Vivemos numa época em que vigora o paradigma materialista. Atualmente a ciência possui status e credibilidade semelhante ao que possuía a Igreja na Idade Média. A visão materialista em si não é incorreta ou negativa. É apenas mais um modelo dentre tantos outros, que não possui nada de especial, fora o fato de estar em voga nos dias de hoje. Nós somos um produto do tempo em que vivemos. O fato de grande parte das pessoas da atualidade acreditarem que a matéria é tudo que existe, ou que todos os fenômenos, incluindo os mentais, podem ser explicados em termos fisiológicos (a mente como subproduto do cérebro) não é acidental.
Enxergar o mundo a partir de uma perspectiva materialista é uma prática antiga, observada em diferentes sociedades. Na Índia, essa escola de pensamento se chamava Charvaka e coexistiu com o bramanismo e o budismo. Não foi tão popular por lá. Na Grécia Antiga, pensadores como Leucipo e Demócrito defendiam ideias materialistas, como a teoria atômica. Claramente, o idealismo de Platão e o neoplatonismo de Aristóteles (como estudante da Academia Platônica, alguns estudiosos já veem traços de neoplatonismo no Estagirita) fizeram muito mais sucesso.
Pode-se dizer que o idealismo foi a doutrina mais aceita no mundo ocidental ao longo da Idade Média, propagada pela Igreja Católica (evidentemente, os católicos não chamam a si mesmos de “idealistas”), se considerarmos que o Mundo das Ideias de Platão foi uma forma de idealismo. Ironicamente, as ideias de Descartes deram brecha tanto para que o idealismo florescesse em novas formas, cores e sabores quanto para que o materialismo renascesse das cinzas com força total, para exaltar a noção de progresso do Iluminismo. O dualismo cartesiano separou mente e matéria. O ato de pensar passou a ser condição de existência (racionalismo) e o corpo passou a ser visto como uma máquina.
Tanto o materialismo quanto o idealismo são formas de monismo: ou seja, a ideia de que todas as coisas derivam de uma única substância. No materialismo, a mente é tida como derivada do corpo físico, enquanto no idealismo é o oposto: o psicológico é o fator primordial (ou a razão, mais especificamente) e dele deriva a nossa realidade. Há também o monismo neutro, que não dividiria o ser em corpo e mente, mas em elementos neutros que não se encaixariam em nenhuma das duas categorias, posição defendida por Hume e Spinoza.
No momento em que é estabelecido um dualismo, é natural do ser humano desejar criar uma hierarquia entre seus elementos, estabelecendo um reino monista que reinaria soberano: a mente é superior ao corpo (idealismo)? Ou o corpo é superior à mente (materialismo)? No período em que vivemos quem está vencendo essa guerra ideológica é o materialismo. Por isso, é natural que os defensores de ideias idealistas se manifestem para mostrar um novo modo de encarar a realidade, que no fundo seria o resgate de ideias que já estiveram em voga no passado.
É normal que os ocultistas contemporâneos se deparem com esse dilema: eles foram educados numa época que defende que o materialismo é a verdade: ou seja, que só existe matéria, não existem coisas como espírito, alma, Deus ou vida após a morte. Ao estudarem grimórios antigos, eles se deparam com conceitos que foram formulados dentro do paradigma no qual viviam seus autores, como é o caso do modelo idealista. O resultado é que o magista iniciante pode ficar confuso e não saber como trabalhar com aquele sistema de magia. No pior dos casos, o magista pode considerar o grimório como apenas uma superstição boba e julgar seu autor como um charlatão por enganar as pessoas com esse tipo de “bobagem” ou simplesmente considerá-lo pouco instruído por acreditar “nessas coisas”.
Porém, em geral quem se interessa por ocultismo vai pelo menos experimentar um feitiço ou ritual “para ver se dá certo mesmo” antes de concluir que “realmente, era tudo uma grande invencionice, pois magia não existe”. O problema é que o magista contemporâneo, que se encontra no paradigma materialista, irá testar uma magia de um grimório medieval, que foi escrito no paradigma idealista. Resultado? Ele vai duvidar. Vai pensar coisas como: “É claro que não vai aparecer um demônio aqui, pois seres espirituais não existem, só a matéria é real. Acho que Descartes estava drogado quando falou sobre os gênios malignos. É claro que tudo isso é só uma metáfora. Ou é tudo psicológico! Já chega, vou largar essa espada e ir jogar videogame, pois os demônios do meu jogo são mais reais do que esses demônios imaginários… será que existem diferentes níveis de realidade? Deixa pra lá”.
E já que mencionamos Descartes, podemos também observar que além de toda a respeitável bagunça epistemológica que ele gerou, ainda sobrou um tempo para que ele fosse um dos fundadores do método científico. Já podemos até imaginar que tipo de metodologia foi criada em meio a todos esses dualismos, gênios malignos e especialmente da visão do corpo como mera máquina orgânica. Felizmente, Francis Bacon socorreu o bom Descartes dando uns toques de empirismo ao seu racionalismo.
O embate de racionalismo versus empirismo é antigo; é fundamentalmente o mesmo que se encontra no idealismo versus materialismo; Platão versus Aristóteles; Descartes versus Bacon. E por aí vai. Em suma, podemos explicar isso parcialmente pelo fato de Platão ter se baseado na geometria e Aristóteles na biologia, de modo que um se fundamentou mais na razão e outro mais na experiência como critério de verificação da verdade.
Bacon chama de “ídolos” os erros que se pode cometer ao longo do processo de pesquisa científica. Os ídolos da tribo são as limitações dos sentidos físicos e do intelecto. Os ídolos da caverna envolvem o aspecto subjetivo da pesquisa, em função de características individuais do estudioso. Os ídolos do foro seriam as falhas proveniente do uso da linguagem e comunicação. Os ídolos do teatro seriam teorias fruto de mera especulação, que não buscam um resultado experimental para se apoiar. Interessante que esse quarto ídolo se fundamenta no primeiro: a limitação da razão humana para bolar teorias que correspondam à verdade. No entanto, já que nossos sentidos físicos também são ídolos da tribo, por que colocar mais peso no empirismo do que no racionalismo?
Nesse ponto surge a questão do realismo científico versus experimentalismo. Enquanto o primeiro defende que a ciência descreve a realidade tal como ela é, no experimentalismo é dito que a ciência apresenta apenas modelos e não a realidade em si. Afinal, como diria Kant, a coisa em si seria incognoscível.
E já que falamos de Kant, iremos usar o exemplo de seu sistema epistemológico para demonstrar no que consistiria de fato o idealismo. Existem diferentes tipos de idealismo e Kant inaugurou um bem divertido chamado “idealismo transcendental”. Transcendente é o “sublime”; seria aquilo que é domínio da razão, conhecimentos a priori (que vem antes da experiência), para se opor a imanente, que é aquilo que é inerente ao sujeito, do domínio material ou da experiência.
Para Kant, existiam dois mundos (mais dualismo, hã?): o mundo numênico, que é o mundo real das “coisas em si” (basicamente o Mundo das Ideias de Platão) e o mundo fenomênico, que seria a realidade tal qual ela nos aparece (o mundo das cavernas de Platão). Os sentidos físicos não seriam capazes de captar o mundo real. O mais próximo que se poderia chegar disso seria através dos conhecimentos a priori: a razão pura. O racionalismo!
Interpretemos da seguinte forma: a “coisa em si” (a verdade por trás das aparências) de um indivíduo seria sua alma. E será que Deus seria a Grande Coisa Em Si? Bem, para entender o Deus kantiano devemos espiar o sistema ético que ele apoiou sobre sua metafísica.
Digamos que o materialismo encontra um pouco de base na doutrina ética utilitarista de John Stuart Mill: a ação deve conduzir ao máximo bem-estar para o número máximo de pessoas. Ou seja, o foco do materialismo é a felicidade e o bem-estar do indivíduo (e da sociedade); o conforto da mente e do corpo. É nesse paradigma ético que vivemos, que também se fundamentou em parte no materialismo histórico de Marx e Engels, para contrapor o idealismo absoluto de Hegel.
Contudo, o paradigma da felicidade como busca máxima não é o único que existe. A ontologia idealista de Kant aponta uma direção diferente. Para ele, a busca máxima é o cumprimento do dever e isso estaria acima da felicidade. E para explicar isso ele formulou o imperativo categórico: “age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através de tua vontade, uma lei universal”. Ou seja, para saber se uma ação é boa ou ruim, deve-se aplicar ao universal: se todos mentissem, seria bom ou ruim para a sociedade? Ruim, então mentir não é ético e não devemos mentir em nenhuma circunstância. Esse é o raciocínio.
Caso uma pessoa mentisse em dada ocasião tendo em vista uma felicidade temporária para si ou para outra pessoa, estaria colocando a felicidade acima do dever e isso vai contra a ética kantiana. Isso significa que para o idealismo transcendental importa mais a razão pura por trás do processo do que a razão prática que a ação irá gerar. A filosofia de Kant pode ser resumida numa frase de um imperador romano citada por ele em seu livro: “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”:
“Que a justiça seja feita, ainda que o mundo pereça”
Em muitas religiões existe diferença entre “ajudar o próximo” e “louvar a Deus”, sendo que em muitas delas a fé em Deus seria superior a ajudar diretamente uma pessoa. Como se traduz isso em termos kantianos? Servir a Deus seria o cumprimento do dever, do imperativo categórico, dos mandamentos. No livro “Crítica da Razão Pura” Kant diz:
“Por mais longe que a razão prática tenha o direito de nos conduzir, não consideraremos nossas ações obrigatórias por serem mandamentos de Deus, mas as consideraremos mandamentos de Deus porque temos para com elas uma obrigação interna”
Isso tornaria a existência de Deus necessária ao sistema moral e não somente contingente (acidental). Na obra “Crítica da Razão Prática” temos esse outro trecho interessante:
“Se indagarmos pelo fim último de Deus na criação do mundo, não se deve responder que seja esse fim a felicidade dos seres racionais neste mundo, mas o sumo bem que acrescenta àquele desejo dos seres racionais ainda uma condição, a saber, a de ser digno da felicidade, isto é, a moralidade de todos esses seres racionais, que contém a única medida segundo a qual eles podem aspirar à participação da felicidade por mão de um sábio autor do mundo.”
Pode-se dizer que através dessa explicação Kant daria uma resposta à velha pergunta: “Se Deus tudo sabe, tem todo o poder e é completamente bom, por que existe mal no mundo e por que ele permite esse mal?” A resposta kantiana seria porque como Deus tudo sabe a respeito do que seja o melhor, ele coloca o imperativo categórico (cumprimento do dever moral universal) acima da felicidade humana, que seria apenas uma felicidade relativa, enquanto o agir em conformidade com a razão pura prática e moral seria o fim último da existência.
Outro tipo de idealismo curioso (o meu favorito) é o idealismo imaterialista, de Berkeley, que defende que os seres e as coisas só existem quando são percebidas (ser é ser percebido). Isso significa que não há essência nas coisas ou “coisa em si”. As coisas só não desapareceriam instantaneamente quando não as olhamos porque Deus estaria sempre observando tudo.
Evidentemente, o método científico que usamos hoje (que consiste em modificações de pensadores posteriores nas ideias de Descartes e Bacon) é baseado no materialismo. Isso não significa que ele está errado; e nem que está certo. Um método não pode ser construído fora de um paradigma e, uma vez no interior de um, ele terá que lidar com as limitações inerentes de tal paradigma.
Aqui vão algumas citações sobre ciência, extraídas do livro “Filosofia da Ciência” de Rubem Alves (curioso que o autor foi um dos fundadores da Teologia da Libertação, que seria uma interpretação do cristianismo sob uma perspectiva mais utilitarista e materialista, por assim dizer):
“O místico crê num Deus desconhecido. O pensador e o cientista creem numa ordem desconhecida. É difícil dizer qual deles sobrepuja o outro em sua devoção não racional”
L.L. Whyte
“Não será verdade que cada ciência, no fim, se reduz a um tipo de mitologia?”
De uma carta de Freud a Einstein, 1932
“Contra o positivismo, que para perante os fenômenos e diz: ‘Há apenas fatos’, eu digo: ‘Ao contrário, fatos é o que não há; há apenas interpretações”
Nietzsche
“Não existe coisa alguma mais danosa ao avanço da ciência que a ilusão de que ela marcha para frente pelo acréscimo de fatos novos”
Rubem Alves
Sobre essa última colocação, poderíamos até dizer: não é verdade que os planetas giram em torno do Sol. O sistema heliocêntrico não está “mais correto” do que o geocêntrico, como se a ciência progredisse cada vez mais derrubando as ideias anteriores. São somente dois paradigmas diferentes que têm objetivos práticos. No futuro, se for criado um novo modelo que tenha resultados práticos melhores, o sistema heliocêntrico poderia vir a ser eliminado, hipoteticamente falando. Isso não significa que se descobriu alguma verdade nova, mas que a teoria simplesmente adequou-se para se encaixar a determinado pragmatismo.
E agora fiquemos com alguns trechos inspiradores do livro “A Lógica da Pesquisa Científica” de Karl Popper:
“Teorias são redes para capturar aquilo que chamamos de mundo”
“Instrumentalismo, que foi representado em Viena por Mach, Wittgenstein e Schlick é a visão de que uma teoria não é nada mais que uma ferramenta ou um instrumento para predição”
Na Magia do Caos se costuma dizer: “A crença é uma ferramenta”. Afinal, a metodologia do caoísmo tem inspiração no método científico.
Vamos a mais trechos da mesma obra:
“A ciência não é um sistema de certezas, ou afirmações bem estabelecidas; nem é um sistema que constantemente avança para um estado de finalidade. Nossa ciência não é conhecimento (episteme): ela nunca pode clamar ter atingido a verdade, e nem mesmo um substituto para isso, como probabilidade”.
“Como e por que nós aceitamos uma teoria em detrimento de outras? A preferência certamente não é devido a uma justificação experimental das afirmações que compõem a teoria; não é devido a uma redução lógica da teoria à experiência. Nós escolhemos a teoria que melhor se mantenha em competição com outras teorias; aquela que, por seleção natural, se mostra a mais adaptada a sobreviver. […] De um ponto de vista lógico, testar uma teoria depende de afirmações básicas cuja aceitação ou rejeição, por sua vez, depende das nossas decisões. Então são decisões que definem o destino de teorias. […] A escolha [de uma teoria] é em parte determinada por considerações de utilidade”.
O método científico é uma poderosa ferramenta; uma ferramenta viva, em constante transformação. Não estou dizendo todas essas coisas para que não se acredite nele e sim para que tenhamos consciência de suas limitações e tomemos o devido cuidado para não confundir um modelo com a verdade.
Sobre idealismo, materialismo, dualismo, monismo, etc, nenhum é melhor que outro, por natureza. Novamente, são apenas modelos. Um pode ser mais útil que outro para objetivos diferentes. É importante que todos eles coexistam e sejam debatidos, pois muitas vezes quando cristalizamos um pensamento por muito tempo (ou seja, trabalhamos dentro de somente um modelo) corremos o risco de considerá-lo a verdade e passar a julgar como errado o paradigma do outro.
Alguns defendem que para definir se uma posição é certa ou errada devemos baseá-la na ética. Contudo, devemos lembrar que até a construção do que seja ética e moral muda de tempos em tempos e a definição de moralidade é estabelecida no interior de um modelo ontológico, como foi demonstrado no caso da ética kantiana.
Uma das maiores vantagens da Magia do Caos é ter a mobilidade de poder trabalhar sob diferentes paradigmas e adquirir a habilidade de saltar de um para outro. Mais do que uma brincadeira, isso abre a mente. Você tem toda a liberdade de trabalhar usando somente um modelo e poderá ter muito sucesso seguindo esse método. Contudo, os caoístas apreciam novas experiências e emoções em lugares inusitados de todos os mundos possíveis. E o mais divertido de tudo: após estudar e experimentar diferentes modelos, você poderá criar os seus, seja usando um caminho epistemológico semelhante ao método científico, seja baseado no idealismo, no materialismo ou em qualquer outra coisa que você optar por criar.
Respostas de 13
Olá Wanju!!! Eu li muitas coisas parecidas no livro O Ponto de Mutação de Fritjof Capra. Ainda que nem o idealismo nem o materialismo sejam corretos, o equilíbrio deveria ser sempre um ponto a buscarmos. Grande abraço.
@Wanju – Oi Laboran! Legal você mencionar o livro do Capra. Eu nunca li, mas já ouvi falar bem dele. O mecanicismo e outras formas de reducionismo de Descartes nos deixa tentados a tentar encaixar tudo em modelos pré-prontos que desejam descobrir uma única explicação absoluta que vale para tudo (como o monismo). Porém, ao olharmos para a realidade de uma perspectiva mais holística, percebemos que “O todo é maior que a soma de suas partes” e que a realidade é muito mais múltipla e plural do que nossas reduções e modelos nos quais tentamos encaixá-la. Eu diria que nem materialismo e nem idealismo estão corretos (ou no mínimo não explicam tudo!) ou ambos estão certos, mas eles são verdadeiros somente dentro do paradigma em que foram criados. Há uma frase interessante de Kant, no “Crítica da Razão Pura” a respeito dessa ânsia de querer explicar tudo:
“Querer resolver todos os problemas e responder a todas as perguntas é uma fanfarronada impertinente e uma presunção tão extravagante, que bastaria para pôr a perder de imediato toda a confiança”
Porém, a busca pelo conhecimento não deve parar, é claro. Deve prosseguir com um pouco mais de humildade e, como você mesmo falou, o equilíbrio deveria ser sempre um ponto a buscarmos. Abraços!
Parece que a necessidade da existência de ´´leis universais“ para uma sociedade utilitarista baseia-se nesse princípio que supões a necessidade de uma hierarquização baseado no mérito, também própria do positivismo a concepção na qual o estado metafísico apresenta a religião como o rito de magia institucionalizado para ´´resgatar o ser humano do estado de selvageria` é um exemplo de como marx por exemplo tomou para escrever o capitulo sobre a alienação na discorre sobre o fetiche da mercadoria, e tendo erroneamente trocado o termo africano feitiço e fetiche“ soube muito bem perceber a analogia existente no ritual , Ètica e comportamento adequado com todas os costumes se fala hoje em dia quando se diz que ninguem é igual a ninguem mas somos todos iguais..,, daí també a critica ao iluminismo e tudo mais.. acho que entendí um pouco.
@Wanju – É por aí mesmo, Fabiano. Gostei da sua alusão ao “resgate do ser humano do estado de selvageria”, pois seria outra velha briga: Rousseau contra Hobbes. Essa necessidade de hierarquização lembraria a ideia do “homem como lobo do homem”. E a crítica ao Iluminismo uma crítica à ideia de progresso. Nessa época Newton, de certa forma, reforçou o materialismo com sua teoria corpuscular da luz, contraposta por Huygens. Mas na época ninguém questionava o que Newton dizia. Depois das teorias de Einstein e Heisenberg o materialismo passou a ser muito mais seriamente questionado, com a dualidade onda-partícula da luz.
Muito bem escrito e muito informativo.
Só de curiosidade: você cursou filosofia, Wanju?
@Wanju – Muito obrigada, Vinícius! Cursei apenas um ano de filosofia na UnB em 2008. Atribuo a maior parte do que aprendi aos livros de filosofia que li (devem ter sido uns 70 ou 80, não sei ao certo) e também ao fato de eu ter feito resenhas de metade desses livros. Ler e escrever depois ajuda muito a fixar o conteúdo. Mas acho que ando colocando muita coisa de filosofia nos meus textos sobre Magia do Caos. Está na hora de eu variar um pouco, hehe. Planejo algo diferente para o próximo post.
Ah, mas é uma singularidade sua. Em geral, pensam nos caoístas como porraloucas, mas você demonstra que sabe do que está falando.
Epistemologia é importante pra caramba. Cientistas que não conhecem a filosofia da ciência podem se prender em dogmas e eventualmente lutam com todas as forças contra qualquer renovação. O mesmo entre os ocultistas. Apesar da magia ser algo muito mais imaterial, há os inflexíveis.
@Wanju – Haha, sabe que eu penso o oposto? Quando leio livros de Magia do Caos eu geralmente acho os caoístas muito certinhos e comportados. Acho que podiam ousar mais. Porém, caso escrevam algo num estilo meio “Principia Discordia” acredito que alguns temem não ser levados a sério.
Sobre filosofia da ciência, acho que todo cientista que pretende enveredar pelos caminhos da ciência devia ter uma disciplina sobre o método científico, para estudar sua história, as etapas, significado, etc. Hoje em dia existem problemas na forma com que são feitas as pesquisas exatamente porque falta essa base a alguns. Depois as informações das descobertas chegam ao grande público de forma distorcida e todos acreditamos cegamente nas informações, apenas porque são “científicas”.
Excelente texto e ótimas reflexões.
Interessante que cada teoria além de ser um reflexo mais ou menos preciso do inconsciente coletivo, também nos revela muito da postura mental de cada um (dos seus autores) e de como as pessoas se definem diante o universo. Eu entendo que essas teorias não representam a forma como elas enxergam o universo, mas como elas imaginam que o universo as enxerga.
Parece que o que há de mais fantástico no ser humano é a capacidade dele de transformar sua história pessoal e subjetiva em um sentido universal e cósmico.Com relação a isso existem pessoas que sentem prazer em criar sistemas outras que preferem ser conduzidas pelo fluxo dinâmico das forças que alimentam esse sistema. Exemplificarei da seguinte forma:
Um jogo eletrônico para transmitir alguma experiência de gameplay teve de passar por inúmeras etapas em sua concepção, desde a arte conceitual, programação, roteiro, trilha sonora, marketing fora a parte administrativa e motivacional necessária para manter a equipe focada na produção. Para se estabelecer a “linha mestra” do projeto o game designer teve que estabelecer um escopo de projeto, eis o paradigma, uma vez fechado circuito, com mais ou menos flexibilidade para se trabalhar nele, o projeto avança seguindo aquelas diretrizes.
O usuário final, escolhe o jogo de acordo com a experiência pela qual queira se sujeitar e é aí que ele será conduzido pelo fluxo dinâmico do gameplay. Não que o jogador seja um sujeito passivo, mas é que por mais que o jogador tenha certa liberdade de conduzir o destino do seu personagem entre algumas instâncias do jogo, ele, o jogador, não participou da concepção original do projeto, ele não estava nas reuniões de brainstorm, ele não escolheu a paleta cores que compõe a capa do herói nem escolheu o nome do NPC que seria o vizinho dele na vila em que nasceu.
As vezes queremos ser levados e as vezes queremos conduzir. Queremos transmitir algo e queremos que algo nos seja transmitido. Quando eu era criança e tive minha primeira experiência no console NES, jogando Super Mario Bros 3, ficava encantando pela forma como a aventura me conduzia. Trilha sonora envolvente, desafios interessantes e simplicidade no gameplay. Quando eu cresci, fascinado por esse mundo de jogos, tive uma experiência diferente. Estudei e cursei por algum tempo o curso de jogos digitais e tive acesso a mecânica dos jogos, a diferentes engines e os aspectos gerais que estruturavam a produção de um jogo. Essa experiência de conhecer o “mecanismo por trás do relógio” fez-me compreender que não saber do processo era uma dádiva para mim. Eu fiquei clinicamente viciado (viciado em minhas percepções) em julgar os jogos como um designer e não como um jogador, o que atrapalhou o processo de experiência que eu buscava. É como um engenheiro de estradas que resolve viajar, ao invés de curtir a paisagem, fica obcecado em avaliar a qualidade do asfalto e os aspectos técnicos da construção desta.
A grande questão e muito antiga é, de fato, ajustar a mente e assumir “a postura adequada para o processo desejado”. As pessoas buscam uma verdade estática que se confunde com um simbolo de estabilidade eterno, isso é um erro, reflexo de um comportamento muito humano de refletir a sua indolência e atitude procrastinatória na sua cosmovisão. No entanto o que ocorre no universo é justamente o oposto: uma variabilidade infinita de eventos que se interligam por processos cognoscíveis ou não, que se apresentam a consciência na forma de hologramas, codependentes da fenomenologia que os originou e que podem ser rastreadas por sua relação simbólica com esses.
Abraço, fica na paz.
@Wanju – Muito obrigada, Raphael! Também gostei muito das tuas reflexões. É realmente interessante pensar, como você falou, que “essas teorias não representam a forma como elas enxergam o universo, mas como elas imaginam que o universo as enxerga.” Teu exemplo com jogos (ser o desenvolvedor ou o jogador) mostrou exatamente esse ponto, usando outra frase sua: “As vezes queremos ser levados e as vezes queremos conduzir”. Acredito que as duas experiências são válidas e nós, por natureza, desejamos experimentar um pouco das duas. Eu acho que precisamos estar nos dois lados se desejamos o diálogo uns com os outros, especialmente através da arte. Abraços!
Wanju, meu comentário desta vez não irá se ater apenas ao teu texto (excelente, devo dizer), mas me estenderei sobre outros pontos.Como mulheres, sabemos do constante esforço que temos que fazer para estabelecermos respeito em um mundo ainda predominantemente masculino (apesar da melhora, temos muito o que avançar).E no meio ocultista/hermetista não é diferente: percebo que existe uma tendência em algumas pessoas de acreditar que o lugar das mulheres na magia se reduz aos círculos Wicca (nada contra a Wicca, apenas estou exemplificando), e que Magia Cerimonial ou atos inovadores em meios considerados “rebeldes” como Magia do Caos são coisa de homem.Fico imensamente satisfeita ao ver uma mulher escrevendo textos de qualidade, com embasamento sólido, a respeito de uma temática interessante e até polêmica como a MC em um blog conceituado como o TdC.Parabéns pelo teu trabalho e parabéns ao Del Debbio por abrir espaço para autoras mulheres em seu site, em uma prova de que ele não faz distinção entre gêneros e julga as pessoas apenas pela qualidade de seu trabalho.Muito sucesso para ambos!
@Wanju – Agradeço muito, Krameria! Você levantou pontos importantíssimos. Realmente, quando o assunto é ocultismo há um maior número de mulheres na Wicca e acredito que isso é natural, já que lá existe um grande espaço para louvar a Deusa e o feminino. Eu mesma comecei na Wicca. Já no RHP, como a base são grimórios mais antigos, em muitos deles havendo certo conservadorismo (e até advertências claras para que mulheres não pratiquem as magias lá contidas, ou só pratiquem com certas restrições), isso muitas vezes afasta um pouco o público feminino. No caso do LHP já vemos mais praticantes mulheres (satanismo, por exemplo), já que enfatiza na libertação, inclusive sexual, de homens e mulheres. No caso da Magia do Caos, desde o começo mostrou-se muito atraente para homens e mulheres, incluindo também a comunidade LGBT. O próprio Peter Carroll constantemente fala sobre o poder feminino, especialmente em seu último livro, Epoch. Ramsey Dukes é outro famoso autor de MC declaradamente feminista e isso fica muito claro em seus livros, particularmente em “BLAST Your Way to Megabuck$” (que é meu livro favorito do Dukes). E temos duas ótimas autoras mulheres: Jaq D Hawkins e Nikki Wyrd. No primeiro e-mail que o Marcelo me enviou, ele mencionou que o pessoal sentia falta de uma coluna de Magia do Caos e ficava perguntando se não havia mulheres no ocultismo (temos outras colunistas mulheres aqui, embora em menor número). Acredito que quanto mais as pessoas conheçam as propostas da MC, mais irão entender sua importância. Obrigada pelo apoio!
Gosto muito da Jaq D Hawkins, a Nikki Wyrd ainda não conheço (procurarei).De fato, o RHP, por muitas vezes se embasar em conceitos de um período MUITO restritivo para mulheres, acaba sendo mais caretinha.Isso vale não apenas para ocultismo, mas para artes em geral, como a literatura de determinadas épocas (eu mesma quando adolescente cheguei a arrancar páginas de livros onde haviam afirmações das quais eu discordava, só para deixá-los ao meu gosto hahahaha).Mas cabe a nós não nos escondermos e fazermos nossa parte pela visibilidade feminina no ocultismo aqui no Brasil também, o que tu tens feito muito bem.Aliás, o que eu mais curto na MC é justamente essa postura libertária e não excludente, que permite que o praticante adapte conceitos para seu próprio universo e estilo de vida, seja hétero, gay, trans, budista, umbandista, hare krishna, whatever.Dá-lhe Caos!
@Wanju – Da Nikki por enquanto só conheço o livro dela “The Book of Baphomet” que ela escreveu com o Julian Vayne (esse é outro autor espetacular! É mais uma voz no LGBT). No início também fui resistente a esse tipo de literatura, até que eu percebi que se eu não fosse ler todos os livros com autores machistas, eu deixaria de ler a maior parte dos livros já escritos, haha! Só alguns autores contemporâneos têm mudado isso, mas os livros de antigamente são bem complicados. É preciso ler cada livro considerando o contexto em que foram escritos. Eu mesma devo apoiar coisas atualmente que no futuro serão consideradas condenáveis. Sobre arrancar páginas de livros, aí está uma solução divertida! Algumas vezes consideramos livros como quase sagrados e arrancar páginas seria uma heresia. Escrever em livros e arrancar páginas é uma atitude corajosa e inspiradora. E dá-lhe Caos!
Oi Wanju,
Bacana vc ter esse background filosófico também, além de toda a sua cultura em relação ao Caoísmo (eu quando era noobi em Caoísmo – mentira, ainda sou hahahah), segui muito tuas indicações de leitura. Estudei filosofia por dois anos na facú e me impressionou o pensamenteo do Kant. O Kant foi maravilhoso para o século 18… ele meio que resolveu “à fórceps” o entrevero entre racionalistas e empiristas, de um lado disse que os racionalistas estavam corretos, pois sim: temos o atributo da razão (nossa calculadora); de outro também disse que sim: somos limitados pelos sentidos e que “noumenon” talvez nos seja inacessível, sem deixar de frisar que era inacessível em sua época, e que talvez algum dia fosse. Imagine o que Kant diria hoje com o LHC, e com as pesquisas do GRANDE e desconhecido Jacobo Grimberg? Um grande abraço e parabéns pela moral que vc tá dando pro Caoísmo:)
@Wanju – Oi Ricardo! Brigada! Pois é, o Kant foi um grande divisor de águas nessas questões. Quando eu tava cursando filosofia eu não curtia muito o Kant e lembro até de uma vez em que tive uma discussão com um colega meu por causa dele, hehe. Depois de ler os livros, fiz as pazes. Até hoje não compreendo tanto assim o idealismo transcendental, pois é muito vasto. Do pouco que entendo, respeito. Mas, como eu disse, meu idealismo favorito ainda é o idealismo subjetivo do Berkeley; outro que não entendo totalmente, mas que eu me divirto em espiar. Tenho a tendência a gostar dessas metafísicas ligeiramente insanas e ousadas (como o realismo modal do David Lewis; esta que definitivamente me falta muito para compreender!). Grande abraço!
Você tem sorte…. eu briguei com um grande amigo não pelo Kant, mas pelo MARX (não sou marxista, meu amigo era… hahahahha). Dos empiristas o maior foi Hume. Estou no Caoísmo por conta desse cara. Abração
@Wanju – Hume é maravilhoso. Foi ele também que transformou a visão do Kant. Para mim, outra grande inspiração é o Deleuze.
a divisao materia / espirito
a materia cria a mente
ou a mente cria a materia?
nenhum nem outro somos poeira das estrelas
video muito interessante sobre questões profundas e ao mesmo tempo caóticas, e tem tuado a ver com o post!! grat!!!
https://www.youtube.com/watch?v=z1sP1xT0yo0
Que texto maravilhoso!
Posso ser considerado uma pessoa no mais incial estágio de aprendizado, mas posso dizer que esse é um dos melhores textos que eu já li nesse blog.
Também fiquei muito feliz em saber que é uma mulher quem escreveu!
Colaborou muito para responder algumas perguntas e encaixar algumas peças em certos quebra cabeças que se formavam na minha mente quando eu pensava nas correlações de diferentes visões de mundo e essa imposição de “hierarquias” era com certeza uma das coisas que eu não havia ainda identificado.
Com certeza vou me aprofundar em MC!
@Wanju – Muito obrigada, Rubens. Fico contente que meu post tenha te agradado!
Como você fez pra ler tantos livros? Lia sempre que tinha tempo livre?
Abraços
@Wanju – Sim, já devo ter lido mais de 500 livros de vários tipos até hoje (fiz resenha de mais de 200 deles nos meus blogs). Estou sempre com um livro, leio no ônibus ou em qualquer intervalo que tenho. É vício, haha. Porém, não tenho nenhum problema em ter vários outros vícios, como filmes, séries e video-games, depende da época. Abraços!
Po, uma aula de bases epistemológicas, é muito legal ler uma aproximação filosófica de conceitos herméticos com tamanha fluidez, talvez seja algo herdado da prática da magia do caos. O que diria de sistemas de pensamento mais modernos, como a fenomenologia onde é abolida a distinção entre sujeito e objeto. Eu não domino muito o assunto, mas fiquei com vontade de saber o que você teria a dizer sobre os pensadores do século XX.
A propósito: Ainda não achei aquele livro sobre a banda que queimou um milhão de dólares ahaha
@Wanju – Brigada, Rafael! Legal você ter mencionado a fenomenologia. Confesso que eu ainda não sei o suficiente sobre fenomenologia para ter uma opinião formada, mas já adianto que admiro o Husserl pelo pouco que conheço. Na verdade, eu admiro todas as escolas de pensamento e a minha posição é a de que todas têm algo a nos ensinar e podem funcionar bem dentro do paradigma em que foram criadas. Temos a tendência de rejeitar alguma teoria quando ela não bate com nossa visão de mundo, então curto fazer o exercício de tentar enxergar os lados bons até, por exemplo, de não interpretar a realidade através de modelos.
O livro KLF do Higgs tem pelo Kindle Unlimited 🙂