O governo do amadurecimento

Texto de Chuang Tzu (*)

Sei como deixar o mundo tranquilo, e não interferir. Não sei
a maneira como irei dirigir. Deixar como está, de modo que
os homens não destorçam a natureza das coisas! Não interferir,
de modo que os homens não se transformem naquilo
que não são! Quando os homens não se deformam nem se
aleijam, até que não possam ser mais reconhecidos, quando
se lhes é permitido viver — o objetivo do governo é
alcançado.

Muitas diversões? Yang tem muitas influências. Muitos
sofrimentos? Yin tem muitas influências. Quando qualquer
destes ultrapassa o outro, é como se as estações surgissem
em épocas erradas. O equilíbrio do frio e do calor destrói-se;
o corpo humano sofre.

Muita felicidade, muita infelicidade fora do tempo adequado,
os homens saem do seu equilíbrio. O que farão? O
pensamento vagueia às tontas. Nenhum controle. Tudo
começam e nada terminam. Aqui começa a concorrência,
aqui nasce a ideia de perfeição, e os ladrões aparecem no
mundo.

Ora, o mundo inteiro não é bastante recompensa para os
«bons», nem bastante castigo para os «maus». Desde agora o
mundo inteiro não é bastante grande para a recompensa ou
o castigo. Desde o tempo das Três Dinastias os homens
correm em todas as direções. Como podem achar tempo
para serem humanos?

Você treina seu olho e a sua visão se embriaga com a cor.
Treina o ouvido, e você anseia por um som agradável.
Extasia-se em fazer o bem, e a sua bondade natural se desfaz.
Deleita-se no que é correto, e torna-se correto,
ultrapassando qualquer expectativa. Por explorar demais a
liturgia, converte-se em péssimo ator. Explora demais o seu
amor pela música e torna-se azedo. O amor da sabedoria
gera planos habilidosos. O amor do conhecimento gera
críticas ao próximo. Se os homens ficassem como são, não
haveria qualquer diferença entre apegar-se e abandonar estas
oito alegrias. Mas se não mantiverem o equilíbrio certo, as
oito alegrias aumentam como tumores malignos. O mundo
transforma-se no caos. Desde que os homens passaram a
honrar estas alegrias, e por elas anseiam, o mundo ficou
completamente cego.

Quando cessa o prazer, eles ainda assim não o abandonam;
envolvem sua memória com ritos de adoração, ajoelham-se
para comentá-los, tocar música, cantar, jejuar e disciplinar-
se em homenagem a estes prazeres. Depois que estes
prazeres se transformam numa religião, como poderemos
controlá-los?

O sábio, por conseguinte, quando tem de governar, sabe a
maneira de como não fazer nada. Ao deixar tudo como está,
ele permanece em sua natureza original. Aquele que
governar, respeitará o governado, tanto quanto ele se
respeita a si próprio. Se ele ama a sua própria pessoa
suficientemente para deixá-la permanecer em sua verdade
original, governará os outros sem feri-los. Que contenha os
fortes impulsos que sente nas profundezas de seu ser, e o
impelem à ação. Permaneça tranqüilo, sem olhar, sem
escutar. Fique sentado como um cadáver, com a força de um
dragão viva em torno de si. Em perfeito silêncio, sua voz
será como o trovão. Seus movimentos serão invisíveis como
os de um espírito, mas as forças celestes irão em seu auxílio.

Despreocupado, sem nada fazer, verá tudo amadurecer à sua
volta. Onde encontrará tempo para governar?

(*) Chuang Tzu foi um grande filósofo taoísta do Séc. IV a.C., os textos aqui publicados são fruto de um grande esforço de compilação e meditação de Thomas Merton, um monge católico do Séc. XX d.C. que estudou os textos de Chuang Tzu em várias fontes, nenhuma delas sendo a original, mas traduções da fonte original. Finalmente, coube a Paulo Alceu Lima traduzir a Merton, do inglês para o português, conforme visto no livro “A Via de Chung Tzu” (Ed. Vozes, esgotado)

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