Trechos selecionados de “O manual para a vida – Enchiridion de Epicteto“, livro digital lançado recentemente para o Amazon Kindle (e também para o Kobo), e que foi editado por mim…
23. Para ser um filósofo
Se vier a lhe acontecer de ser levado para as coisas externas, de tal maneira que você deseje agradar uma outra pessoa, saiba que você perdeu o rumo da sua vida.
Contente-se então em ser apenas um filósofo em todas as circunstâncias. Mas se você deseja ser considerado como um, então mostre para si mesmo que você é um filósofo – e isto será o suficiente.
29. A disciplina do filósofo
Em toda ação você deve levar em consideração aquilo que a antecede e o que se segue. Esta é a maneira pela qual você se aproxima das coisas com cautela, para só então empreender sua ação.
De outra forma você irá realizar sua ação com um grande entusiasmo inicial, porque você não refletiu sobre nenhuma das consequências, e depois, quando as dificuldades apareceram, você irá desistir, para sua vergonha.
Você deseja vencer nos Jogos Olímpicos? Eu também, pelos deuses, porque é uma coisa boa. Mas considere os primeiros passos que conduzem a isto, e as consequências, e depois, mãos à obra!
Você deve se submeter à disciplina, comer de acordo, não tocar em doces, treinar debaixo de rigores, numa hora fixa, no calor e no frio, não beber água muito gelada, nem vinho, a não ser quando receber a ordem de fazer isso; você deve se entregar completamente ao seu treinador assim como o faria com o seu médico e depois, quando chega a hora da competição, você deve se arriscar a se machucar e algumas vezes ter a sua mão deslocada, torcer o tornozelo, engolir um bocado de areia, algumas vezes ser fustigado, e junto com isso tudo, ser derrotado.
Quando você considerou tudo isto muito bem, então ingresse numa trajetória de atleta, se você ainda o desejar.
Se você atuar sem pensar, você estará se comportando como uma criança, aquela que um dia brinca de ser lutador, noutro dia de gladiador, agora toca a trombeta e logo em seguida se lança no meio da arena.
Como ela, você agora será um atleta e depois um gladiador, orador, depois filósofo, mas no fundo não será nada, frente a sua alma.
Como um macaco, você imita cada gesto que vê e uma coisa depois da outra atrai o seu capricho.
Quando você dá início a alguma coisa, você o faz casualmente e sem muita convicção, ao invés de considerá-la com seriedade, olhando para ela por todos os lados.
Da mesma forma algumas pessoas, quando veem um filósofo e ouvem um homem falando como Sócrates – e realmente, quem consegue falar como ele? –, desejam elas próprias serem filósofas.
Homem, considera primeiro o que é exatamente a ação que deseja iniciar; depois olhe para os seus próprios poderes e veja se é capaz de suportar a tarefa.
Você deseja competir no pentatlo ou nas lutas corpo-a-corpo? Olhe para os seus braços e coxas, veja o que se parece a sua cintura.
Pois que homens diversos nascem para tarefas diversas.
Você imagina que se fizer isso, você poderá viver como vivia até agora – comendo e bebendo como faz agora, se permitindo os prazeres e descontentamentos tal como antes?
Se você deseja mesmo ser um filósofo, você deve ficar sentado estudando até tarde, trabalhar duro, abandonar a sua própria gente, ser desrespeitado por um mero escravo, ser ridicularizado pelas pessoas que o encontram, obter o pior das coisas em tudo – na honra, no cargo, na justiça, em todas as coisas possíveis.
Isto é o que você tem de levar em conta, se estiver realmente disposto a pagar este preço para obter a paz da mente, a liberdade e a tranquilidade.
Se não, não se aproxime, não seja como as crianças, primeiro um filósofo, depois um coletor de impostos, depois um orador e logo após um dos procuradores de César.
Essas vocações não se harmonizam. Você deve ser um homem, bom ou mau; você deve ou desenvolver o seu Princípio Governante ou as suas características externas; você deve ou estudar o seu homem interno ou as coisas externas – numa sentença: você deve escolher a posição de um filósofo ou a de um mero espectador externo.
46. A lã e o leite
Em nenhuma ocasião se apresente como filósofo, não fale demais acerca dos seus princípios em meio à multidão, mas atue dentro dos seus princípios.
Por exemplo, num banquete, não diga como a pessoa deve comer, mas coma como compreende que deva ser.
Recorde-se que Sócrates se livrou tão inteiramente do exibicionismo que quando a ele chegaram homens e solicitaram uma apresentação a um filósofo, ele os conduziu para um outro filósofo.
E se uma discussão surge na multidão sobre algum princípio, mantenha o seu silêncio pela maior parte do tempo porque você sempre corre o risco de emitir descuidadamente algum pensamento ainda não inteiramente digerido.
E quando uma pessoa lhe diz: “Você não sabe nada”, e você não deixa que isto o provoque, então saiba que você está no caminho certo. Porque os carneiros não trazem grama aos seus pastores e lhes mostram o quanto eles comeram, mas eles digerem o seu pasto e então o apresentam na forma de lã e leite.
Faça a mesma coisa: ao invés de anunciar os seus princípios à multidão, mostre-lhe os resultados dos princípios que você digeriu. Seja um filósofo pelo exemplo.
47. Saber e calar
Caso tenha adotado uma vida simples, não se encha de orgulho por causa disso; e se você é um bebedor de água não diga em todas as ocasiões: “Eu sou um bebedor de água”.
Se você deseja trabalhar laboriosamente, mantenha isto para você e não se exiba.
Se você está com muita sede, tome um bom gole de água fria, e lave a sua boca, mas não conte para ninguém.
Obs: Vocês podem substituir agora o termo “filósofo” por “mago”, “magista” ou “alquimista”, e ler novamente os trechos acima com isto em mente 🙂
O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.
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Respostas de 3
Muito bom! 🙂
E dá-lhe lenhada! Parece ser um excelente livro! Obrigado pelos trechos…
Maravilha!! preciosas palavras..