida. Mesmo com outras metas à nossa frente não podemos censurar as anteriores. Nada se ganha ao reprimir indiscriminadamente os desejos ou fingindo que eles não existem. Enquanto pensamos nos desejos como o que realmente queremos, devemos buscá-lo, mas observando sempre a prudência e a moralidade.
Chega um momento, que pode não ser nesta vida, em que superamos o prazer do sucesso e dos sentidos. Migramos então do Caminho do Desejo para o Caminho da Renúncia. Isto dá à Índia o título de estraga-prazeres ou negadora da vida. Embora isto pode surgir da desilusão e do desespero para com a vida, também pode nascer da suspeita de que a vida contém muito mais do que já experimentamos. Quando nasce essa suspeita, a pessoa se pega gritando “vaidade, vaidade, é tudo vaidade!”, percebendo a pequenez do que vem lutado até agora e começando a buscar uma integração ao todo, algo mais significativo para a sua vida do que a trivialidade.
Como fazemos a renúncia? Nasce a religião. A verdadeira Religião, palavra que etimologicamente deriva de “religare“, aquilo que religa o homem até Deus, começa com a busca de significado e valor além do autocentramento. E por quem fazer essa renúncia? Primeiramente vemos a comunidade como candidata a algo maior que nós mesmos. Surge então a terceira grande meta da vida na visão hindu, o dever. Em vez do triunfo, fazer o melhor possível – agir com responsabilidade, qualquer que seja a tarefa em mãos – torna-se o principal objetivo, atrelando-se obviamente à vontade de servir.
O dever produz grandes recompensas, mas exige maturidade para serem apreciadas. Percebemos então que elas são substanciais e deixam o espírito humano sem ser preenchido totalmente. O desempenho do servir garante respeito e gratidão dos nossos semelhantes. Mais importante, porém, é o respeito próprio que provém de nós mesmos. Mas, no fim, essas recompensas mostram-se insuficientes.
O hinduísmo por fim espera novamente. Enquanto as pessoas estão contentes com o prazer, sucesso ou serviço, o sábio não as incomodam, mas oferecem sugestões de como procedê-las com mais eficácia. Chegará o dia em que elas perdem o seu encanto e surge a sensação que a vida tivesse algo mais a oferecer. Porém, será que a vida tem ou não tem algo mais a oferecer? Prazer, sucesso e dever não são as metas mais importantes da humanidade. O que realmente queremos são as coisas que repousam num nível mais profundo.
Primeiramente, queremos existir. Ninguém quer morrer. Nenhum de nós se sente feliz ao pensar num futuro que não fazemos parte. Em segundo lugar, queremos conhecer. Todos nós somos insaciavelmente curiosos. A terceira coisa que as pessoas buscam é a felicidade, um estado oposto da frustração, da futilidade e do tédio. As pessoas querem o o existir infinito, o conhecimento infinito e a bem-aventurança infinita, Juntando essas desejos numa única palavra, o que as pessoas realmente querem é a libertação (moksha) – libertar-se da finitude que nos afasta da existência, consciência e bem-aventurança ilimitadas pelos quais nosso coração anseia.
Tudo isto está ao nosso alcance. Mas aí vem a afirmação mais extraordinária – esses bem não só estão ao alcance das pessoas, mas elas já os possuem. Há um reservatório de existência que nunca morre, nunca se esgota, que é irrestrito em consciência e bem-aventurança. Esse centro infinito de cada vida, esse eu oculto ou Atman, é nada mais nada menos que Brahman, a Divindade. Temos então corpo, personalidade e Atman-Brahman. Somos realmente infinitos no nosso existir, somos parte do Todo, somos o Todo.
O problema está na profunidade na qual o Eterno está enterrado sob a massa de distrações, premissas falsas e institutos autocentrados que compreendem a superfície do nosso eu. Pó e sujeira se acumulam sobre uma lâmpada até encobrir totalmente a sua luz. Devemos então limpar o entulho que encobre o nosso ser, permitindo que nosso centro infinito possa se mostrar em sua luminosa plenitude.
Adaptado do texto de Huston Smith.
Respostas de 21
Sobre a parte que tange o “sucesso mundano”, isso me lembrou de quando divulguei meu primeiro texto analisando o médium João de Deus, comparando a “análise apressada” do James Randi com a pesquisa da Associação Médica Brasileira… Muitos pseudo-céticos não conseguiam admitir de jeito nenhum que uma pesquisa oficial da AMB havia atestado que as cirurgias mediúnicas eram reais (embora não tenham atestado cura, isso pouco importava a esses “céticos”), então eles descambaram para o ataque ad hominem ao próprio João de Deus, falando que era o médium “mais famoso e mais charlatão do mundo”.
E eu fiquei pensando: de que adiantava toda essa fama de João de Deus, será que isso o havia ajudado de alguma forma a “tratar mais pessoas”? Então me lembrei de um médium espírita (João de Deus se diz católico, mas em todo caso este médium espírita não faz cirurgias físicas) na casa dos 80 anos que passa quase o ano todo rodando o interior do Brasil e atendendo em centenas de centros espíritas… Quem conhece o Dr. Paulo? Provavelmente quase ninguém fora do meio espírita. Mas isso não o impediu de tratar, quem sabe, até mais pessoas do que o próprio João de Deus.
No “outro lado”, qual seria o mais “famoso”? A resposta é que no “outro lado” isso pouco importa…
Abs
raph
ótimo texto, muito inspirador. e veio a acalhar nesse instante ao que to passando, seria isso mera coincidência? rs
acho que não.
abraços!
@jeffalves20 – Você realmente acredita em coincidência?
É esse vazio da vida mundana que leva as pessoas proucurarem as igrejas em busca de alguma coisa que não conseguem explicar mas que sabem ondem encontrar.
Texto muito interessante e mostra o caminho que a maioria das pessoas fazem antes de chegar a religião(verdadeira Religião) e entender o que ela realmente é.
Parabens, ótimo texto.
Meras coincidencias demais! =D
Texto incrível. Depois de transcorrer sobre os desejos humanos, o texto termina com a ideia da busca pelo autoconhecimento e pelo auto-aperfeiçoamento, ideia que eu expresso para os meus amigos da seguinte forma: todos possuímos uma essência divina, que está elameada, suja, que devemos limpar para poder restaurá-la.
O fato dos prazeres mundanos só trazerem uma satisfação passageira e superficial, ao mesmo tempo que acabam por dividir as pessoas numa busca descontrolada pelo sucesso e pelo poder, foi explicado de maneira bastante sucinta e inteligível 😀
Além de trazer a ideia de que tudo está ao nosso alcance, pois fazemos parte de um todo (lembrei ainda do Sephirath ha Omer, a compaixão para com os outros, o amor pela humanidade).
Repassarei esse texto a outras pessoas, dando crétidos é claro 🙂
Abraços
Creio que algumas vezes passamos por todas essas fases em uma só vida, relembrando os ensinamentos de, quem sabe, outras vidas. Pelo menos eu me sinto assim algumas horas, como se vivesse várias vidas em uma só. Acho que todos passamos por isso… Tem fases da vida que passo e vejo outros que ficam o resto desta existência na mesma fase (as vezess até uma existência curta), fico especulando se já não fiquei uma existência inteira nessa mesma fase e agora estou de passagem para “relembrar” os ensinamentos e “rever velhos amigos”. Muito legal o texto e muito condizente com uma filosofia que já incorporou há séculos a idéia de vida após a vida.
E quando nem o Todo satisfaz ? E quando existir implica na negação de não-existir ?
E quando o que queremos é o Tudo e o Nada ao mesmo tempo ? Ser e não ser, sentir e não sentir ?
E quando queremos que os Paradoxos sejam verdades, e desconfiamos que não existe nenhuma verdade, ao mesmo tempo em que existe ?
Esse é o nível do religare.
Ótimo texto, mas deixa eu contribuir pra não ficar essa manchinha pra posteridade: acho que ali em cima é o perigo é “iminente”, não “eminente”.
@jeffalves20 – Grato pela correção.
Parece que várias correntes de pensamento chegaram a conclusão que as realizações puramente materiais são vãs, e menores que as espirituais. Eu me convenci de que não existe satisfação, nem que você tenha toda a riqueza, as mais belas mulheres, ou seja o mais talentoso dos homens. Sempre vai faltar algo (E isso funciona como um tipo de consolo pra mim, toda vez que eu quero algo q eu não tenho, eu penso que provavelmente eu poderia ter e continuar insatisfeito).
Mas às vezes é chato pensar que a felicidade e plenitude só serão alcançadas com muito trabalho e esforço, depois um monte de provas incessantes. As vezes eu me pergunto se a felicidades dos anjos vale todo o esforço. Por mim eu gostaria de pagar minhas contas, e uma vez que estivesse redimido, e com a balança do kharma zerada, eu gostaria de dissipar minha consciência no todo, para que não houvesse mais diferença entre eu o resto de todas as coisas.
Hhauheuheauaheuhau, mas acho que isso significaria pular algumas etapas
Desejo tudo que tenho. Quero observar o milagre da existência e estar atento a cada gota de boa sorte e luz que caem na minha taça, sempre vázia.
MDD,uma pergunta off topic,mas que tem a ver com o tema do blog em si.
Eu assisti uma palestra sobre características dos veiculos sutis,ministrada pelo projeciologista Moises Esagui,fundador do CEC,onde ele fala que explosão nuclear tem a capacidade de destruir nao só o corpo físico,mas tmb a consciência.
Ele descreve a atomização do corpo fisico,passando a destruir os chacras,corpo astral, corpo mental.Ele não cita os corpos acima do mental,mas repete que a consciência “morre” junto com o corpo no epicentro da explosão.
Vc que estudo a fundo e tem acesso a pesquisas avançadas dentre das Ordens,ja ouviu algo do gênero?
Essas novas colunas realmente estão muito boas.
Parabéns a todos vocês.
Exelente texto !
Quero participar do Project Mayhem! Como faço ?
@MDD – Manda um email para marcelo@daemon.com.br falando sobre como começou a estudar hermetismo, ocultismo; se faz parte de alguma ordem ou não e como começou a se interessar por estes assuntos que eu envio convite.
Me questiono a respeito do “entulho que encobre o nosso ser”. Oras, para que existamos enquanto individualidades penso que seja necessário realizar o caminho partindo mesmo do caos inicial e passando pela materialidade gradativa. Só teríamos “entulho” do qual nos livrar se em relação a nossa meta aquilo que antes nos era importante em algum grau passar a não significar mais que entulho, ou seja, uma visão relativa.
Alguém poderia me corrigir ou acrescentar algo?
@jeffalves20 – O entulho referido é tudo aquilo que oculta a expressão do nosso Eu Interior, que nos afasta da Transcendentalidade. Numa exemplificação simplória, é os nossos defeitos, aquilo que impede a expressão de nossa virtudes.
Muito bom o texto.
Na comparação com a poeira cobrindo a luz da lâmpada, eu vi um sentido, no qual eu já estava pensando tem um tempo…
A idéia não é destruir o Ego (senão a lâmpada seria destruída e pegaria fogo, a luz não poderia se manifestar aqui), mas sim refiná-lo, pra poder transmitir a luz de forma mais límpida o possível. E isso dá um trabalho danado! Seria tudo mais fácil se a morte fosse o fim de tudo…
Parabéns pela coluna.
@jeffalves20 – Transformar o chumbo em ouro.
Parabéns pelo texto Jeff.
O problema não é querer conquistar as coisas mundanas, é como fazemos isso. O desejo material, na verdade, é a máscara de um “desejo espiritual”. Não devemos nos focar no objeto em si e sim no sentimento que está atrelado a ele (conforto, tranquilidade, compartilhamento e etc…)
E por fim, acho que cabe, mais uma vez, o Raulzito: “pois saiba que eu estou em você, mas você, não está em mim…”
Ótimo texto Jeff!
Gostei muito de mostrar o fato de que no fim, tudo o que buscamos está dentro de nós mesmos, e principalmente por ter dado “dicas” para iniciar essa busca. Há muita teoria que já diz isso, mas poucos dizem o “como se faz”.
Parabéns. ^^
Curioso, após ler o texto e o comentário do Hermano logo acima, me veio a lembrança de algo que pensei pouco tempo atrás. Vendo hoje, me parece algo até óbvio e simplório, e nem sei se é algo que faça sentido, mas para mim foi uma “revelação” interessante.
Eu estava pensando sobre a vida, o universo e tudo o mais, e em geral, é o senso comum que a felicidade não é um estado atingível permanente, ela é feita de momentos felizes que são conquistados ou recebidos, e devem ser aproveitados enquanto duram. Porém, o que me veio à mente foi EXATAMENTE o inverso: a única coisa realmente perene na vida, é a felicidade. A Felicidade é o estado natural do ser humano, é eterna e permanente, porém, é interrompida pelos problemas da vida.
Parece meio ilógico, mas parando para pensar, cada um tem sua vida e seus problemas. Os problemas existem para serem resolvidos e superados, não importa a dificuldade dos mesmos. Alguns duram mais ou menos, mas quando se consegue resolvê-los, o que acontece? Felicidade, um período de vida sem problemas, até que apareça um novo problema, e o ciclo se repete.
Pode-se argumentar que “uma pessoa às vezes não tem problemas, vive bem, mas é infeliz”. Se é infeliz, é porque TEM problemas. Sejam eles físicos, financeiros, psicológicos ou emocionais, são problemas. Resolvendo-os, atinge-se a felicidade.
Pode parecer bobo, mas essa “revelação”, além de fazer PARA MIM um grande sentido, me dá uma boa sensação, e mais força para resolver os problemas mais cabeludos, pq o que fica na minha mente é “quanto mais rápido eu resolver isso, mas rápido eu volto à minha Felicidade”. 🙂
Abraços a todos.
Muitos procuram igrejas, templos para um resposta que está dentro e vem de dentro, só que não disparado o gatilho que ativa essa presença. Sabem que algo está ali, latente, não sabem explicar e “inconscientemente” visitam estes lugares. Muitos eventos podem ativar esta engrenagem adormecida.
na Indía eles não falavam para pular qualquer etapa, os mestres esperavam que o caminhante subisse os degraus um a um. Pular as etapas do prazer e do sucesso direto para o dever produz humanos desequilibrados e abitolados. A fênix precisa se consumir primeiro no fogo de suas paixões para só das cinzas ressurgir como um novo ser, após o fogo consumir e estar consumado completamente. Sequer sugerir para o caminhante pular alguma etapa fará com que ele se desvie do seu caminho natural, que seguramente o levaria ao objetivo final. O ascetismo não deve surgir de um desejo desesperado por ser melhor do que os outros, se é que o ascetismo realmente seja uma etapa necessária. O epicurismo me parece mais razoável. Veja que mesmo a etapa do dever não é o último degrau – o fim está mais além, o que sugere que o dever ainda é uma etapa ilusória.