(O dilema das) Interpretações ritualísticas


É com muita satisfação que venho publicar o primeiro capítulo do Caderno de Estudos Ritualísticos: Liturgia do Grau Iniciático, escrito por Yan Walter que vem demonstrando a anos seu enorme empenho e dedicação pela Ordem DeMolay e por sua paixão nos estudos dos Rituais.
Yan Walter Carvalho Cavalcante, membro do Capítulo Luiz Ribeiro Gonçalves Neto, nº 408, Teresina, Piauí. Atualmente é Mestre Conselheiro Nacional Adjunto do SCODB.
Com essa publicação a Ordem DeMolay dá mais um grande passo como Instituição Iniciática. Parabéns ao autor e a todos envolvidos na publicação dessa obra.
Avisando de antemão: Alguns trechos do Capítulo foram removidos com a autorização do autor para preservar a integridade do Ritual.

(O DILEMA DAS) INTERPRETAÇÕES RITUALÍSTICAS

1.1 ASPECTOS GERAIS

Temos, dentro de nossos Capítulos e na história da Ordem DeMolay, diversas explicações simbólicas e interpretativas sobre tudo, ou quase tudo, que temos e fazemos durante nosso Ritual. Contudo, você já se questionou a validade das explicações? Em outras palavras, em algum material oficial do Supremo Conselho da Ordem DeMolay para o Brasil (SCODB) há essas explicações como legítimas?

Depois de pensar um pouco, chegaremos à conclusão de que o SCODB só possui duas publicações oficiais em se tratando de Ritual: o próprio Ritual dos Trabalhos Secretos e o Manual de Práticas Ritualísticas. Nenhum dos dois se dedica exclusivamente a dar significado a tudo: no Ritual, temos os significados que são próprios das Cerimônias ali contidas, ou seja, foram significados que “nasceram” com a elaboração do Ritual e significam, sem dúvida alguma, aquilo que está escrito; já o Manual de Práticas, como seu próprio nome sugere, volta-se à prática, não à simbologia (além de possuir precariedades legislativas / administrativas) (1).

Reconhecemos, então, a escassez de publicações sobre esse assunto. Contudo, reconhecemos também que há diversos e “clandestinos” (2) materiais sobre simbolismo. São eles válidos? Por que não publicar oficialmente, então, sobre isso?

1.2 DA VALIDADE DAS PUBLICAÇÕES “CLANDESTINAS”

Já entendemos que aquilo que o Ritual traz de simbolismo é válido e verdadeiro, porque está no Ritual – então, seus propósitos são realmente aqueles. Mas as publicações não oficiais, que são muitas e diversas, chegam até mesmo a ter cara de legítimas, de tão natural que é o contato com elas.

O contato e a perpetuação desses significados se devem, em grande parte, com a nossa proximidade com a Maçonaria. Temos que entender que nosso Ritual foi escrito por um Maçom e praticamo-lo, normalmente, em Templos Maçônicos! Além, claro, da presença constante de Maçons em nossas Reuniões Ritualísticas e trabalhos diversos. Assim, meio que por “osmose”, alguns entendimentos maçônicos se associaram a práticas DeMolay. Entretanto, essa associação não é ao todo condenável, até porque elas devem possuir, no Ritual Maçônico, seu simbolismo próprio e legislado. O problema é forçar sempre essa relação e estreitar a mente e a reflexão do DeMolay nesse aspecto.

Há um entendimento de que Marshall (3) e Land (4) não escreveram um “tratado” sobre o significado e o simbolismo de tudo que permeia nosso Ritual justamente para não nos privar dessa reflexão. Ou seja, não existir algo que diga que X significa Y é um presente e um convite que nos é dado! O presente é deixar aflorar nossa liberdade de pensamento e o convite é, justamente, para pensar.

A Ordem DeMolay é uma organização juvenil. Nosso Ritual, portanto, foi pensado para atender as necessidades da formação do jovem em adulto. Além disso, foi feito por um Maçom e, com certeza, traz neles elementos Maçônicos, assim como a Maçonaria deve herdar, em seus Rituais, práticas de outras culturas / civilizações / Ordens Iniciáticas. Apesar disso, devemos pensar e entender nosso Ritual a partir do ponto de vista da juventude. Ou seja, usufruir da liberdade de pensamento para significar nossas práticas (que não possuam significados já expressos) como bem quisermos, limitados apenas por nossos princípios e valores.

Assim, queremos dizer que os estudos “clandestinos” de simbologia são, realmente, válidos, desde que fundamentados (ou seja, explique a associação que está sendo feita com referências) e que não fuja dos preceitos gerais de nossa Ordem (nossas Virtudes e Liberdades, por exemplo). Além de serem válidos, destacamos que eles cumprem essa “missão” de sermos produtores de conhecimentos, dedicando-nos ao estudo e à busca do saber.

Devemos evitar, contudo, a criação e a manutenção de explicações simbólicas como verdade única, imutável e, principalmente, que elas atrapalhem a correta e pura prática ritualística. Qualquer explicação que respeite os princípios apresentados no parágrafo anterior será válida. O importante é não se acomodar e deixar de estudar e de pesquisar, achando ter pleno conhecimento de todas as coisas.

1.3 DA IMPORTÂNCIA DE SIGNIFICADOS PARA NOSSO RITUAL

Para este tópico, convido a leitura de um trecho do livro “O Símbolo Perdido”, de Dan Brown. Segue:

– Professor Langdon – disse um rapaz de cabelos encaracolados na última fileira -, se a Maçonaria não é uma sociedade secreta, nem uma empresa, nem uma religião, então o que é?

– Bem, se você perguntasse isso a um maçom, ele daria a seguinte definição: a Francomaçonaria é um sistema de moralidade envolto em alegoria e ilustrado por símbolos.

– Isso me parece um eufemismo para “seita de malucos”.

– Malucos, você disse?

– É isso aí! – disse o aluno, levantando-se. – Sei muito bem o que eles fazem dentro desses prédios secretos! Rituais esquisitos à luz de velas, com caixões, forcas e crânios cheios de vinho para beber. Isso, sim, é maluquice!

Langdon correu os olhos pela sala.

– Alguém mais acha que isso é maluquice?

– Sim! – entoaram os alunos em coro.

Langdon deu suspiro fingido de tristeza.

– Que pena. Se isso é maluco demais para vocês, então sei que nunca vão querer entrar para a minha seita.

Um silêncio recaiu sobre a sala. A integrante da Associação de Alunas pareceu incomodada.

– O senhor faz parte de uma seita?

Langdon assentiu com a cabeça e baixou a voz até um sussurro conspiratório.

– Não contem para ninguém, mas, no dia em que o deus-sol Rá é venerado pelos pagãos, eu me ajoelho aos pés de um antigo instrumento de tortura e consumo símbolos ritualísticos de sangue e carne.

A turma toda fez uma cara horrorizada.

Langdon deu de ombros.

– E, se algum de vocês quiser se juntar a mim, vá à capela de Harvard no domingo, ajoelhe-se diante da cruz e faça a santa comunhão.

A sala continuou em silêncio. Langdon deu uma piscadela.

– Abram a mente, meus amigos. Todos nós tememos aquilo que foge à nossa compreensão.

Sei que o texto em análise fala especificamente da Maçonaria, mas por questões didáticas, vamos expandi-lo para a Ordem DeMolay também. Parafraseando Langdon, teríamos que: a Ordem DeMolay “é um sistema de moralidade envolto em alegoria e ilustrado por símbolos”. Ou seja, nossa Ordem nada mais é do que seus princípios e preceitos ensinados e perpetuados através de alegoria e de símbolos ou, simplesmente, através da prática de nosso Ritual! Assim, nosso Ritual é aquilo que condensa e sintetiza tudo que devemos aprender e praticar para atingirmos o objetivo proposto pela Ordem. Esses objetivos, inclusive, estão explícitos em nosso Ritual nas falas da Cerimônia de Iniciação.

Ou seja, de forma velada ou não, nossas Cerimônias foram escritas e pensadas com o objetivo de incutir esses objetivos em nossas mentes, vidas e práticas diárias, tornando-nos cidadãos, filhos, homens, profissionais melhores. Assim, a importância de darmos e de entendermos os significados presentes no Ritual é justamente para, então, poder pôr em prática essas lições! Afinal, como praticar algo que desconheço?

Além disso, como bem apresentado no texto de Dan Brown, lidar com Ritual, com alegorias e com símbolos exige uma “mente aberta” à reflexão e ao conhecimento, para poder fazer as associações necessárias e tirar o devido proveito dos ensinamentos.

E, para finalizar a análise deste texto, destacamos uma razão dos Rituais serem secretos. Fora de contexto, uma parte qualquer de nossas Cerimônias pode parecer estranha, sem sentindo ou com um sentido totalmente oposto para um leigo. Assim, o contato com o Ritual somente para os Iniciados garante, minimamente, que eles já conheçam os princípios gerais da Ordem e possam entender todas as práticas a partir desses princípios, sem deturpar nossas Cerimônias.

1.4 CONCLUSÕES

Encerramos este primeiro capítulo esperando que você tenha entendido que, justamente por ser plural, a abordagem simbólica não será o foco deste estudo. É, até mesmo, uma forma de respeito às diversas correntes interpretativas que existem para nossos símbolos e significantes. Em alguns momentos, durante a escrita deste estudo, será inevitável abordar alguns significados que são próprios do Ritual e/ou que estão consagrados pelo uso e pela tradição. Estes últimos serão abordados com ressalvas e, dependendo do caso, contestados.

Assim, nosso foco na prática do Ritual se deve, em especial, porque cremos que somente com o domínio da prática podemos, verdadeiramente, aprofundar os estudos simbólicos. Como dar significado para algo que você não conhece profundamente/integralmente? Além disso, na abordagem prática não há muito que se discutir: é o que ali está e pronto. Nosso Ritual foi escrito para ser executado tal como está e, portanto, qualquer vício deve ser superado.

Por fim, esperamos que tenham entendido que a superação do dilema das interpretações ritualísticas está justamente em não querer adotá-las como dogmas e verdade única. Dar espaço à plurissignificação, fundamentada e embasada, gera concórdia e favorece o campo de estudo e de pesquisa sobre o assunto. Assim, não esperem que saiam publicações oficiais do SCODB ditando e determinando significado para tudo aquilo que Marshall e Land deixam subentendido. Seria, isso, podar o poder criativo e a liberdade de pensamento de todos nós.

Notas:

  1. O Manual de Práticas Ritualísticas (MPR) foi redigido e lançado em 2008, enquanto o novo Regulamento Geral DeMolay (RGD) do SCODB saiu em 2009. Ou seja, há diversas previsões que o MPR traz que divergem do RGD, nossa Lei Maior, e, portanto, não devem ser seguidas. Destacamos, contudo, que isso ocorre especialmente nos procedimentos Administrativos, ficando a Prática Ritualística “livre” disso, uma vez que o RGD não legisla sobre a Prática do Ritual.
  2. Entenda “clandestino” como “não oficial”, mas não estamos desqualificando esses escritos.
  3. Frank Marshall: autor do Ritual DeMolay.
  4. Frank Sherman Land: fundador da Ordem DeMolay no Mundo.


O livro pode ser adquirido no blog do Irmão Yan,  http://rotinademolay.com/, e através da Loja Virtual do SCODB.

Se você possui algum material interessante sobre a Ordem, que se encaixe no objetivo da coluna Virtude Cardeal e do TdC, e queira compartilhar, envie-nos por email que estaremos avaliando: leoclacerda@gmail.com, fagolu@gmail.com.

N.N.D.N.N.
Leonardo Cestari Lacerda

Leonardo Cestari Lacerda é Sênior DeMolay do Cap. Imperial de Petrópolis, nº 470, e Maçom da A.’.R.’.L.’.S.’. Amor e Caridade 5ª, nº 0896.
Virtude Cardeal é uma coluna com o propósito de desenvolver a reflexão sobre características fundamentais de todo DeMolay, bem como apresentar a Ordem aos olhos dos forasteiros.

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Respostas de 4

  1. O tempo ajuda a entendermos os rituais e símbolos. Quando vemos tv nacional sabemos que são mitos ocultos e nós mortos vivos. Mas tv da Europoa, com todo respeito, antigos símbolos se fazem presentes entre nós. Depois pegue uma foto de seu paizão em 2008, no seu casamento e mais sinais que não somos meros atores apertando botões! Paz irmão!!!

  2. Leonardo, sou ávido leitor dessa coluna, sempre que acho um texto interessante levo ao meu capítulo, porém sou afiliado à um capítulo do SCODRFB, e gostaria de saber se há alguma divergência nos rituais ou no simbolismo, e se há realmente alguma diferença entre os Supremos, se é apenas por questões administrativas
    @Leo: Alguém já havia me perguntado sobre isso e a resposta é negativa quanto a questão ritualística. Se esforce para ser bom em ritualística por você, por seu Capítulo, depois vire Regional, Estadual e perpetue esse trabalho, não espere nada das autoridades nesse quesito. Quem sabe quando vc juntar uma turma, todos virarem influentes no Supremo e fizerem um Programa de Estudos e de Avaliação de Grau, como o SCODB tem para a Cavalaria, as coisas não comecem a mudar. Mas, novamente, não espere nada de ninguém, se quer, faça por você mesmo.
    E a diferença entre os Supremos DeMolay está na parte administrativa, que na minha opinião foi e continua sendo uma das maiores vergonhas da Maçonaria brasileira, e que nós e futuras gerações teremos que pagar por muito tempo.

    1. Obrigado pelo conselho Irmão, fui eleito à Mestre Conselheiro de meu capítulo para essa gestão, e para ser franco, não conheço nada do outro supremo, nem tenho nada contra, aliás, sou a favor da união dos supremos
      Quanto a ritulística, concordo que o SCODB tem um suporte melhor para as ritualística dos capítulos
      Se você pudesse, gostaria de conversar mais sobre esse Programa de Estudos e de Avaliação de Grau, talvez por email, não sei
      Abraço !

      @Leo: Pode ser. leoclacerda@gmail.com
      Mas se quer uma dica de como implementar a ritualística comece por esse post: http://www.deldebbio.com.br/2013/01/31/questionario-demolay/

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