Texto do Edmundo Pellizari sobre a diferença entre Kimbanda e Quimbanda. Existe muita confusão entre os dois termos; eu mesmo já vi textos na net e em jornais de umbanda com estes nomes invertidos ou considerados como se fossem uma coisa só (se não me engano, tem texto meu com essa inversão também). O problema é que, como essas palavras são transliterações, cada autor acaba colocando como acha melhor e a porta para a confusão está aberta. Se alguém achar os termos trocados em algum dos meus textos, dá um aviso nos comentários; eu prefiro ficar padronizado com o trabalho do Edmundo, que é muito sério a respeito dos cultos afro-brasileiros.
Kimbanda significa algo como “curandeiro” em kimbundu, um idioma bantu falado em Angola. O kimbanda é uma espécie de xamã africano.
O ofício do kimbanda é chamado de “umbanda”…
Todos já ouvimos essa palavra por aqui.
Quimbanda é um culto afro-brasileiro com forte influência bantu e muito influenciado pela magia negra européia.
Kimbanda e Quimbanda se confundem, mas são cultos distintos e com objetivos diferentes.
O kimbandeiro é um membro ativo de sua comunidade, um doutor dos pobres e intérprete dos espíritos da Natureza. Ético, ele sempre trabalha para o bem, a paz e a harmonia.
O quimbandeiro é um feiticeiro. Normalmente vive afastado, não se envolve socialmente. Na África, o kimbandeiro faz a ponte entre os Makungu (ancestrais divinizados), os Minkizes (espíritos sagrados da Natureza) e os seres humanos.
Ele entra em transe profundo, incorpora os seres invisíveis que consultam os necessitados e os aconselham na resolução dos problemas. Os espíritos no corpo do kimbanda falam, fumam e bebem.
Como autêntico xamã, ele sabe que a mata é um ser vivo que respira, come e sente. Ela é densamente habitada por diversos tipos de entidades, que transmitem seu conhecimento aos sacerdotes eleitos.
Alguns destes seres se parecem a “duendes”. Eles tem uma perna só, um olhos só ou falta algum braço. Moram dentro da mata e podem cruzar o caminho de algum caçador. Um Ponto Cantado para os exus na Umbanda, diz:
“Eu fui no mato,
oh ganga!
Cortar cipó,
oh ganga!
Eu vi um bicho,
oh ganga!
De um olho só,
oh ganga!”
Ganga vem de Nganga, um dos nomes pelo qual o kimbanda é conhecido. Nosso querido Saci Pererê é um deles.
Ele usa o filá (gorro) vermelho dos kimbandas, o cachimbo dos pretos velhos e o tabaco dos caboclos!
O quimbandeiro centra seu trabalho na figura de Exu, que é um Orixá yoruba e não um Nkizi bantu.
A entidade que se assemelha a Exu entre os bantu é chamada de
Aluvaiá, Nkuvu-Unana, Jini, Chiruwi, Mangabagabana e Kitunusi dependendo do dialeto e da região.
Aluvaiá pode ser “homem” ou “mulher” e sua energia permeia tudo e todas as coisas. Ele se adapta muito bem à noção umbandista de exu (entidade masculina) e pomba gira (entidade masculina).
O quimbandeiro também invoca e incorpora as entidades associadas ao culto do magnífico Orixá Exu, os exus e pombas giras. Pode haver sincretismo com nomes como Lúcifer, Asmodeus, Behemoth, Belzebu e Astaroth da Cultura Européia.
A visão das entidades também pode mudar… O kimbandeiro invoca as almas dos antigos Tatas (pais espirituais ou sacerdotes curandeiros) e Yayas (mães espirituais ou sacerdotisas curandeiras).
Estas almas transcenderam o limite da materialidade e da ignorância.
Elas possuem bondade, conhecimento e luminosidade. Algumas não precisam mais encarnar, pois, já evoluíram o suficiente neste mundo.
O quimbandeiro invoca almas de entidades que em vida foram feiticeiros, malandros, mercadores, homens ou mulheres comuns, etc…
Na África o sangue é um elemento sacrificial. O kimbandeiro oferece um animal a uma entidade, prepara a carne e entrega a primeira porção ao espírito. O resto do animal, que se tornou agora alimento, é compartilhado com a comunidade se isto acontece em data festiva.
O quimbandeiro, não está interessado em “sacrificar” (tornar sagrado), ele está preocupado com os poderes mágicos do sangue, vísceras e couro do animal. Portanto, teologicamente falando, ele não sacrifica.
As imagens utilizadas no culto do kimbandeiro são feitas de pedra, madeira e barro. Os artesãos procuram modelar as entidades da Natureza de forma natural e simples. A imagem é consagrada cerimonialmente e uma porção do espírito da entidade passa a habitar a efígie.
Na Quimbanda, na maioria das vezes, são utilizadas imagens de gesso que representam os espíritos aliados. Comumente estas imagens tem aspecto avermelhado, podendo ter chifres ou não.
O kimbandeiro é um agente social. Ele depende da comunidade e a comunidade depende dele. Quando aceita um pagamento para seu trabalho, ele retira do mesmo a sua sustentabilidade. Todo mundo sabe e pactua com isso. Não existe abuso. Trocas de mercadorias e favores podem substituir o dinheiro como pagamento. As pessoas empobrecidas são atendidas sem nada precisar dar em troca.
As vestes do xamã bantu são normais e naturais. Quando está trabalhando usa filá, guias de sementes, cinturão com amuletos e roupas sóbrias. Três são os pilares do kimbandeiro: amor, honra e caridade.
O universo da Kimbanda é composto por tês mundos que se interpenetram:
– o mundo celeste onde moram os espíritos celestiais e originais (alguns Minkizis e ancestrais divinizados),
– o mundo natural habitado pelos homens e pelos espíritos da natureza (elementais)
– e o mundo subterrâneo da morte e dos ancestrais.
O médium na Kimbanda é um canal entre os espíritos e os que precisam dos espíritos. Ele é um instrumento mágico, um servidor da humanidade que pratica um transe profundo, pois, somente adormecendo o ego o divino pode fluir.
Os espíritos utilizam o médium com gentileza e cuidado, sem esgotar suas reservas de energia psíquica.
A Umbanda, certamente, bebeu das águas tradicionais da Kimbanda.
Os negros bantus trouxeram sua herança espiritual, legítima, luminosa, ecológica e antiqüíssima. Oramos para que as antigas almas dos Tatas e Yayas nos ajudem a separar o trigo do joio.
Nzambi primeiro!
Nsala Malekun!
@MDD – Várias pessoas questionaram se a pomba-gira é masculino sob a ótica aluvaiá ou se é um erro. O texto não é meu, eu estou tentando entrar em contato com o Pellizari pra ele me falar se é isso mesmo (e dar uma explicação) ou se foi mesmo erro de digitação. Quando tiver uma resposta eu faço um update.
Respostas de 27
Aluvaiá pode ser “homem” ou “mulher” e sua energia permeia tudo e todas as coisas. Ele se adapta muito bem à noção umbandista de exu (entidade masculina) e pomba gira (entidade masculina).
Acho q o segundo parente ta errado, nao precisa aprovar o comentario 🙂
Marcelo,
no texto acima, 6o.parágrafo, você escreveu:
Aluvaiá pode ser “homem” ou “mulher” e sua energia permeia tudo e todas as coisas. Ele se adapta muito bem à noção umbandista de exu (entidade masculina) e pomba gira (entidade masculina).
a pomba gira nao seria entidade feminina? ou estou errada?
Abraços,
Andréa.
Legal!
Bem Esclarecedor. Há alguns textos bem interessantes deste autor na net, é só procurar no Google.
Um post aguardadíssimo ! /
Olá MDD, muito bom o texto!
Mas tem algumas coisas que acho que você se confundiu até neste texto.
Principalmente quando dia que pomba gira (entidade masculina). Não seria entidade feminina?
Eu nunca estudei nada de Umbanda, Kimbanda ou Quimbanda, então não posso falar muito, nem mesmo corrigir ninguém sobre essas culturas. Foi bom aprender mais um pouco!
Abraços!
Ótimo texto, bastante esclarecedor.
P.S: Existe um erro no seguinte trecho:
Aluvaiá pode ser “homem” ou “mulher” e sua energia permeia tudo e todas as coisas. Ele se adapta muito bem à noção umbandista de exu (entidade masculina) e pomba gira (entidade masculina).
Está se repetindo duas vezes o termo entidade masculina, caracterizando pomba gira como masculina também.
Muito bom para desfazer a confusão de termos!
É verdade que as entidades da Quimbanda são as mesmas da Goécia?
@MDD – Sim e não. Seguem as mesmas linhas, mas não são as mesmas entidades.
Olá MDD
Espiritos em geral não tem gênero sexual, correto ? Mas, me parece que a maioria dos espíritos que trabalham em centros espiritas e na umbanda se apresentam como sendo do sexo masculino. Se essa discrepância é real, existe alguma explicação , talvez relacionado a tarefa que desempenham ? Ou somente é o gênero que escolhem no plano astral ?
Curupira e Boitatá são considerados Espirítos Naturais ?
Existem muitos espíritos evoluídos que “descendem” dos ciganos; assim como existem de indigenas, marinheiros etc ?
Obrigado.
A definição de Quimbanda já tinha visto em Quiumbanda, as duas são a mesma coisa ou o termo é diferente por um motivo ? pomba gira (entidade masculina) ? nos livros do Rubens Saraceni ele define bem esse conceito de exu ser masculino e trabalhar com o vigor e pomba gira ser feminino e trabalhar com o desejo
Muito bom o texto. Não sabia destas nuances, nem tive a oportunidade de ouvi-la dos amigos desta fé. Parabéns
Marcelo, corrige aqui: “exu (entidade masculina) e pomba gira (entidade masculina).”
@MDD – nao sei ainda se esta errado ou se é assim mesmo… estamos tentando descobrir.
Parabens! Muito bom o texto, eu mesmo não sabia que existia uma diferença, pensava que fosse a mesma coisa, até aí nada de mais pois sou filho de santo a pouco tempo (o TdC ajudou), na minha casa espiritual o nosso Babalorixa apenas explicou que Quimbanda é o contrário de Umbanda que la (meu “terreiro”) não se faz amarração, é proibido qualquér tipo de cobrança (expulsão do terreiro) etc, até entendo o pai pois se fosse entrar muito no assunto daria confusão aja vista q muitos filhos de Umbanda “velhos de guerra” acham q recebem Orixás (na realidade seus falangeiros) oq é absurdo. Obrigado MDD é continue com o seu ótimo trabalho útil e dificilimo q é o de compartilhar informações sem no entanto como diria um pai pequeno da casa “colocar brinco de ouro em orelha de porco”.
Ola Marcelo na parte de Aluvaiá pode ser “homem” ou “mulher” vc classifica exu como entidade (masculina) e a pomba gira como entidade “masculina” tambem seria FEMININA apenas essa correção ok..excelente texto.
Abração
Thiago.
Exus e pombas-giras ambos como masculino?
Sim, neste contexto Aluvaiá fica claro.
Exus e pomba-giras como masculinos no contexto Aluvaiá?
A visão Umbandista me parece bem mais cromática.
Discordo plenamente que um autêntico xamâ precise perder a consciência em seus transes e que somente assim as energias espirituais possam fluir.
Excelente post, muito esclarecedor.
Marcelo, você conhece a obra de Robson Pinheiro e Ramatis sobre a Umbanda?
Abraços.
Agora ficou óbvio, o totem é outro, aproveitando o mesmo arquétipo.
Marcelo,
Só uma dúvida. Nos posts abaixo
http://www.deldebbio.com.br/index.php/2010/05/17/belzebu-satanas-e-lucifer-parte-ii
http://www.deldebbio.com.br/index.php/2010/06/02/pr-belzebu-satanas-e-lucifer
Você respondeu ao Cleiton “Bombo-Gira é o termo correto. “Pomba-gira” é uma ridicularização do nome…”. O texto do Edmundo Pellizari teria colocado o termo erroneamento?
@MDD – Nao… acho que ele colocou por ser o nome coloquial. Quase todo mundo usa o termo “pomba-gira”. São poucos, mesmo entre os pais de santo, que conhecem a grafia correta do nome.
MDD, tenho um blog que fala sobre Xamanismo e nossas vivências dentro da Grande Roda. Estou colocando um link de seu post em meu blog. Caso não esteja de acordo com o link, eu o removo.
Mais uma vez, muito obrigado por compartilhar suas vivências e aprendizados.
@MDD – Pode colocar quantos artigos quiser, basta incluir o link pra cá.
Gostei do texto. Esclarecedor e rico em algun detalhes a qual eu nao conhecia. Sempre aprendendo.
Eu gostaria de saber se é verdade que a Kiumbanda se distingue das duas religiões citadas,se é um culto diferente ou não.
@MDD – o pessoal faz uma mistureba de nomes, então precisa ver caso a caso.
É muito difícil alguém que trate a Umbanda, Kimbanda e Candomblé, com o mesmo respeito que o Edmundo Pelizari, que é Judeu. A maioria das pessoas, até dos pais de santo acredita que a parte africana da umbanda é atrasada, primitiva, inútil, maléfica, e por ai vai. Que só o Kardecismo europeu salvou os malvados negros das suas macumbas, que antes eram dirigidas somente para o mal, não existe caridade fora do Kardecismo e Cristianismo e tudo que veio antes do Zélio e foge da sua linha não merece ser chamado de Umbanda.
Olá. Como encontrei três gatinhos alguns dias atrás na rua estou pesquisando entre “ato de maldade” ou algum tipo de ritual. Achei um só caso na net de um garoto que arrancou com caneta os dois olhos de um gato no DF, mas nesse caso foram 3 gatos e somente o olho esquerdo de cada um arrancado. Isso pode ser atribuído a qual tipo (se é que pode) de ritual?
@MDD – Algum doente mental querendo fazer os rituais que nao funcionam do São Cipriano.
A palavra Pombo gira deve derivar do nome do Nkise (bantu) Npumbu Njila, que é o mesmo que Aluvaiá.
Correto , o nome pomba gira e uma corruptela de npubu nzila dos congo angola, culto a nkisses.