Mudança de Paradigmas na Ciência

 
Desde seus primórdios a Magia do Caos utiliza largamente o termo “mudança de paradigma”. Peter Carroll abrange sua teoria da magia dentro de três paradigmas maiores chamados Transcendental, Materialista e Mágico, mostrando como podemos transitar entre eles. Em seu livro “Liber Kaos” o autor afirma o seguinte:
 
“Esse universo possui a peculiaridade de tender a prover evidências e confirmações de qualquer paradigma que alguém escolha acreditar”.
 
“Cada uma dessas três visões do Eu [Transcendental, Materialista e Mágica] tem algo depreciativo a dizer sobre as outras duas […] Em última análise, é uma questão de fé e bom gosto. Naturalmente, todas essas formas de fé estão sujeitas a períodos de dúvida”
 
Carroll, como cientista, pegou emprestado o termo “paradigma” de Thomas Kuhn, que também era físico como ele. Por sua vez, Kuhn popularizou um termo antes pouco utilizado, atribuindo-lhe uma nova gama de significados. Dentre outras definições do termo, uma bem simples apontada pelo autor poderia ser “aquilo que os membros de uma comunidade partilham”. Ele possui métodos e valores compartilhados por um grupo que o aceita.
 
Não é difícil nos acostumarmos com a ideia de que um paradigma na filosofia não é necessariamente melhor que outro. Por isso, podemos estudar um pensador grego da Antiguidade Clássica como Platão e comparar as ideias dele com um filósofo moderno como Descartes, mesmo existindo uma diferença de cerca de dois mil anos entre o período em que cada um viveu. Não achamos que as ideias de um filósofo contemporâneo como Jürgen Habermas são necessariamente mais relevantes. Mesmo que algumas pessoas defendam que os filósofos de nosso tempo nos apresentam ideias e conceitos mais condizentes com o período em que vivemos, dificilmente ignoramos o estudo da história da filosofia. Ela é importantíssima para compreender como chegamos até aqui.
 
Algo semelhante ocorre em outras áreas, como a arte. Leonardo da Vinci viveu na época do Renascimento. Mesmo assim, creio que dificilmente alguém irá defender  que suas obras são necessariamente inferiores ao trabalho de nossos artistas contemporâneos, por ele ter vivido alguns séculos atrás e aquele período ser mais “atrasado” em relação ao nosso. Inclusive, há aqueles que defendem exatamente o oposto, o que também pode ser uma opção perigosa: existe uma tendência a desprezar a arte moderna ou pós-moderna, considerando-a “aleatória” ou desprovida de método. Curiosamente, essas mesmas pessoas podem acabar por apreciar a obra de artistas como Pablo Picasso, que morreu há poucas décadas.
 
Ocorre um preconceito semelhante no ocultismo hoje, cuja tendência é supervalorizar religiões, grimórios ou sistemas mágicos mais antigos, enquanto a Magia do Caos é tida por alguns como “bagunça”. Porém, muitas dessas pessoas que julgam o caoísmo sem estudá-lo não estão a par das ideias apresentadas na Teoria do Caos, sobretudo na área científica, e muito provavelmente não estão completamente inteiradas a respeito de filosofia da ciência, tal qual apresentada por pensadores como Thomas Kuhn e Karl Popper.
 
Aqui irei me centrar numa análise sobre filosofia da ciência e colocar a seguinte questão: por que será que temos a tendência a acreditar que as teorias científicas atuais são mais certas, melhores, mais avançadas e mais “evoluídas” do que as teorias científicas antigas, a ponto de acreditarmos que o conhecimento ocorre de forma linear, construindo uma noção de “progresso” como numa escada em que a ciência nos gera cada vez mais conhecimento, rumo à “verdade”? De onde será que veio essa crença, atualmente tão difundida?
 
Há uma resposta curta para essa pergunta: ela difundiu-se particularmente na Idade Moderna, em especial no Iluminismo, que ressaltou o triunfo da razão e da ciência para iluminar a “Idade das Trevas” considerada atrasada e um retrocesso. Mas será que foi assim mesmo? Preferimos a resposta mais longa a essa tão intrigante questão.
 
Primeiramente, vamos analisar alguns trechos do livro “A Lógica da Pesquisa Científica” de Karl Popper:
 
“A ciência não é um sistema de certezas, ou afirmações bem estabelecidas; nem é um sistema que constantemente avança para um estado de finalidade. Nossa ciência não é conhecimento (episteme): ela nunca pode clamar ter atingido a verdade, e nem mesmo um substituto para isso, como probabilidade”.
“Ainda assim, a ciência tem mais do que mero valor biológico de sobrevivência. Não é apenas um instrumento útil. Embora ela não possa atingir nem verdade e nem probabilidade, a aspiração ao conhecimento e a busca da verdade ainda são os mais fortes motivos da descoberta científica”
“Nós não sabemos: só podemos adivinhar. E nossas adivinhações são guiadas pela não científica, pela metafísica (embora biologicamente explicável) fé em leis, em regularidades que nós podemos revelar – descobrir. Como Bacon, nós podemos descobrir a nossa própria ciência contemporânea”  
 
Karl Popper foi um filósofo particularmente interessado em lógica, já tendo sido professor de matemática e física. Inicialmente alguns podem pensar que a ciência é um conhecimento bastante seguro, já que a biologia se baseia na química, que por sua vez se fundamenta na física e esta na matemática. Há um antigo debate sobre a questão se a matemática foi “descoberta”, como se os números fossem entidades reais no mundo das ideias de Platão e Pitágoras, ou se ela foi simplesmente inventada pelo ser humano.
 
Geralmente se diz que os axiomas de Euclides são autoevidentes, assim como as tais “verdades a priori” de Kant. Porém, Karl Popper deixa claro que não compartilha dessa visão.
 
No livro “Em Busca do Infinito” de Ian Stewart temos a seguinte passagem, como introdução ao teorema de Cauchy:
 
“O que realmente soltou a raposa no galinheiro foi a descoberta de que se podia fazer cálculo – análise – com funções complexas, e que a teoria resultante era elegante e útil. Na verdade, tão útil que a base lógica da ideia deixou de ser um assunto importante. Quando algo funciona, e você sente que precisa daquilo, geralmente para de se perguntar se aquilo faz sentido”
 
Essa ideia parece bastante semelhante à perspectiva pragmática da Magia do Caos: “use o que funciona”. Em seu livro “A History of God” Karen Armstrong enfatiza que na história das religiões é observado que antigos conceitos sobre o que é Deus (o Deus dos Filósofos, o Deus dos Místicos, etc) são constantemente substituídos por outros quando a definição antiga não funciona mais para atender as circunstâncias históricas da época. Por isso, a tendência é que os conceitos das religiões se transformem para atender às necessidades práticas da sociedade.
 
No mesmo livro de matemática de Ian Stewart há uma menção sobre a afirmação de Kant (que era professor de matemática) de que uma geometria deve ser necessariamente euclidiana (refutada por Klugel). Assim como sua insistência na quase infalibilidade de argumentos a priori (ou pelo menos a superioridade destes em relação a argumentos a posteriori), que lembra um pouco o ponto de vista de David Hilbert sobre a matemática como verdade, quando depois Kurt Gödel iria mostrar que a lógica matemática não está isenta de falhas e que, contrário ao senso comum, nem mesmo ela pode mostrar a “verdade”.
 
Vamos a outras passagens da obra:
 
“Graças a formas de pensar criativas e não ortodoxas, muitas vezes automaticamente contestadas por uma maioria menos criativa, agora entendemos – pelo menos os matemáticos e os físicos – que existem muitas alternativas à geometria euclidiana e que a natureza do espaço físico é uma questão de observação, não só de pensamento. Nos dias de hoje podemos fazer uma distinção clara entre modelos matemáticos da realidade e a própria realidade. Sob esse aspecto, grande parte da matemática não tem relação nenhuma com a realidade – mas mesmo assim é útil”
 
“Os matemáticos se perguntaram quantos sistemas numéricos hipercomplexos poderia haver. A questão não era ‘eles servem para alguma coisa?’ e sim ‘eles são interessantes?'”
 
O autor conta que na verdade não há uma prova realmente definitiva de que números naturais existam. Um, dois, três… essas coisas são só abstrações, pois se pode encontrar três vacas na natureza, mas não apenas o número três flutuando no ar. E provar que 2+2=4 também é meio complicado. O autor admite que pode haver passos lógicos consistentes que provem que 2+2=5. Porém, isso geraria contradições que trariam outros problemas. Por fim, ele diz:
 
“Uma vez que tudo é verdadeiro – e também falso – não se pode dizer nada significativo. Toda a matemática seria um jogo idiota, sem conteúdo”
Ian Stewart detalha esse pensamento em seu livro “Uma história da simetria na matemática”, no qual afirma:
 
“As provas não podem se apoiar no ar e não podem retroceder aos antecedentes lógicos para sempre. Elas precisam começar em algum lugar, e o ponto em que começam será por definição coisas que não foram – nem sempre – provadas. Hoje chamamos essas suposições iniciais não comprovadas de axiomas. Para um jogo matemático, os axiomas são as regras do jogo”.
 
“Qualquer pessoa que tiver objeções relativas aos axiomas pode mudá-los, se quiser, mas o resultado será um jogo diferente. Os matemáticos não afirmam que um enunciado é a verdade: eles dizem que, se considerarmos inúmeras suposições, a consequência lógica delas será o enunciado em questão. Isso não quer dizer que o axioma não possa ser contestado. Os matemáticos podem debater se um dado sistema axiomático é melhor que outro para algum propósito, ou se o sistema tem algum mérito ou interesse intrínsecos. Mas essas disputas não dizem respeito à lógica interna de qualquer jogo axiomático específico. Elas se referem aos jogos que valem mais a pena, são mais interessantes ou divertidos”
 
Agora estamos esquentando. Com isso chegamos ao cerne da Magia do Caos, cuja proposta é desenvolver diferentes jogos axiomáticos e testá-los. Às vezes escolhemos o que funciona. Outras vezes optamos pelo que é divertido. Mas há muitas outras possibilidades. Afinal, um pesquisador de matemática pura não irá necessariamente pesquisar uma área porque possui aplicações diretas na engenharia. Muitas vezes o que o move é a curiosidade ou a sede do conhecimento.
 
Uma última passagem desse livro:
 
“Antes do Renascimento, os matemáticos de Bolonha começaram a cogitar se o número -1 (menos um) poderia ter uma raiz quadrada plausível, já que todos os números que apareciam na matemática pertenciam a um só sistema. Até hoje, como um legado da confusão histórica envolvendo a relação entre matemática e realidade, esse sistema é conhecido como dos números reais. É um nome infeliz, pois sugere que esses números de alguma forma pertencem ao tecido do Universo, e não que tenham sido gerados por tentativas humanas de entendê-los. Não é verdade. Esses números não são mais reais que outros ‘sistemas numéricos’ inventados pela imaginação humana ao longo dos últimos 150 anos. Mas apresentam, na verdade, uma relação mais direta com a realidade que a maioria dos novos sistemas. Correspondem bem de perto a uma forma idealizada de mensuração”
 
E agora que as regras do jogo foram reveladas, voltemos a Popper:
 
“Como e por que nós aceitamos uma teoria em detrimento de outras? A preferência certamente não é devido a uma justificação experimental das afirmações que compõem a teoria; não é devido a uma redução lógica da teoria à experiência. Nós escolhemos a teoria que melhor se mantenha em competição com outras teorias; aquela que, por seleção natural, se mostra a mais adaptada a sobreviver. […] De um ponto de vista lógico, testar uma teoria depende de afirmações básicas cuja aceitação ou rejeição, por sua vez, depende das nossas decisões. Então são decisões que definem o destino de teorias. […] A escolha [de uma teoria] é em parte determinada por considerações de utilidade”.
 
Esse é um argumento semelhante ao de Thomas Kuhn no livro “A Estrutura das Revoluções Científicas”. Vamos a ele:
 
“Por certo os cientistas não são o único grupo que tende a ver o passado de sua disciplina como um desenvolvimento linear em direção ao ponto de vista privilegiado do presente. A tentação de escrever a história passada a partir do presente é generalizada e perene. Mas os cientistas são mais afetados pela tentação de reescrever a história, em parte porque os resultados da pesquisa científica não revelam nenhuma dependência óbvia com relação ao contexto histórico da pesquisa e em parte porque, exceto durante as crises e as revoluções, a posição contemporânea do cientista parece muito segura. Multiplicar os detalhes históricos sobre o presente ou o passado da ciência, ou aumentar a importância dos detalhes históricos apresentados, não conseguiria mais do que conceder um status artificial à idiossincrasia, ao erro e a confusão humanos. Por que honrar o que os melhores e mais persistentes esforços da ciência tornaram possível descartar? A depreciação dos fatos históricos está profundamente, e talvez funcionalmente, enraizada na ideologia da profissão científica, a mesma profissão que atribui o mais alto valor possível a detalhes fatuais de outras espécies. Whitehead captou o espírito a-histórico da comunidade científica ao escrever ‘A ciência que hesita esquecer seus fundadores está perdida”   
 
“Se, como já argumentamos, não pode haver nenhum sistema de linguagem ou de conceitos que seja científica ou empiricamente neutro, então a construção de testes e teorias alternativas deverá derivar-se de alguma tradição baseada em um paradigma. Com tal limitação, ela não terá acesso a todas as experiências ou teorias possíveis. Consequentemente, as teorias probabilísticas dissimulam a situação de verificação tanto quanto a iluminam. Embora essa situação dependa efetivamente, conforme insistem, da comparação entre teorias e evidências muito difundidas, as teorias e observações em questão estão sempre estreitamente relacionadas a outras já existentes. A verificação é como a seleção natural: escolhe a mais viável entre as alternativas existentes em uma situação histórica determinada. Essa escolha é a melhor possível, quando há alternativas ou dados de outra espécie? Tal questão não pode ser apresentada de maneira produtiva, pois não dispomos de instrumentos que possam ser empregados na procura de respostas”
 
O que isso tudo significa? Uma teoria científica contemporânea não é necessariamente melhor ou mais certa do que uma teoria antiga. Nós a usamos hoje não porque ela seja mais sofisticada, inteligente ou com maior verificação empírica. Inicialmente podemos pensar em adotar uma teoria porque ela parece funcionar, independente de estar certa ou errada (ou seja, condizer com a realidade). Mas um dos maiores motivos de ela ser escolhida é porque ela confirma as visões da época em que vivemos, em nosso contexto histórico. Provavelmente os cientistas devem dar mais atenção ao estudo das ciências humanas, em vez de apenas se fechar em si mesmos.
 
Ou, como os autores colocam: a teoria científica que temos hoje em determinado campo não é a “verdade” e nem a “melhor” dentre as diferentes teorias apresentadas. Elas simplesmente entram numa luta pela sobrevivência, e a que continua viva para triunfar é aquela que é “mais apta” não de forma absoluta, mas mais apta a responder as questões que a sociedade hoje considera relevantes (por exemplo: se o paradigma adotado hoje é que a saúde do corpo é mais importante que a saúde mental e a mente é mera projeção do corpo, vamos nos medicar com antidepressivos para resolver o problema físico e deixar a psicoterapia em segundo plano. Subitamente surgem muitos artigos científicos cujo objetivo é apenas reforçar esse paradigma sem questioná-lo, como uma profecia autorrealizável).
 
Se na Idade Média a prioridade era, digamos, o desenvolvimento espiritual e na época em que vivemos é o desenvolvimento material (não estou afirmando que seja simples assim, mas vamos considerar dessa forma) hoje serão imediatamente descartadas todas as teorias antigas que falavam em espírito ou alma como falsas, atrasadas e supersticiosas. Antigamente, quando não havia essa separação violenta entre corpo e espírito, entre filosofia, ciência e religião, e pessoas como Newton eram ao mesmo tempo astrônomos, alquimistas e teólogos, tinha-se uma visão muito mais generalista ou holística da existência. Hoje vivemos num mundo fragmentado e criamos diferentes teorias para forçar os pedaços quebrados a se unirem a qualquer custo.
 
 Retomemos Thomas Kuhn:
 
“Os leigos que zombavam da Teoria Geral da Relatividade de Einstein porque o espaço não poderia ser ‘curvo’ não estavam completamente errados ou enganados. Tampouco estavam errados os matemáticos, físicos e filósofos que tentaram desenvolver uma versão euclidiana da teoria de Einstein. O que anteriormente se entendia por espaço era algo necessariamente plano, homogêneo, isotrópico e não afetado pela presença da matéria […]. Consideremos, por exemplo, aqueles que chamaram Copérnico de louco porque este proclamou que a Terra se movia. Não estavam nem pouco, nem completamente errados […]. Tanto Descartes como Huygens puderam compreender que a questão do movimento da Terra não possuía conteúdo científico
 
 “Max Planck, ao passar em revista a sua carreira no seu Scientific Autobiography, observou tristemente que ‘uma nova verdade científica não triunfa convencendo seus oponentes e fazendo com que vejam a luz, mas porque seus oponentes finalmente morreram e uma nova geração cresce familiarizada com ela”
 
“Contudo, a alegação de ter resolvido os problemas que provocam crises raras vezes é suficiente por si mesma. Além disso, nem sempre pode ser legitimamente apresentada. Na verdade, a teoria de Copérnico não era mais precisa que a de Ptolomeu e não conduziu imediatamente a nenhum aperfeiçoamento no calendário”
 
Se ao menos não houvesse esse dogma na ciência de que uma teoria deve estar mais certa que outra e deve substituí-la, poderíamos observar as vantagens e desvantagens obtidas com o sistema geocêntrico e com o sistema heliocêntrico de forma mais imparcial (embora nunca seja possível a imparcialidade completa que se almeja atingir). Nenhuma teoria é a verdade absoluta e explica tudo em todos os pontos. Alguns argumentam que o sistema heliocêntrico é melhor que o geocêntrico porque “simplifica os cálculos” e com isso os planetas não precisam fazer movimentos “estranhos”, mas será que devemos seguir mesmo à risca a navalha de Ockham, usar sempre o sistema mais simples e descartar uma solução complexa que pode porventura permitir ver coisas que o outro sistema não permite?
 
Como dizem os matemáticos, a melhor solução nem sempre é a mais simples. Às vezes podemos optar pela mais elegante. E por que não tentar ver a realidade por mais de um ponto de vista do que reduzi-la a apenas um? Isso abre a mente.
 
Kuhn tem mais a nos dizer sobre isso:
 
“Resolver os grandes problemas com que se defronta, sabendo apenas que o paradigma anterior fracassou em alguns deles. Uma decisão desse tipo só pode ser feita com base na fé”
 
“Muitos cientistas serão convertidos e a exploração do paradigma prosseguirá. […] Quando muito ele poderá dizer que o homem que continua a resistir após a conversão de toda a sua profissão deixou ipso facto de ser um cientista”
 
“O teólogo que articula o dogma ou o filósofo que aperfeiçoa os imperativos kantianos contribuem para o progresso, ainda que apenas para o grupo que compartilha de suas premissas”
 
“Tais considerações sugerirão, inevitavelmente, que o membro de uma comunidade científica amadurecida é, como o personagem típico de 1984 de Orwell, a vítima de uma história reescrita pelos poderes constituídos. Um balanço das revoluções científicas revela a existência tanto de perdas como de ganhos e os cientistas tendem a ser particularmente cegos para as primeiras”.
 
“Os historiadores da ciência encontram seguidamente esse gênero de cegueira sob uma forma particularmente surpreendente. Entre os diversos grupos de estudantes, o composto por aqueles dotados de formação científica é o que mais gratifica o professor. Mas é também o mais frustrante no início do trabalho. Já que os estudantes de ciência ‘sabem quais são as respostas certas’ torna-se particularmente difícil fazê-los analisar uma ciência mais antiga a partir dos pressupostos desta”
 
“Por que a comunidade científica haveria de ser capaz de alcançar um consenso estável, inatingível em outros domínios? Por que tais consensos hão de resistir a uma mudança de paradigma após outra? E por que uma mudança de paradigma haveria de produzir invariavelmente um instrumento mais perfeito do que aqueles anteriormente conhecidos?”
 
Essa é a grande questão, hã?
 
Hoje em dia temos um tipo de “fé” que a ciência pode nos levar à verdade e frequentemente nos “convertemos” aos novos paradigmas que a ciência aponta como corretos porque eles foram largamente verificados e testados por uma equipe de especialistas, os “papas” e “sacerdotes” da ciência.
Sem querer desmerecer as atuais descobertas científicas, acho lamentável que a antiga sabedoria popular seja deixada de lado (legada por diferentes épocas e comunidades, indígenas, etc) em nome do que a ciência determina como certo e errado. Frequentemente consideramos os paradigmas anteriores como errados e o atual como certo, mas o próprio Kuhn afirma que muitos aspectos das teorias de Einstein são mais parecidos com os de Aristóteles do que com os de Newton. Sem contar que o próprio Leibniz já falava da relatividade do tempo, mas só as ideias de Newton foram levadas em consideração devido ao status que ele possuía. De qualquer forma, muitas das ideias de Newton continuam corretas até hoje, ele não foi “derrubado”.
 
Com isso chegamos a algumas conclusões:
 
1-  Os cientistas precisam estudar não somente filosofia da ciência, mas também história da ciência. Os médicos atuais muito provavelmente ignoram o que disseram Hipócrates e Galeno. É verdade que acreditar no que eles diziam como se fosse um dogma incontestável também trouxe limitações para a medicina. Mas partir para o extremo oposto e considerá-los como completamente errados certamente não é a melhor escolha. Por exemplo, por algum tempo se considerou que a sangria, especialmente feita com sanguessugas, era um método ultrapassado para tratar doenças. Hoje em dia tem se descoberto que ela pode ser utilizada com sucesso para tratar enfermidades específicas.
 
2- Será que a ciência está mesmo progredindo ou só andamos em círculos? Segundo Thomas Kuhn, na maior parte do tempo o que os cientistas fazem é apenas montar quebra-cabeças com os paradigmas vigentes. Isso leva a um desenvolvimento lento. A ciência só avança de forma mais rápida nas épocas de revolução científica, quando um paradigma é substituído por outro. Mas o progresso não ocorre porque o novo paradigma é melhor, mas simplesmente porque nessas épocas compara-se as vantagens e desvantagens de dois ou mais paradigmas, o que leva a um exercício de pensamento mais profundo e a experimentos mais ousados, que geralmente resultam no surgimento de muitas novas ideias e teorias criativas.
 
A proposta da Magia do Caos é exatamente essa: manter-se num estado constante de revolução, testando e comparando variados paradigmas para que assim se expandam nossos pontos de vista e possamos apresentar ideias novas. Nenhum paradigma é considerado o “melhor” de forma absoluta. Mas isso tampouco significa cair no relativismo. Não se diz que tudo está certo, mas somente que cada teoria deve ser analisada no contexto do paradigma em que foi criada, reconhecendo que cada um pode ser útil para resolver problemas específicos. Mas mesmo os que não são imediatamente úteis não são descartados. Eles ainda podem provar seu valor no futuro, como já aconteceu incontáveis vezes na história da ciência, quando teorias antigas foram deixadas de lado e somente muito tempo depois foram redescobertas e aclamadas.
 
No entanto, vale ressaltar: o caoísta não clama ser melhor do que aquele que resolve pesquisar a fundo um paradigma específico. Como de costume, há vantagens e desvantagens nas duas abordagens e precisamos de desbravadores que se dediquem a cada uma delas.

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Respostas de 11

  1. Excelente texto. Ajuda a entender como nós somos frutos de um momento e o quanto, às vezes, somos arrogantes em achar que o nosso momento “é o momento”. Por isso é que olhar pra trás pode significar seguir adiante.

    @Wanju – Exatamente, Abner! Muito obrigada!

  2. Muito interessante essa perspectiva dos Jogos Axiomáticos.

    E ela me faz levantar uma pergunta, e os meta sistemas analíticos, como a Mitologia Comparada Hermética (especificamente os estudos do Marcelo Deldebbio) e a própria Magia do Caos?

    Elas próprias estabelecem Meta-Axiomas que podem ser alterados, e assim exponencialmente…

    Como você vê isso?

    @Wanju – Bem pensado, a proposta é ser um meta-axioma e é assim mesmo que a Magia do Caos se define: ela não é um sistema e sim um metassistema. Mas devemos enxergar que até um sistema que se propõe a analisar sistemas possui suas próprias limitações internas e deve ser constantemente questionado.

    Por isso, a própria MC não se define como certa ou a “verdade” e há aquelas piadas clássicas de que nem ela mesma está certa. Mas os caoístas geralmente se sentem muito à vontade no meio desses paradoxos, justamente celebrados em livros como Principia Discordia.

    Sobre a Mitologia Comparada Hermética, sem dúvida trata-se de ir além dos paradigmas estabelecidos, pois não se fica em apenas um e busca-se correspondência entre eles. E o próprio estudo da cabala demonstra isso, quando o Marcelo Del Debbio faz relações da cabala com diversas áreas do conhecimento busca-se algo parecido, assim como a própria cabala comparada (mística, religiosa, etc).

    É muito revelador fazer um estudo comparado de qualquer área. Anatomia comparada, por exemplo. John Hunter defendia que para se entender a anatomia humana deve-se estudar anatomia comparada e por isso ele mesmo dissecava vários outros animais para estudar. Assim compreende-se melhor o processo evolutivo que levou à formação de certas estruturas. Infelizmente, com exceção de cursos como biologia, a maior parte dos cursos de ciência da saúde não estuda anatomia comparada. Também seria valioso estudar história da anatomia.

    1. Estudando áreas do conhecimento comparativamente não estaríamos buscando um sistema único, abrangente e universal? Algo a ser captado nos meandros dos então sistemas fechados?


      @Wanju – Esse é o tipo de pergunta divertida que nos incita a bradar alegremente: “Ahá!”
      Bem, aí vem o pulo do gato. Vejamos se esse gato está vivo ou morto.
      Sim, ironicamente, fazer um estudo comparativo entre diferentes sistemas e tentar “aprisioná-los” num “sistema único, abrangente e universal” como você diz, no fundo não é tão diferente assim de fechar-se em apenas um sistema único e permanecer apenas lá montando quebra-cabeças com ele.
      A diferença é sutil. Pelo menos assim aprendemos um maior número de palavras daquela linguagem e teremos mais desenvoltura para nos expressarmos. Mas será que essa desenvoltura serve mesmo para alguma coisa, quando estamos apenas brincando com modelos e somos incapazes de enxergar a realidade tal qual ela é?
      Como disse Thomas Kuhn: “Tal questão não pode ser apresentada de maneira produtiva, pois não dispomos de instrumentos que possam ser empregados na procura de respostas”
      Sempre foi o sonho do ser humano construir uma “Teoria do Tudo” nas mais diversas áreas do conhecimento, como na matemática, física, filosofia, em que todas as áreas que hoje estão separadas se conectariam.
      No entanto, somos apenas humanos. Nossa razão e nossos sentidos físicos são limitados. Somos apenas capazes de interpretar a realidade através de modelos, pois vemos o mundo fenomênico e não o mundo numênico. Não conseguimos chegar na “coisa em si” a ponto de alguns duvidarem que ela existe.
      Essa tentativa de construir um sistema único que abranja todos é quase como tentar enxergar as porções de verdade que existem entre o monte de mentiras e falhas de cada paradigma. A ideia é que quanto mais paradigmas nós comparamos, mais nos damos conta dessas pistas.
      Mesmo assim, continuamos vagando como cegos e para descobrir a verdade tal qual ela é teríamos que transcender a existência humana, indo além da razão e dos sentidos. Alguns chamam isso de “transe místico”: quando se conecta com o divino.
      Em suma, nossa única esperança de chegar a algo parecido com verdade poderia ser através das religiões relevadas. Se um ser mais inteligente que nós (na verdade ele teria mesmo que ser onisciente) tiver revelações a fazer, eis aí a única maneira de tocar o “Todo”.
      Analisando um sistema como a cabala, por exemplo, ela poderia ser vista como mais do que montar quebra-cabeças, pois ela teria vindo de uma religião divinamente revelada (e não imaginada por nós). O estudo comparativo de cabala, ou de outros sistemas místicos e espirituais, estaria mais próximo de algo como construir um sistema universal real que supere as limitações naturais da existência humana incapaz de fitar diretamente a verdade (a face de Deus) e poderá apenas confiar. Porém, não se trata de uma fé cega, já que cada um é estimulado a estudar e atingir os transes místicos por si mesmo.

  3. pequeno feedback de um simples humano: à pergunta..”de onde veio…”: histórico produz conhecimento, é biológico.
    Paradigmas não devem (mas podem) ignorar meio, ou seja, o eco-espaço-tempo, senão o produto dará com os burros n´água: o Brasil atual, kkkk!
    A Ciência exige treino, criatividade e experimentação enquanto que Arte pode acontecer sem técnica mas com talento.
    Pérola (dentre outras deste foderoso artigo) “…rumo à verdade”, sim! alcançamos pedacinhos da Verdade(ela poderia ser um Orixá, mas vamos alocar em Oxalá com toda reverência da nossa amada U.ou Kether).
    Entendendo o paradigma-chave da M.C. é:..”manter-se num estado constante de revolução…” esse é o plano!
    Wanju Duli, gostei muito deste texto, pois ele revela uma mente potente num texto foderoso. Muito “cool”

    @Wanju – Valeu, Carlos! Temos a aprender com as mais diversas áreas do conhecimento, pois elas não são tão isoladas quanto parecem. O aparente isolamento tratas-se de uma sistematização. Sócrates já dizia que embora não se possa confiar nem plenamente na lógica e nem nos sentidos físicos é o ato de aliá-los que nos leva a pistas da Verdade. Ou como disse Ian Stewart em seu livro “Em Busca do Infinito”:

    “Ao longo de toda sua longa história, a matemática tem tirado sua inspiração dessas duas fontes – o mundo real e o mundo da imaginação humana. Qual é mais importante? Nenhum dos dois. O que importa é a combinação. O método histórico deixa claro que a matemática extrai seu poder, e sua beleza, de ambos”.

    Ideia muito semelhante é dita por Francis Bacon em “Novum Organum”:

    “Os que se dedicaram às ciências foram ou empíricos, ou dogmáticos. Os empíricos, à maneira das formigas, acumulam e usam as provisões; os racionalistas, à maneira das aranhas, de si mesmos extraem o que lhes serve para a teia. A abelha representa a posição intermediária: recolhe a matéria-prima das flores do jardim e do campo e com seus próprios recursos a transforma e digere. Não é diferente o labor da verdadeira filosofia, que se não serve unicamente das forças da mente nem tampouco se limita ao material fornecido pela história natural ou pelas artes mecânicas, conservado intato na memória. Mas ele deve ser modificado e elaborado pelo intelecto. Por isso muito se deve esperar da aliança estreita e sólida (ainda não levada a cabo) entre essas duas faculdades, a experimental e a racional”.

  4. Wanju, minha pergunta é off…
    Queria saber de você o que acha sobre o Niilismo…ou, o quão você sabe a respeito.

    Ademais, ótimo texto!

    @Wanju – Obrigada, Isaac! É uma pergunta interessante. Acredito que o niilismo como filosofia gerou boas obras de arte, em especial na literatura. Vale a pena nos exercitarmos nos mais variados paradigmas, pois cada um tem algo a acrescentar em nossa visão de mundo.

    Mas há vários tipos de niilismo. Eu simpatizo com o niilismo metafísico, que defende que os objetos físicos podem não existir em mundos possíveis. Eu gosto de todas as teorias excêntricas semelhantes a essa, como o idealismo imaterialista de Berkeley e os mundos possíveis de David Lewis. Isso porque quebra com a nossa velha concepção de que os objetos materiais são reais e Deuses ou espíritos são falsos. Em vez disso, podemos pensar que todos eles são falsos, ou que todos eles são reais, o que é quase a mesma coisa. E num paradigma como esse fica muito mais fácil transitar entre os dois mundos, trazendo os Deuses para cá ou pular para o mundo deles.

    Sobre o niilismo epistemológico, o conhecimento é tido como inexistente ou incapaz de ser alcançado, o que se parece um pouco com ceticismo ou com um agnosticismo estrito. Na verdade, a maior parte das religiões defendem que o conhecimento e a verdade não podem ser alcançados pela razão humana ou por nossos sentidos físicos. Mesmo assim, elas têm uma solução, que é a fé numa divindade onisciente que possui esse conhecimento. Confiando nesse ser, nós seríamos participantes desse conhecimento de forma indireta.

    Já o niilismo existencial, e é provavelmente a esse que se costuma referir quando se usa o termo niilismo, é a posição de que a vida não tem sentido. Nietzsche costumava acusar religiões como o cristianismo e o budismo de serem niilistas, simplesmente porque o foco não é mais os prazeres do corpo e sim uma busca espiritual. Essa perspectiva pode parecer sem sentido para um materialista, mas num paradigma espiritual faz todo o sentido.

    Em parte, o niilismo existencial é reflexo do niilismo moral ou ético que defende que a moralidade não existe como algo objetivo, mas é subjetiva. Se aceitarmos que existe o bem e o mal a religião passa a ter, ao menos, um sentido ético. Ou seja, mesmo se alguém não acredita numa realidade transcendente, mas acredita que geralmente podemos identificar com certa clareza o que é uma ação boa e o que é uma ação ruim, já não poderia acusar religiões de niilismo, pois elas carregariam consigo uma carga moral e Deus poderia ser visto como reflexo do imperativo categórico kantiano: através do cumprimento do dever (amor a Deus) a probabilidade de fazermos a coisa certa se torna muito mais alta, pois cumprimos o dever simplesmente porque é a coisa certa a fazer e não para que se tenha algum resultado no mundo material (que seria uma perspectiva materialista e utilitarista).

    1. Amei sua resposta, Wanju! Jamais pare de escrever para nós! Adoro seus textos.
      É incrível que cada resposta sua aqui nos comentários daria uma bela de uma postagem para o Blog!

      Muito obrigado.
      Acho que daria uma postagem legal falar sobre o Niilismo.

      @Wanju – Eu que agradeço!! 🙂

  5. Excelente texto como sempre!! É realmente uma pena ver essa desvalorização da história e filosofia da ciência, e esse pensamento enaltecido dentro da comunidade acadêmica de que só essa metodologia é verdadeira. Mas, tristemente, ele tende a se reforçar, tanto pelo aspecto político-financeiro (e.g. http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/sao-paulo/alckmin-critica-fapesp-por-piorizar-pesquisa-sem-utilidade-pratica/), quanto pelo fato de um “pesquisador de sucesso”, geralmente, ser aquele que mais radicalmente se encaixa no modelo.
    O texto me lembrou também de um artigo publicado há uns dois anos, em que se demonstrava a transmissão hereditária de uma memória (no caso, medo), por meio de marcas epigenéticas. Esse e outros resultados (como a própria ferramenta de edição genômica na moda, o CRISPR-Cas9) tem mostrado que Lamarck não estava tão errado assim…..
    Mas voltando, como você sugere que a Magia do Caos possa ser utilizada sem recairmos na busca por resultados? Isso é possível dentro de um modelo pragmático?
    Grato!!

    @Wanju – Obrigada, Thiago! É exatamente essa falta de termos uma visão generalista que nos faz priorizar somente algumas áreas do conhecimento em detrimento de outras. Antigamente, com as Sete Artes Liberais, a educação na Atenas da Antiguidade Clássica e em muitos momentos e locais do medievo visavam dar ao estudioso tanto a visão generalista da conexão entre as diferentes áreas quanto a especialista. O Renascimento é outro exemplo disso, em que havia o chamado “homem universal” que estudava uma variada gama de saberes.

    É dito que foi devido a um bispo protestante chamado John Amos Comenius do século XVII que a educação passou a ter um foco mais utilitarista. A intenção dele era criticar a educação escolástica que possuía a teologia e a filosofia clássica como base. A reforma dele teve em vista uma educação para todos e embora essa intenção fosse boa, ele acabou realizando algumas reduções no ensino, retirando do currículo boa parte do pensamento filosófico (que era exatamente aquilo que gerava a coesão e o sentido dos saberes). O projeto dele era que se pudesse educar uma pessoa de forma rápida e eficiente, tendo como fins a especialização num ofício específico. Com isso, todos os fundamentos da educação construídos ao longo dos dois mil anos anteriores praticamente se perderam.
    Há um livro chamado “O Trivium” da Irmã Miriam Joseph em que é explicada a história dessas alterações educacionais, especialmente na introdução.

    O estudo da genética tendo como base a epigenética é fantástico. Li um livro sobre isso chamado “Epigenética” de Richard C. Francis. Os genes não são estáticos como costumamos pensar. Normalmente achamos que nascemos com certos genes e não há como modificar esse “destino”. Ao contrário, a epigenética mostra que nossos genes podem se modificar o tempo todo conforme as influências ambientais. Um dos exemplos do livro é o relato de um câncer transmissível entre os diabos da Tasmânia e pesquisas que mostram que homens que fumam antes da puberdade têm maior chance de ter filhos obesos.

    Certamente Lamarck não estava errado. E havia muitos outros cientistas da época de Darwin que defendiam diferentes abordagens para a teoria da evolução. O que ocorreu foi que o ponto de vista de Darwin se tornou o mais popular e as demais teorias da época foram esquecidas ou tidas como incorretas, como se somente uma teoria pudesse ser a certa ou a melhor para resolver todos os casos de evolução. Sem contar que Darwin baseou sua “luta pela sobrevivência” fortemente em Malthus e hoje sabemos que as teorias de Malthus possuíam uma série de problemas.

    A Magia do Caos geralmente é tida como uma magia pragmática que “usa o que funciona”, mas ela não se limita a isso. Esse aspecto dela foi enfatizado porque se tratou de uma novidade em relação a outros modelos da época que usavam largamente o paradigma espiritual. Peter Carroll deixa claro que o paradigma espiritual não está incorreto e pode ser usado. E apesar dos problemas que ele aponta no paradigma materialista, ele também não deve ser imediatamente abandonado. A ideia é analisarmos os paradigmas disponíveis, ou criarmos o nosso, que se adeque mais a um determinado objetivo. Em “The Book of Baphomet” Julian Vayne escreve o seguinte:

    “Críticos da magia do caos ocasionalmente entendem mal as orientações sobre ‘magia com resultados’ que os praticantes desse estilo comumente defendem. No entanto, um rito como a Missa do Caos B certamente indica um propósito mais amplo para a magia do que simplesmente um truque que tem sido caracterizado por bater punheta para um sigilo num papel de anotações para assegurar que um cheque de benefícios chegue prontamente”.

    1. O câncer facial dos diabos da Tasmânia é SUPER LEGAAAAALLL (menos pra eles, claro). Câncer é muito louco!!
      Muito obrigado pela resposta!!

      @Wanju – Haha! Às ordens!

  6. Wanju, boa noite.

    Gostaria de saber a sua opinião sobre o CUEE, mais conhecido como Controle Universal do Ensinamento dos Espíritos, método utilizado por Allan Kardec na Codificação Espírita. Você acha que foi um avanço uma pessoa interrogar várias outras pessoas sobre diversos assuntos e organizar as respostas em uma Doutrina em vez de uma só pessoa criar o seu Sistema ou receber a sua “revelação divina”?

    @Wanju – Oi Alex! Sem dúvida acho que é melhor um grupo de pessoas organizar respostas em uma Doutrina. Ninguém é perfeito e ninguém sabe tudo (a não ser Deus), todos temos a aprender e a ensinar. Então, quando uma das pessoas do grupo falha num ponto, há outra que é forte exatamente naquilo, para poder ajudar. Dessa forma, os ensinamentos se tornam mais claros e mais fortes. Por isso sempre fui totalmente a favor de grupos. Na Magia do Caos eu defendo que as pessoas troquem experiências e façam parte de Ordens, pois o ser humano é um ser social. Compartilhando não perdemos nossa individualidade, ao contrário, trocamos porções de nós mesmos com os outros e recebemos porções dos outros: é como ler e escrever livros, uma troca. Por esse motivo eu também admiro o catolicismo, já que é um grupo de pessoas (milhares, milhões de teólogos até hoje, por mais de dois mil anos!) que se juntaram para interpretar a Bíblia o melhor possível. Eu geralmente recomendo isso do que se tentar, apenas na solidão, interpretar a Bíblia. Felizmente, os protestantes também podem formar grupos de estudos e debater, pois isso é valioso. Deus pode se revelar de diferentes formas a cada um e quanto mais testemunhas temos, mais essa experiência e seus relatos se fortalecem.
    No caso da ciência, por exemplo, é bom que os diferentes cientistas troquem experiências. O problema começa quando eles rejeitam a sabedoria popular que nos foi legada através dos tempos (sabedoria indígena, etc) e julgam que apenas eles são os especialistas. É preciso ter a humildade de reconhecer que não sabemos de tudo, escutar o outro e aprender com o que o outro tem a nos dizer.
    Um médico ou outro profissional da saúde, por exemplo, muitas vezes se coloca em posição superior ao paciente e pensa que está lá para orientá-lo e que ele apenas deve ouvir. No entanto, muitas vezes o paciente sabe mais sobre a própria doença que o médico, já que ele convive com ela diariamente, o que gerou um tipo especial de conhecimento que não pode ser desprezado.
    Houve místicas como Catarina de Siena que nem sabiam ler e escrever, mas ainda assim foram escutadas pela Igreja, porque tinham uma experiência direta de Deus. Ela ditou seu livro para que outra pessoa escrevesse e ele é lido e reverenciado até hoje. Ou seja, não é somente um grupo restrito de especialistas que é capaz de nos dar todas as respostas. Os especialistas devem ser ouvidos, é claro, mas também devem saber escutar outras fontes.
    Por isso o diálogo entre religiões também é fundamental. Hoje é cada vez mais comum que na teologia contemporânea autores cristãos citem autores judeus ou protestantes, ou muçulmanos citarem cristãos, etc. Para isso tudo o diálogo e respeito é fundamental.
    Podemos valorizar o sistema e a revelação divina recebidos por uma única pessoa, mas iremos valorizá-los cada vez mais ao saber que tal pessoa já leu livros de diferentes autores, ou, no caso de alguém iletrado, conversa com várias pessoas diferentes. Pois é dito que a revelação divina está nos livros sagrados, mas também está no livro da natureza.
    Li poucos livros de espiritismo até hoje, mas respeito o Allan Kardec e achei muito interessante esse método utilizado na Codificação Espírita. O próprio Maomé levou anos para escrever a versão final do Corão e consultou muita gente. Os apóstolos de Jesus interagiam e debatiam não somente uns com os outros mas com o povo, o que resultou na riqueza de sabedoria do Evangelho.

  7. Olá, Wanju!

    Tudo bem? Sou quadrinista e gostaria muito que fazer uma HQ sobre Magia do Caos, e bem, como roteirista sou ótimo desenhista! Gostaria muitíssimo de fazer essa HQ com uma história sua! Estou finalizando uma releitura de Neurocomics, do Timothy Leary para a CCXP desse ano e minha próxima será, definitivamente, sobre MC! Aliás, texto excelente! Me lembra como Bell elevou a Ciência, apesar dos inquisidores que teve que enfrentar e que graças a ele, tudo está mudando, claro, junto a outras teorias! Sou seu fã!

    @Wanju – Oi Raphael! Muito obrigada! Adorei a ideia de fazer uma HQ sobre Magia do Caos. E também adoro o Tim Leary! :]

  8. esse texto é uma bela aula de filosofia da ciência, meus parabéns

    os axiomas me parecem parte dos “dogmas da ciência”, que pelo fanatismo de alguns de seus adeptos realmente parece a religião do novo milênio. De fato, a definição de axioma e de dogma são muito parecidos

    quanto a comparar teorias, alguns fatos me deram a impressão de que existe a possibilidade do Darwinismo e o Lamarckismo estarem simultaneamente corretos, com um maior peso o darwinismo. Coisas como pessoas pararem de nascer com os sisos pq não são mais usados. Haviam outras que não me recordo agora

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