Bill Drummond e Jimmy Cauty tinham planos para a manhã do dia 23 de agosto de 1994. Eles voaram até a ilha escocesa de Jura, abriram a mala, acenderam o isqueiro e queimaram um milhão de libras. Nessa época eles eram a “Fundação K”, mas antes disso foram a banda KLF, anteriormente conhecida, dentre outros nomes, por “The Justified Ancients of Mu Mu”. Esse era o nome de uma sociedade secreta da série de Robert Anton Wilson e Robert Shea: “The Illuminatus! Trilogy”. Os membros do KLF eram fãs da trilogia de RAW. O autor do presente livro, JMR Higgs, não satisfeito com as entrevistas dadas pela banda, resolveu investigar o mistério por si mesmo: “Por que diabos eles tinham queimado um milhão de libras? Será que eles eram apenas um par de babacas em busca de atenção ou havia algo mais nessa história?”. Ele resolveu entrevistar o próprio Robert Anton Wilson e perguntar a opinião dele a respeito do caso. RAW respondeu, muito naturalmente, que nunca ouvido falar deles e que não conseguia acompanhar todos os artistas que usavam referências de seus livros.
Em “Illuminatus! Trilogy” são feitas incontáveis referências ao Principia Discordia, incluindo até mesmo uma descrição minuciosa do rito iniciático dos Discordianos. Os autores do Principia, Kerry Thornley e Greg Hill, foram colegas no ensino médio e já começaram a ter ideias para o livro nessa época. Eis um trecho do livro a esse respeito:
“Foi numa pista de boliche em 1957 que Thornley mostrou para Hill alguma poesia que ele estava escrevendo. Ela incluía uma referência de ordem eventualmente surgindo a partir do caos. Hill riu disso. Ele disse para Thornley que a ideia de “ordem” era uma ilusão. Ordem é apenas algo que a mente humana projeta na realidade. O que realmente existe por trás dessa falsa aparência é um caos infinito, revolto. Para Hill, um ateísta, o fracasso em entender isso era a maior tolice das religiões organizadas do mundo, todas as quais clamam que há um princípio organizado atuando no universo “
“Hill também contou para Thornley que os gregos antigos eram uma exceção a essa regra, pois eles tinham uma Deusa do Caos. O nome dela era Éris, que significa “desentendimento” e que é traduzido para ‘Discórdia’ em latim. Claramente, se alguém quisesse adorar uma deidade que fosse genuinamente ativa nesse mundo, então Éris seria a opção digna de confiança. Tudo o que era preciso era que alguém criasse uma religião em torno Dela a qual, naturalmente, eles decidiram criar. Eles a chamaram Discordianismo”.
Sobre as contradições inerentes ao Discordianismo (que também são naturais em quaisquer sistemas de crenças), seus autores encaravam com bom humor. Uma das inovações apresentadas foi o conceito de “catmas” que só eram diferentes dos “dogmas” por serem verdades inquestionáveis e absolutas que mudam de tempos em tempos. Essa noção é muito parecida com a que Peter Carroll aponta em Epoch: esse livro apresenta um novo paradigma, mas é válido somente enquanto não surge um melhor para substituí-lo. Essa frase me lembra o seguinte trecho do livro “The Book of Baphomet”, de Nikki Wyrd e Julian Vayne:
“Minha primeira lição de química na universidade, um ano preparatório, em nossa introdução à ciência foi explicado como a ciência nos fornece apenas um modelo da realidade. ‘Átomos’ não são reais de uma forma objetiva; não existem pequenas esferas circulando ao redor no centro de tudo. É apenas uma história. A ciência nos fornece ideias, hipóteses, com as quais nós tomamos posse da matéria e a manipulamos. Se a ideia funciona nós a mantemos, enquanto almejamos por uma melhor. Um princípio básico do pensamento criativo afirma que você deve continuar procurando por outra solução melhor, mesmo depois de achar uma”
Interessante lembrar que a banda KLF resolveu fazer uma exibição do vídeo que gravaram queimando um milhão de libras na casa de um famoso magista: Alan Moore. A abordagem de Moore para a magia envolveria a imaginação, conforme demonstra o seguinte trecho do livro:
“Quando coisas biológicas no mundo físico evoluem para um certo nível de complexidade, eles se tornam vivos, conscientes, indivíduos autodeterminados. Será que o mesmo poderia ser verdade para ideias do mundo não físico? Será que ideias suficientemente complexas evoluem numa forma de vida e passeiam no Espaço das Ideias como bem entendem? Se esse fosse o caso, explicaria todas as histórias de fantasmas, alienígenas, fadas, anjos, elfos, espíritos de coelhos gigantes invisíveis, a Deusa Éris e todas as outras criaturas irreais que aparecem ao longo das culturas e histórias”
E como seria possível expressar essas ideias? Por meio de símbolos. No entanto, os símbolos seriam somente o mapa e não a coisa em si. Como é costume dizer, muitos confundem o mapa com o território. A cabala, por exemplo, mostra um diagrama simplificado da realidade. Ela não é a realidade em si, mas somente as coisas como aparentam ser. Nós não sabemos como as coisas são, pois a mente humana somente é capaz de captar uma sombra do mundo e expressá-la por meio de modelos. Por exemplo: existe o modelo psicológico da magia, que explica que entidades (demônios, elementais, etc) existem apenas na mente, ou são uma projeção mental. Existe o modelo dos espíritos, que interpreta que as entidades possuem existência separada da nossa mente. Há muitos outros modelos. Nenhum está mais certo ou errado que outro. Cada interpretação está certa dentro de seu respectivo paradigma. O magista deve escolher a interpretação com a qual se identifica mais ou se sente mais à vontade. Ou pode fazer como os caoístas, que utilizam variados modelos para uma maior flexibilidade mágica (e diversão!) e para sempre recordar que todas essas explicações não são a verdade, mas apenas modelos.
Há o seguinte trecho a esse respeito no livro “Postmodern Magic” de Patrick Dunn:
“Para ser um mago bem sucedido você deve entender que os símbolos constroem os fundamentos da realidade”
E outro trecho do livro “Magic, Power, Language, Symbol” do mesmo autor:
“Uma vez que eu já argumentei que o mundo real é, em última instância, simbólico, é um pequeno passo argumentar que alterar os nossos códigos sobre a realidade altera a realidade”
Respostas de 17
Muito bom, abriu portas pra mim! Thanks!
@Wanju – O prazer é meu!
“Quando nós percebemos um padrão, nós o criamos – nós colocamos o mundo em ordem e fazemos um universo que vem do caos”
chapa, essa não é a “falácia do atirador do Texas”?
@Wanju – Possivelmente. Essa é uma colocação interessante. De acordo com o Patrick Dunn, os estudiosos da gematria acabam procurando tantas correspondências entre números e letras na Torah que acabam ignorando todas as associações que não fazem sentido e considerando apenas aquelas que fazem, dando a impressão de que realmente tudo se encaixa. Ele afirma o seguinte:
“É sábio não levar esses jogos cabalísticos muito a sério. Eles são divertidos e ocasionalmente esclarecedores, e eles podem nos prover com nomes de espíritos para trabalhar e experimentar, mas no fim eles são jogos com letras […] Uma pessoa pode muito bem procurar a verdade última em palavras cruzadas”.
E isso não significa que cabala e gematria não funcionam. Aliás, funcionam muito bem, contanto que não tomemos esses métodos pela verdade, mas os consideremos apenas modelos. Dunn também diz:
“Gematria e a cabala literal é um jogo; no entanto, é um jogo sagrado e há momentos em que se fica de cabelo em pé e se perde o compasso da respiração”
Ele mesmo é um estudioso de cabala e gematria, mas ele não usa esses instrumentos como busca da verdade, mas para alterar a consciência através dos simbolismos, para assim realizar trabalhos de magia.
Uau! Adorei ter citado Robert Anton Wilson (RAW)! Estou lendo o “The Illuminatus! Trilogy”” e o “An Insider’s Guide to Robert Anton Wilson” – sendo esse último escrito por Eric Wagner.
@Wanju – Que legal! Por enquanto só li o primeiro volume de “The Illuminatus! Trilogy” e o “Prometheus Rising”. Estou curiosa para ler “Cosmic Trigger”. Outro livro dele que já vi recomendarem é o “Quantum Psychology”.
Legal, outros modos de ver as coisas
@Wanju – Haha, pois é, eis um bom exercício para deixar a mente apurada: interpretar a realidade sob novos pontos de vista, em vez de consolidar e cristalizar a verdade.
A ideia de realidade e causa-efeito é tão susceptível a interpretação.
Exatamente como o observado afeta o objeto, esse também afeta o observador.
David Hume apresentou esses postulados na sua teoria da fenomenologia, podemos expandir isso até a hipótese de que não há causa-efeito, apenas correlação, e mesmo a correlação é ilusória, pois em última análise não podemos deterninar a real natureza dos elementos observados.
Isso se explica até cientificamente por meio do conceito do número de Deborah de reologia onde a relação entre o acontecimento do fluxo de um fluído, está ligada a razão entre o tempo de acontecimento do evento e a escala de tempo de observação, ou seja todo evento vai acontecer em algum momento, basta ao observador dar tempo suficiente ao evento.
@Wanju – Realmente, nós só temos a ilusão de que conhecemos a real causa de um efeito. Na prática, um efeito poderia ser causado por tantas coisas que determinar uma única causa seria uma simplificação. Mas, como você disse, até mesmo o termo “causa-efeito” poderia ser incorreto, já que é a mente humana quem criaria a correlação entre as coisas.
A sua colocação de que observador e objeto afetam um ao outro me parece muito com os conceitos de Berkeley. A propósito, no ano passado eu li o livro “Diálogos sobre a religião natural” de Hume. Eu adoro as ideias dele a respeito da causação: de que as causas podem ser, em última instância, vistas por força de hábito. O fato de que o Sol nasceu hoje não significa que necessariamente nascerá amanhã.
Em suma, todas essas são ideias relevantes a serem consideradas pelo magista que tenta manipular os eventos externos. A mente deve intervir para construir as associações em vez de simplesmente investigá-las no mundo material.
Muito obrigado, esse texto me abriu lucidez a respeito de muitas coisas.
Esse trecho, também impactou bastante:
Sim, você deve conhecer regras, mas para conhecê-las você deve primeiro violá-las”
“Sim, você deve dominar conhecimento, mas para dominá-lo você deve primeiro violá-lo”
“Sim, você deve dominar violações, mas para dominá-las você deve primeiro conhecê-las”.
“Sim, você deve conhecer violações, mas para conhecê-las você deve primeiro dominá-las”
“Sim, você deve violar conhecimento, mas para violá-lo você deve primeiro dominá-lo”.
Artigo muito útil para aqueles que buscam uma lucidez e o verdadeiro caminho do meio.
Só não entendi muito bem sobre a conspiração da playboy, nunca ouvi falar, vou pesquisar a respeito.
vlw
@Wanju – Fico feliz que gostou! O RAW trabalhou como editor das cartas da Playboy e começou a acrescentar cartas na revista com teorias da conspiração no meio. Começou como uma brincadeira e os discordianos que acompanhavam entraram no jogo, até que começaram a surgir cartas aparentemente genuínas de leitores que começaram a levar tudo a sério. Uma das cartas reais postadas é colocada no “Illuinatus! Trilogy”. Essa aqui:
“Here’s a letter that appeared in Playboy a few years ago (“The Playboy Advisor,” Playboy, April, 1969, page 62-64):
I recently heard an old man of right-wing views – a friend of my grandparents – assert that the current wave of assassinations in America is the work of a secret society called the Illuminati. He said that the Illuminati have existed throughout history, own the international banking cartels, have all been 32nd-degree Masons and were known to Ian Fleming, who portrayed them as Spectre in his James Bond books – for which the Illuminati did away with Mr. Fleming. At first all this seemed like a paranoid delusion to me. Then I read in The New Yorker that Alan Chapman, one of Jim Garrison’s investigators i the New Orleans probe of the John Kennedy assassination, believes that the Illuminati really exist…..”
Muito legal o texto, fiquei intrigado com várias passagens, não sabia que a magia do caos e a física tinham alguma afinidade. E me impressionou muito você mencionar “The Third Mind” , ele é um livro de magia propriamente? Não sabia que o William Burroughs tinha interesse nesse tópico. E, depois de tudo, a sua lista de recomendados certamente não passará despercebida, vários títulos me chamaram a atenção. O mais legal foi descobrir que a magia do caos não é um sistema fechado em si, mas tem uma perspectiva bem sóbria sobre os outros sistemas mágicos e pode utilizá-los sem necessariamente submeter-se totalmente a eles. Valeu!
@Wanju – Eu que agradeço! O livro “The Third Mind” não é um livro propriamente de ocultismo, mas o autor apresenta várias teorias interessantes que foram apropriadas pelos caoístas, como a teoria de que quando duas mentes se unem, surge uma terceira mente. Fiz uma resenha dele aqui:
http://ocultismomagnifico.blogspot.com.br/2014/11/the-third-mind-por-william-s-burroughs.html”
E Sócrates tinha razão.
Adorei o texto. Nem sei por onde começar, estou me esforçando para organizar o caos em minha mente. Peço desculpas antecipadas pelo tamanho do texto, mas pode ler que vale a pena.
Bem, primeiramente queria refletir sobre o fato de que uma parte das religiões podem aceitar esse fato do caos imperante que funciona como substrato, como uma palheta para a mente. Acho que os budistas topam isso, os xamãs aceitam que tudo é um sonho, os hindus dizem que isso tudo é um sonho de brahman que saiu do umbigo do parabrahman, e os judeus tem o conceito de Hochmah, e creio que muitas outras também tem seus modos de entender isso. É como se realmente já estivesse tudo em algum lugar, como na realidade imanente e perene de Kether, Eu Sou, imóvel (por conter tudo, todas as experiências), e nós pudéssemos baixar a informação do branco total, de Ain Sof, do indefinido, do potencial infinito. Porém essa visão está em um nível, digamos, muito alto, e a massiva maioria deve acreditar que se divertir e escolher o que vai sair do caos estaria apenas ao alcance da consciência do próprio Criador, ou de alguma outra superelevada. A realidade ordinária e o que está definido a nossa volta estaria, na visão predominante, cristalizado, havendo, de fato, uma ordem criada. Estaríamos, portanto, subordinados à ela.
Assistir aqueles documentários sobre universos paralelos, teoria M (das cordas) e todos os outros relacionados ao assunto multiverso ajuda bastante a expandir a mente e aceitar o caos, que eu – corrija-me se estiver errado – entendo como aleatoriedade. Embora ainda sem base científica, como você certamente já sabe, podem haver infinitos tipos de universos, e eu não vejo nada mais aleatório e caótico do que o infinito (esse texto recente aqui do TdC fala sobre isso e é simplismente sensacional: http://www.deldebbio.com.br/2015/03/03/as-onze-dimensoes/ ).
Eu fico vendo as pessoas acreditando em um certo tipo de destino, espiritualistas e aspirantes a ocultistas tentando traças rotas, roteiros e padrões para o carma, para o caminho de um desencarnado, e sempre achei de uma simplicidade imensa (é muito complexo!). É realmente uma limitação da visão sobre as probabilidades. Mas o que é difícil pra mim mesmo é quando eu vejo algumas pessoas já bem adiantadas no ocultismo discorrerem sobre uma tal de lei, sobre um regente do sistema solar, esse tipo de coisa, e eu fico pensando quem são esses caras (os tais espíritos regentes) para saberem o que é bom ou não é para qualquer criatura, dado a relatividade da dicotomia bem x mal, em termo de tempo, espaço, subjetividade – e convenhamos, fico pensando pelo que eles zelam quando vejo quanta merda se produziu no mundo. “Ah, mas você não está no nível de consciência deles e blá blá blá”. Beleza, sabe-se lá o que eles sabem e que merdas seletivas eles podem ou não deixar ocorrer, mas ainda assim fico pensando. Fico meio que tipo: “precisa mesmo desses caras?”. Enfim, obviamente talvez precise pra nos livrar de coisa pior, no entanto eu tenho dificuldade em aceitar e entender hierarquias espirituais justamente por entender as limitações de qualquer “ordem”, pois a visão do grupo de espíritos dirigentes não passaria de UMA visão da realidade, UMA ética, UM conjunto de idéias, e particularmente acredito que a natureza seja uma criadora melhor sozinha. No entanto talvez em um nível superior, a natureza (vulcões, mares, ventos, etc) seja realmente controlada por seres conscientes, como sugere Dion Fortuna em A Cabala Mística, visão esta que eu ainda reluto a aceitar, mas pode ser, ainda mais se tudo puder ser qualquer coisa, como estamos abordando aqui, no entanto outros já chegaram primeiro e alguma coisa já é. Enfim, penso que o caos pode ser um elemento criativo de alto valor no universo, que é ele quem garante o espetáculo todo, bota a coisa pra girar, quem cria a concha mais bonita, a sociedade mais bizarra e bela ao mesmo tempo. A infinidade da diversidade das coisas precisa do caos, para o bem ou para o mal!
Todo esse lance de caos e incerteza enfrente outra possibilidade igualmente plausível de uma ordem tão estranha e complexa para nossas pobres mentes primatas que na verdade tudo apenas pareceria um grande caos. Escrevi um texto sobre isso na coluna do conversa entre adeptus: http://conversaentreadeptus.com/site/do-acaso-humildade-e-arte-natural/
Sobre a resposta a um comentário acima a respeito da criação das coisas pela força do hábito, você já ouviu falar em Campos Mórficos? É uma teoria de um biólogo que postula exatamente isso, de que tudo o que vem a ser criado de novo na natureza, assim que feito pela primeira vez, gera uma tendência em um campo de informação a ser feito da mesma maneira, e a forma/método se cristaliza mais a cada vez que é executada, e que quando esse algo novo “chega na parada”, cai na “web cósmica” (o campo de informação) fica fácil de ser baixado por outros. Há experimentos que demonstram que alguns problemas (do mesmo grau de dificuldade) são resolvidos mais facilmente pelas pessoas quando outras já os resolveram, fora tendências e idéias que pipocaram pelo mundo na mesma época. É bastante interessante.
“Aleatoriedade não tem significado, mas quando nós descobrimos significado em meio ao aleatório, nós criamos ordem e destruímos a entropia” Me parece a maior definição de um Universo verdadeiramente livre. Estaríamos então em um espaço que já foi definido, talvez pelo hábito, por outros, mas isso não necessariamente nos tira o poder de criar novos caminhos por entre este. Somente será mais duro passar por algumas estruturas mais rígidas. Nessa visão libertária e criativa da realidade a mente tem maior liberdade para viver a vida que quiser (claro, partido do ponto que mencionamos das estruturas previamente criadas por outras mentes), só não podemos esquecer que sua vontade não está sozinha: tudo é um duelo de vontades. E Talvez a potência de uma vontade seja medida pelo tal do acreditar, que, como a raiz da palavra indica, credita energia naquela criação tirada do caos. Acreditar pode ser a moeda com que você compra as experiências. Talvez o poder do acreditar seja a única verdade absoluta do Universo, obviamente somente verdadeira e funcional na mente de quem acredita; portanto nada existe até que você acredite. Tudo lindo, mas basta eu pensar no fato social, onde milhões de pessoas pobres acreditam numa vida melhor mas são constantemente sabotadas, que caio em terreno cético novamente, no mundo real. Será que a vontade deles (e seu acreditar) é reduzida? Estão pagando seu carma? Mas e quanto ao carma? Ele também seria uma criação mental de alguém, aceita pela maioria? Não há um desenho na criação previamente feito pelo Criador para que alcancemos níveis superiores através de escolhas morais? Estariam também as ideias de evolução espiritual e carma sujeitas a relatividade da aleatoriedade/caos, no sentido de estabelecer qual a direção seguir e o que é mais evoluído? Posso então escapar do carma como o conhecemos se conseguir entrar em outra realidade onde ele não volta para mim? Mas aí não evoluiria, porque o carma é nosso professor, ou a coisa mudaria tanto que haveria outra forma de evoluir?
Resumindo e tentando formular uma ideia conclusiva, acho que uma realidade TENDE a puxar outra de um terreno caótico onde tudo é possível, e nem todo elemento trazido do potencial infinito pode entrar em toda realidade, pois em determinados cenários haveria incompatibilidade, sendo necessário uma mudança estrutural gigantesca no ambiente prévio, portanto absolutamente inviável (ou não).
Sei lá.
Só complementando: A um tempo atrás eu cheguei a conclusão de que a realidade poderia mesmo ser um papel em branco, e nossa capacidade de criar seria responsável realmente por toda a “função” do universo. Depois li um texto em um site sobre cabala que dizia algo assim (radical demais até pra mim, pois dizia que para quem acredita em apenas uma vida, haveria apenas uma vida). Cheguei a conclusão pensando que todo o sistema cabalístico, a árvore da vida, as idéias, enfim, todo esse sistema tão belo cheio de promessas maravilhosas pode realmente ter sido inventando, criado por um bando de homens em busca de sentido para a vida. E por que não supor que essa criação é que faria a coisa acontecer pra quem criou?
Penso coisas iguais vc sitou, muito bacana a sua analise
Acredito que temos a possibilidade de criarmos o nosso proprio mundo.
Vejo isso que vc sitou da cabala muito semelhante com um artigo aqui das colonias astrais.
@Muito obrigada, Marcos!
Viajei muito? Dá uma luz pls
@Wanju-Oi Franco-Atirador! Desculpa a demora na resposta. Muito obrigada por sua mensagem! O que você escreveu é de uma riqueza de detalhes tão grande que não sei se estarei à altura para responder tudo. Porém, tentarei comentar sobre alguns pontos.
Muito legal sua reflexão sobre a visão das religiões a respeito do conceito de caos. Eu já tinha feito a relação com o budismo e, bem lembrado, no xamanismo isso também existe. E em tantas outras! Adorei suas associações.
Sobre o conceito de dimensões e nossa percepção da realidade, há uma reflexão excelente sobre isso naquele famoso livro de Edwin Abbott Abbott chamado “Flatland”. Há um filme do livro também (uma animação).
Acabei de ler seu texto e achei ótimo! Esse trecho “Quando não sabemos, antes a resposta era Deus, hoje é o acaso, mas nenhuma responde de fato” me lembrou uma coisa que o Peter Carroll disse em Liber Null: que ele simplesmente optou por usar o termo “Caos” e não “Deus” ou “Tao” para evitar a vinculação religiosa. No fundo, são apenas termos, que adquirem diferentes conotações conforme o contexto cultural.
Sobre sua observação de “uma ordem tão estranha e complexa para nossas pobres mentes primatas que na verdade tudo apenas pareceria um grande caos”, os caoístas preferem realizar a reflexão reversa: de que tudo poderia ser um grande caos que apenas parece ter uma ordem. No entanto, muitos caoístas usam esse pensamento não porque eles realmente achem que “a verdade é um Caos disfarçado de ordem”, mas porque achar isso ou achar que “a verdade é Ordem disfarçada de caos” são apenas paradigmas (ambos verdadeiros somente dentro de pontos de vista específicos, mas talvez nenhum deles verdadeiro de forma absoluta). E na magia do caos se trabalha com mudar constantemente o paradigma adotado como treinamento para expandir os pontos de vista, visando o pragmatismo e não uma investigação da verdade; somente das interpretações.
Já ouvi falar de Campos Mórficos, mas nunca pesquisei a fundo. Muito bacana você mencionar isso.
“Acreditar pode ser a moeda com que você compra as experiências” gostei dessa frase, haha!
Sobre essa teoria de que para quem acredita que há apenas uma vida há apenas uma vida, eu já li em outros lugares e sempre simpatizei com ela. Nós também criamos nossos sonhos através de nossas crenças e ansiedades. Criamos muitos aspectos da nossa realidade com base naquilo que acreditamos sermos capazes de fazer, no que temos medo de fazer, no que gostamos ou não gostamos, etc. Então não acho absurdo pensar que poderíamos ter poder de manipular (e assim criar) o pós-morte, ou pelo menos parte dele.
A ideia da magia do caos não é se tornar um Deus capaz de manipular e criar tudo. Pode ser que sejam apenas barreiras mentais que nos impeçam de ser um Deus, mas pode ser que não. Sobre isso, a princípio não podemos saber. A intenção é ter poder de manipular e criar o suficiente. Também é possível extrair magia dos ensinamentos da magia tradicional, contanto que se aceite aquele paradigma como válido. Dessa perspectiva, é possível extrair magia de qualquer coisa, contanto que se aceite o paradigma adotado ou criado.
Acredito que se uma pessoa abraçasse literalmente o “Nada é Verdadeiro; Tudo é Permitido” seria impraticável que essa pessoa vivesse uma vida normal e fosse capaz de interagir com outras pessoas, que possuem paradigmas mais cristalizados. Talvez o preço de obter uma visão tão ampla fosse abdicar da vida tal qual a conhecemos e da interação com as pessoas que conhecemos. Eu mesma, se eu fosse capaz de penetrar totalmente nesse paradigma, optaria por não fazê-lo. Até porque, a proposta da MC não é necessariamente abraçar o paradigma caoísta mais extremo e literal possível, mas ser capaz de saltar entre diferentes paradigmas quando necessário em vez de usar apenas um.
Há muitos filósofos que defendem essa ideia da realidade como criação mental. Os meus favoritos são Berkeley e David Lewis. Dentro desse paradigma é perfeitamente possível aceitar que os criadores da cabala também criaram naquele momento a realidade da cabala no mundo material, que pode até mesmo ter se separado da mente. É esse o princípio da criação de servidores na magia do caos. Por isso alguns servidores podem chegar a ter tanto poder quanto Deuses antigos. Em algum momento do passado, alguém inventou esses Deuses (ou os descobriu na mente de outros seres, ou na “mente da natureza”/Deus/Tao/Caos/batata assada) e materializou-os. O princípio é o mesmo.
Sobre a realidade “ser” alguma coisa (por exemplo, um papel em branco para criar) seria aquele velho debate sobre a realidade ser relativa ou absoluta. Para Kant, por exemplo, cada pessoa vê uma flor de forma diferente, mas por trás das interpretações do mundo dos fenômenos existe a “coisa em si” flor (ou seja, a verdade por trás de todos os modelos). Já para Berkeley não existe coisa em si ou verdade material, mas somente interpretações, pois nós criaríamos o mundo pela nossa percepção e criaríamos também uns aos outros. Uma flor pode ser amarela para nós e vermelha para uma abelha, mas a cor não seria uma propriedade da matéria (não existiria a “cor verdadeira” da flor por trás das percepções; ela varia conforme a luz e conforme o observador).
Mas como você tão perspicazmente apontou em seu exemplo das pessoas pobres que acreditam numa vida melhor mas não a conseguem, é importante não permanecer apenas no mundo das teorias da magia, mas ter o momento de focar na aplicação dessas teorias. Por isso na magia do caos se gosta tanto de obras como o “Principia Discordia”, por exemplo, que zomba das tentativas da nossa mente limitada de querer chegar numa verdade. O mais importante para nós seria não querer chegar na verdade em si (se houver uma), mas adotar modelos de verdade que nos tragam vantagens no mundo mental ou material. Esse seria um dos aspectos mais relevantes da magia.
Nesse sentido, em geral os caoístas não ficam pensando se a realidade é ordem ou caos. Em suma, ela pode ser qualquer coisa. O que ela é não sabemos e não temos como saber. Porém, o que acreditamos que ela seja é que faz diferença. E essa crença poderia ser manipulada para atingirmos objetivos que sejam de nosso interesse. Isso seria usar a crença como ferramenta.
Eu particularmente não aprecio muito o conceito de carma ou evolução espiritual. Tais conceitos somentes são úteis na medida em que nos trazem vantagens. Se eles nos atrapalham na prática, devem ser abandonados. Por exemplo, se uma pessoa tenta se tornar melhor ou ajudar mais gente porque os termos “carma” e “evolução espiritual” têm um significado positivo para ela, acho ótimo. Ela pode continuar usando isso. Porém, o carma já foi usado como instrumento político e de dominação social (na Índia isso ficou claro com as castas) e o termo “evolução espiritual” pode ter um contexto negativo de hierarquia, de que algumas pessoas estão mais “avançadas” do que outras. Nesse sentido, não acho positivo.
Eu geralmente adoto para mim o paradigma (consciente de que é somente um paradigma que pode ser alterado quando eu desejar outros resultados mentais ou materiais) de que nós temos um imenso poder de criação, provavelmente muito maior do que imaginamos. Porém, muitas vezes nós não queremos todo esse poder ou não sabemos o que queremos. Além disso, como você também já mencionou, não estamos sozinhos; há um conflito de vontades. Não basta apenas que eu queira uma coisa para que ela se materialize, pois vivemos num universo repleto de seres querendo outras coisas, muitas vezes contrárias à coisa que eu quero.
Por exemplo, digamos que na minha vida (e na minha magia) eu queira conforto, mas eu também queira ajudar os outros. Eu posso criar um mundo perfeito na minha mente em que eu obtenho os dois ao mesmo tempo e um complementa o outro. Nesse universo mágico criado na minha cabeça, praticamente todo o conforto e benefícios que obtenho para mim são transferidos para os outros, de forma que tanto eu quanto os outros sempre sejamos beneficiados. Na teoria isso é possível. Porém, quando o magista tenta aplicar isso na prática, ele se depara com barreiras de hábito ou de realidades mentais e materiais cristalizadas, as quais ele acredita serem reais. O magista tem algum poder para trazer esse mundo perfeito mental para a realidade, mas talvez ele não deseje isso. Ou quem sabe realidades cristalizadas de outras pessoas sejam uma barreira para a existência da dele.
Em suma, nenhum paradigma é perfeito. Não existe interpretação da realidade que só traga benefícios. Cada uma tem vantagens e desvantagens para coisas diferentes. Por isso o magista do caos altera sua percepção mental conforme o que ele deseja na prática. Mas até o caoísta com mente mais aberta não somente tem suas verdades cristalizadas favoritas, mas faz questão de tê-las. Algumas vezes isso pode ser um sistema de backup de emergência, para ele não desaparecer de repente ou não sair voando um dia e não voltar mais, hehe.
Sensacional! Me elucidou bastante. Sou muito grato. Fico muito feliz que tenha gostado (do texto e do coment).
“Mas até o caoísta com mente mais aberta não somente tem suas verdades cristalizadas favoritas, mas faz questão de tê-las. Algumas vezes isso pode ser um sistema de backup de emergência, para ele não desaparecer de repente ou não sair voando um dia e não voltar mais, hehe” Tpw “Puf”… kkkkkkkk mto boa.
Entendi a pegada pragmática da MC e sua indiferença com a epistemologia (parece que você comentou sobre a prática de evitar isso, inclusive filósofos (kkkk) em um texto recente aqui no TdC – acho que o anterior a esse). Aliás, estou muito grato à MC pois ela é quem tem me permitido entender de fato o que diabos é magia, dúvida que vem me perturbando desde que comecei me interessar e ler sobre ocultismo (ha uns 3 anos, tempo demais pra mim não entender, e o que tem ajudado eu não praticar ), pois como você já deve ter percebido, eu sou meio que um epistemologista kkkk, tinha muita propensão em acreditar e vontade de entender, mas tenho uma forte veia cética e preciso da coisa bem fundamentada. Eu sempre fiquei tentando entender por quais princípios essa a magia acontece, e o que de fato ela é/significa. Acho que sou muito terra pra essas questões e busco sempre sintetizar, concretizar simplificando ao máximo a base da coisa, captando de fato sua essência, seu b-a-bá. Busco unir o céu e a terra. E toda essa relatividade da magia do caos tem me ajudado a entender what`s all about, e na verdade eu acho que sempre entendi isso inconscientemente porque minha dúvidas eram tipo: “mas por que eu preciso fazer isso assim e assado? O que existe na natureza que faz com que esse meu ato funcione como uma chave nela?” Eu queria encontrar – ou pelo menos entender – um respaldo na realidade, algo lógico/natural para aquilo, entender AS REGRAS que REGIAM e faziam tudo aquilo funcionar, pois para mim era uma ciência que interagia com o mundo real. E os sites sobre magia, especialmente o TdC, deixam a desejar nesse sentido, pelo menos na linguagem que eu buscava. Olha só esse coment meu aqui no TdC (não respondido U_U):
“Franco-Atirador disse:
19 de março de 2014 às 21:19
Marcelo, por favor, só uma pergunta:
Me explique COMO/POR QUE OCORRE – teórico e praticamente – o efeito de um ritual, por exemplo, RMP.
Adoro ocultismo mas minha forte veia cética não consegue praticar magia sem entender logicamente. Como podem simples movimentos alterarem um campo/consciência – ou sei la o que mais se altera – ? Onde se fundamentam esses efeitos? Minha intuição diz que deve ter algo a ver com a significação de símbolos, que, por conseguinte, adquire força devido ao uso de muitas mentes, e, os símbolos (sejam imagens, sons, cheiros ou movimentos), por esta razão, são ARBITRÁRIOS, pois você os carrega com a intenção/significação/sentimento. Porém isso contém uma premissa de que esses movimentos ficam registrados em algum lugar no espaço etéreo, com suas respectivas cargas/poderes. Nesse sentido, se eu fizer um ritual altamente usado com o rmp sem estar prestando muita atenção (simbolo bem carregado energeticamente ao longo do tempo pelas mentes, mas pouco empenho da minha), talvez obteria um resultado, e fazendo um ritual que eu mesmo inventei (portanto com pouca ou nenhuma energia de uso) mas como muita concentração/sentimento/intenção, obteria outro. Logo se assim for, fica outra dúvida, do que é mais importante: “símbolos bem carregados” ou minha intenção; isto é, se for assim mesmo que funciona né.
Favor explicar melhor. SÓ FALTA ISSO PRA EU CAIR DE CABEÇA NA MAGIA!”
Mas ao conhecer a magia do caos a coisa foi mudando e fui entendendo a porra toda. A princípio ignorei a coluna por achar “avançado demais” para mim pobre mente neófita, depois encarei como uma “brincadeira”, mas achei sensacional, e hoje estamos aqui. Houve o casamento da realidade com a relatividade e a subjetividade, fatores que assombravam o meu entendimento da magia.
“Se pode extrair magia de qualquer coisa”, estejam erradas ou não as concepções (encontrem barreiras ou não na realidade – porém vimos que o resultado pode ser afetado por estas barreiras). Se há uma verdade ultima, esta difere no comportamento quando trata de magia se comparada como se comporta com a ciência, parece estar cagando e é tolerante com o que se passa em sua mente, permitindo o funcionamento mesmo sem um “match” na realidade. Seria como se realmente pudéssemos criar sub-realidades em uma realidade maior.
Ainda sobre ideias/realidades cristalizadas, e usando seu exemplo da teoria x prática da intenção do mago (obter conforto junto a ajudar os outros), isso aponta que talvez o mago deve, ao marcar seu alvo, escolher os paradigmas e/ou desenvolver suas técnicas/caminhos, deve agir como um estrategista, com em um jogo de xadrez, observando seu campo (externo e interno – no que pode ou não acreditar/duvidar), onde estão as peças, pra traçar o melhor caminho, mais provável de acontecer por entre as ideias cristalizadas, seja por entre elas, enganando-as, destruindo-as. Mais uma vez a importância do poder de acreditar. Ter uma mente ampla para acreditar na possibilidade de ocorrências de improbabilidades, ainda que altas, ajudaria a dissolver/driblar realidades/problemas com realidades cristalizadas (que ele acredita ser, como você bem mencionou – e quer sejam ou não, o acreditar que são apenas piora as chances de superação). Duvidar de barreiras, acreditar no inesperado.
Sobre a ideia de apenas uma vida, achei meio trágico, pois eu andava na linha (consoante com todas as religiões, pois sou um buscador de padrões) de um Criador misericordioso, e sua misericórdia incluía não me aniquilar eternamente, seja qual for o motivo, sempre me dar uma chance. Isso esbarrava em questões de o que é a vida e quando o ser “vira um ser”, ganha uma alma que passará a eternidade se desenvolvendo; primeiro eu achava que a bagaça começava no reino mineral, seguindo as monadas animais e finalmente se produzia uma individualização que daí seguiria sabe-se lá para onde, só que depois conheci o conceito de elemental/servidor e parece que esses seres são conscientes de si mesmos como nós. Aí complicou, especialmente quando pensamos no fim de um elemental. Talvez ocorra como você disse, um pós-morte sem vida, pelo menos temporariamente. É sabido que nossa personalidade desaparece para sempre, mas algo para mim tinha que sobrar (a tal centelha divina carregando as experiencias/informações de todas as vidas – seja por quais corpos sutis forem), como forma de uma misericórdia divina. Também sabemos que tudo se transforma no universo, então sei lá, mas esquecimento absoluto e sair totalmente fora do jogo me parece meio cruel/assustador, ainda mais sobre seres ainda tão ridículos e inconscientes como a gente. O tal Tudo Preto dos ateus (que cri numa boa por um dia, mas parece não combinar com o ocultismo, enfim, encontro resistência com base em tudo de espiritualista que aprendi). Para mim somos Deus encontrando a si mesmo, brincando, e ele deve ter programado a bagaça toda pra não sucumbir/desaparecer nenhuma de suas ínfimas partes, que afinal precisam ser esclarecidas, e ele valoriza toda e qualquer experiência, já que é pela própria experiência que estaríamos aqui.
Sobre Kant x Berkley, talvez os dois estejam meio certos. Talvez a coisa em si em última instância seja o caos, o todo, kether, o puro ser, e os diferentes níveis de consciência carregados de diferentes energias e experiencias geram estratos infinitos da coisa. Como frequências mesmo, que devem ser em si um certo amontoado extremamente rico mas ainda sim preciso de informação, e toda essa riqueza já limitada de alguma forma nessa determinada faixa vibratória possa ser explorada/percebida de muitas e muitas formas através de muitos e muitos sentidos (uma televisão aqui pra nós é uma televisão, vai continuar constituída das mesmas informações se um ser de squornshellous zeta aparecer por aqui, mas ele estará equipado de forma diferente pra percebe-la, mas ainda será uma televisão, mesmo que a veja como aquelas letrinhas de matrix). Loucura total pensar sobre isso. Gosto do sistema cabalístico da criação, ainda que entenda pouquíssimo.
Ainda sobre uma ordem pré-criada, me intriga essa ressonância de padrões de praticamente todas as religiões do mundo, por exemplo como falei no primeiro post, e também podemos citar outro exemplo (de inúmeros), como o dos servidores da MC, os golens do judaísmo, espíritos do xamanismo. Enfim, toda essa coisa Joseph Campbell. Isso parece indicar nossa natureza animal em comum, ou como Jung chamou, inconsciente coletivo, nossa forma em comum de encarar e surfar o universo. Como você aponta, se isso é algo apenas em nossa cabeça animal ou representa o reflexo de uma estrutura e um sistema de coisas no universo, não podemos saber.
Desculpe, mais uma vez, pelo tamanho do texto e por certa insistência em abordagens mais filosóficas/epistemológicas. Seguirei daqui tentando tirar alguma ordem do caos, essa cartola cósmica. 😀
@Wanju – Fico feliz de saber que minhas explicações ajudaram! Eu curti muito as tuas colocações, pois me geraram reflexões bem bacanas.
Como na magia do caos podemos criar nossos próprios sistemas e visão da magia, isso também inclui criar nossas próprias teorias de magia. Epistemologia é bem legal, então nada impede de você bolar a sua teoria epistemológica e basear sua magia nisso. Você não precisa descobrir o que é magia de fato ou desvendar suas regras, mas pode inventá-las. No fundo, cada um acaba aceitando como verdade as explicações que gosta mais, as que parecem mais profundas, que tragam mais vantagens, as mais bonitas, mais gentis, etc, de acordo com a preferência.
O alerta que é costume ser feito para que o magista não fique só na teoria é porque a investigação filosófica da magia é um campo infinitio. Se você for tentar aprender tudo o que há para se saber sobre isso, não irá praticar nunca. Por isso o ideal seria equilibrar: um pouco de teoria e um pouco de prática. Mas também há momentos em que prática e teoria se juntam: uma teoria perspicaz pode te fazer descobrir algo legal para a prática, mas uma prática inspiradora também pode te revelar algo valioso para a teoria. Uma complementa a outra. É que nem sexo: não adianta apenas ler teoria para saber o que é, como fazer, como funciona e porque funciona. Eventualmente é preciso testar e assim a teoria se tornará mais clara. Mas ler a respeito também pode te dar ideias divertidas para incrementar novas posições na cama.
Gostei bastante da sua interpretação da magia, de ter relação com o significado dos símbolos. É exatamente essa a explicação que o Patrick Dunn dá em seus livros. Eu te recomendo os livros dele, pois ele baseia a magia em teorias da linguística e é realmente fantástico.
Sobre sua pergunta do que é melhor, símbolos bem carregados ou sua intenção: provavelmente depende do estilo do magista. Para um magista do caos é muito mais fácil usar a crença para transformar em magia diferentes fontes de poder. Já para alguém mais ligado na magia tradicional, que tem os sistemas clássicos bem fundamentados (tanto na teoria quanto na prática) pode ser mais efetivo para ele simplesmente carregar um símbolo já consagrado.
Eu curto a magia do caos não porque eu acho que ela seja realmente melhor do que sistemas clássicos ou que funcione melhor, mas simplesmente porque ela condiz com minha forma de ver as coisas, então acabei me identificando (também parece mais divertida e engraçada, hehe).
Sobre o Marcelo não ter respondido sua pergunta, é porque ele é, até onde eu sei, bastante ocupado. Ele sempre responde quando pode, independente de quem pergunte ou da pergunta. Na verdade eu acredito que ele deve ter um poderoso pacto com Fotamecus para ter tempo de fazer tantas coisas ao mesmo tempo! (cuidar da Ordem, administrar o site, preparar os cursos do EAD, cuidar da filha dele, dentre muitas outras coisas que ele deve fazer). Mas eu tenho certeza de que se ele tivesse te respondido teria te dado uma ótima resposta. A magia tradicional também possui excelentes explicações para todas essas perguntas, que estão corretas consideradas dentro de seus respectivos paradigmas.
Gostei da sua observação de “Seria como se realmente pudéssemos criar sub-realidades em uma realidade maior”, pois eu acho que é bem por aí mesmo (isso me lembra a teoria do realismo modal de David Lewis, embora na visão dele o que chamamos de “mundo real” e as realidades inventadas sejam igualmente reais). Isso significa que a magia do caos continua a ser válida mesmo se houver uma verdade última. Mesmo se a verdade seja a ordem, mesmo assim ainda é possível, nesse caso, extrair o caos a partir da ordem.
Com certeza, como você falou, o magista deve agir como um estrategista. A ideia de enganar a mente e a realidade é o “Finja até que atinja”.
Se não te atrai a ideia de apenas uma vida, basta descartá-la e substituir por outra que você prefira. Inclusive, existem magistas do caos teístas. Aliás, podem existir magistas do caos de qualquer tipo, incluindo aqueles que, paradoxalmente, não acreditam na magia do caos, hahah. Alguns só estão lá para “ver qual é a desses caras”.
Ah, as mônadas do Leibniz. Sempre gostei delas. Metafísica é uma daquelas áreas que servem mais para inspiração mental e não tanto para prática, mas se caoístas conseguem extrair poder até de um chiclete grudado no sapato, quem sabe possam aplicar a ontologia na magia. Ramsey Dukes costuma dizer que todas essas teorias filosóficas (ou até teorias científicas) basicamente servem para o magista se convencer de que magia realmente existe num mundo que é fortemente antagonista a essas noções.
Enfim, ótimas reflexões!! Não se preocupe com seu interesse em epistemologia, pois eu também curto e mesmo quando não é aplicado na prática (pelo menos na definição clássica de prática mágica) debater isso com certeza gera sensações interessantes e suficientemente reais.
Ah, acabo de ver que você fez uma nova pergunta. Já respondo 🙂
Wanju, permita-me só mais uma pergunta:
Como adquirir poder sobre o acreditar? Muitas vezes queremos acreditar em algo, sabemos ser possível, mas não conseguimos no fundo, não há verdade, não há aquela confiança e entusiamo 100%, não há entrega, há sempre um elemento de teste, de será, de ansiosidade, de incerteza, de expectativa. Sendo assim, não haveriam técnicas, filosofias, que ajudem a aumentar nosso poder sobre o foco que escolhemos acreditar?
Obrigado!
@Wanju – Permito quantas perguntas quiser, fique à vontade, haha.
Digamos que a magia do caos se foque quase que completamente nessa questão do acreditar: de desenvolver novas técnicas de usar a crença como ferramenta. Ou melhor, claro que caoísmo não é só isso, pois caoísmo é a percepção do magista sobre sua própria magia, então ele também pode se focar em outros pontos se preferir. Mas podemos dizer que esse é um ponto chave da MC. Até mais importante do que ter habilidade de alterar o estado de consciência, obter poderes psíquicos ou qualquer coisa assim. Até porque, tendo o poder sobre a crença, obter essas outras coisas já não se torna tão relevante.
É como dizem: uma vez que se domina o lado interno, para que alterar o externo? Mas essa é uma percepção altamente espiritualista da magia. Na prática (e devemos viver na prática também, não somente no mundo das ideias) o lado externo importa muito. É importante lembrar que nós não somos Deuses, pelo menos não literalmente. Sim, talvez sejamos Deuses em potencial e o que falta para sermos Deuses é apenas acreditarmos verdadeiramente nisso. Mas pensar nisso algumas vezes nos faz cair numa armadilha mental e numa simplificação.
Praticamente todas as escolas da filosofia se dividiram a partir de Platão e Aristóteles. Platão era mais racionalista e defendia que devemos investigar a verdade através da razão, pois os sentidos físicos podem enganar. Já Aristóteles era mais pro lado do empirismo, defendendo a investigação do mundo material, já que a razão pode nos pregar peças.
Em suma, tanto a razão quanto os sentidos nos pregam peças! Por isso não podemos excluir nem um e nem outro; eles devem andar juntos e se complementar, da mesma forma que teoria e prática, lógica e emoção, dentre tantas outras coisas. Uma não é melhor que a outra, são apenas diferentes paradigmas, métodos, modelos.
E agora vamos para a sua pergunta: teoricamente, o poder da crença é infinito, não tem limites e dentro do paradigma da investigação lógica/mental isso é verdadeiro. Porém, se mudarmos o paradigma e partirmos para o empirismo, para a obseração do mundo material tal qual ele nos aparece, o poder da crença se torna limitado e isso é verdadeiro dentro do modelo empírico.
Porém, os dois estão conectados. Uma alteração mental pode interferir no mundo material. E uma alteração no mundo material pode afetar nossa mente. Em vez de encarar isso como um problema, o magista tenta extrair poder disso.
O que eu acabei de dizer não é absoluto, é claro. O magista pode criar um paradigma em que a mente seja limitada ou que o mundo material seja ilimitado. Em suma, são apenas palavras, ideias. A sacada do caoísta é ser capaz de trapacear e atravessar essas armadilhas e limitações lógicas e materiais.
Muitas vezes nós encaramos as limitações da lógica como absolutas (o que não faz sentido na nossa mente parece errado) ou as limitações do mundo material como absolutas (o que nossos sentidos não captam não parece real). O magista pode usar essas aparentes falhas da mente e do mundo como fontes de poder. Se nossa mente e o mundo fossem perfeitos, talvez não houvesse espaço para a magia, ou ela não seria necessária.
Ou talvez esse seja um caso de uma barreira ética e não metafísica ou epistemológica. Você quer saber como ter poder sobre o acreditar. Os meios são manipular cada vez mais esses pontos cegos da realidade. Contudo, se o seu desejo é adquirir poder pleno sobre o acreditar, provavelmente isso não é possível. Ironicamente, talve só não seja possível porque não acreditamos que seja. Para acreditar verdadeiramente, além de construir teorias lógicas bastante flexíveis, seria preciso se entregar a práticas da magia bem extremas e difíceis, para que sejamos capazes de mergulhar completamente nesse paradigma tão amplo.
Mas como te falei no meu primeiro comentário, provavelmente os magistas do caos não querem esse tipo de poder pleno sobre a crença! Um magista assim não poderia viver mais nesse mundo, respirar nosso ar, pensar como nós. Ele se tornaria como um alienígena. Provavelmente existem outras coisas importantes na vida além de ter poder sobre a crença e o magista não quer abandoná-las para se focar completamente nessa jornada, até porque o preço a pagar seria alto.
Eu disse antes que esse pode ser um dilema ético porque talvez seja bom que nós não tenhamos pleno poder sobre nossas crenças. Isso inclusive pode permitir que o caos atue mais livremente. Essa vontade de ter poder pleno sobre o mundo e de encaixar coisas é, em parte, nosso desejo pela ordem, pois a desordem nos incomoda um pouco. O caoísta tenta se sentir à vontade até quando as coisas não se encaixam e ele tenta ver beleza no caos. Ele vê um potencial de poder até em sua pouca capacidade de moldar suas crenças como bem entende.
Tudo isso pode soar bem contraditório, mas algumas vezes é aí que está o poder – e a ironia – do caos. Talvez por isso os caoístas gostem tanto de banir com gargalhadas. Ele ficam felizes até quando não entendem a piada. Algumas piadas não são para serem entendidas, mas para serem sentidas.
Franco-Atirador, você perguntou sobre “Como adquirir poder sobre o acreditar?”. Acho que em postagem anterior, a Wanju Duli explicou: “Finja até que atinja” – que tem a versão inglesa como “Fake it till you make it”. Em Programação Neurolinguística, Psicologia Cogntivo-Comportamental e Psicossíntese temos o “Aja como se” (o “Act as if”).
Não tenho muita prática com esta técnica, contudo pelo pouco que sei da Psicologia Cogntivo-Comportamental está como um sistema de “meta-crença”, assim com a Magia do Caos. No livro “Terapia Cogntivo-Comportamental para Leigos”, de Rhena Branch e Rob Wilson, o Capítulo 15 inteiro – “Passe as Novas Crença da Cabeça para o Coração” – aborda a técnica “Agir como se”.
Um pouco mais sobre como modificar crenças viceralmente, podemos encontrar nessa Psicologia e nesse livro, um paradigma útil sobre a influência recíproca: Pensamentos (Crenças, Atitudes, Regras, Exigências, Imagens e Significados) Comportamentos (Ação Construtiva e Ação Destrutiva) Emoções (Sentimentos Saudáveis e Sentimentos Nocivos – Sensações Físicas) Episódios (O Mundo, Outras Pessoas, Experiências Pessoais, Histórico Pessoal, Futuro e Você Mesmo).
@Wanju – Muito legal essa relação de Magia do Caos com a Terapia Cognitivo-Comportamental! Eu já me consultei com uma psicóloga que seguia essa linha de psicoterapia alguns anos atrás e gostei muito. A TCC tem o aspecto bem pragmático da MC.
Wanju, eu comecei a ler sobre magia do caos recentemente. O assunto é fascinante, simplesmente fascinante. Há tantas maneiras de abordá-lo, tantas quantas existem pessoas no(s) mundo(s), isso me deixa tão feliz. O aspecto abrangente torna o caos tão libertador (pelo menos pra mim), é como se um grande peso saísse dos meus ombros, e olha que eu sempre me considerei um “porra louca”, no sentido de que nunca fui ligado estritamente a uma única doutrina ou dogma. Pelo menos essa é a imagem que construí de mim mesmo, sabendo é claro que essa auto imagem é sempre mais colorida rs.
Enxergar as realidades com o mínimo de amarras nos confere um poder tão grande. Essa é uma das belezas do Caos, e um dos fatores pelo qual as pessoas sentem tanto medo dele acredito eu. Eu sinto muito medo dele as vezes haha…ou será que é de mim que sinto medo? Acho que é de mim! Chega uma hora que o sentido da busca, seja de qual verdade for, parece ficar distante sabe? Mas aí se não existe uma busca qual sentido faz eu existir? Talvez eu não sinta medo de mim afinal, talvez eu sinta medo de não ter um sentido. Infelizmente minha (nossa) mente objetiva precisa de um, ou ela corre o risco de sumir coitada rs.
Eu passei tanto tempo vendo o caos dentro de minha vida ilusoriamente organizada, é bom finalmente experienciar as coisas de “cabeça pra baixo”.
Muito grato por seu trabalho!
Abração.
@Wanju – Oi Dorival! Gostei muito do seu comentário. De fato, o caos é libertador. Em muitos momentos o que nos impede de fazer certas coisas é o medo, seja do caos ou de nós mesmos. E se a mente não achar um sentido, talvez ela possa inventar um. E que de preferência seja um sentido bem divertido e que nos agrade. Abraços!
Belo post. Não conhecia KLF, vou me aprofundar.
Já leu Simulacros e Simulação, Wanju?
BTW, não consigo mais logar lá na A.C., tive esse problema antes quando o novo site estava sendo testado e foi necessário uns três dias de troubleshooting com o Tadhg para conseguir um login. Mas, pelo visto, a solução não foi permanente.
A baqueta chegou inteira e linda, obrigado.
@Wanju – Oi Enion! Que agradável surpresa ver uma mensagem sua por aqui! Ainda não li Simulacros e Simulações. Inclusive não tinha ouvido falar. Dei uma pesquisada e parece interessantíssimo. Muito obrigada pela ótima sugestão! Também tive problemas de logar no novo site da A.C. no começo. Fico feliz que a baqueta tenha chegado!! 🙂