Por Felipe Cazelli
Minha inspiração para escrever isso aqui vem da leitura do texto que o grande amigo Iago escreveu em seu blog, o Rota 32. Lá ele analisa o futuro da Magia, segundo sua própria jornada e as coisas com as quais foi lidando ao longo do caminho. Inspirado por suas palavras, decidi, de forma semelhante, expor minha maneira de ver a Magia e minha própria análise quanto à questão.
Diferentemente do Iago, a Magia do Caos não foi meu primeiro contato com o mundo do Ocultismo, mas, assim como muitas outras pessoas com quem já discuti o assunto, minha porta de entrada foi a Wicca. Existe aí já uma diferença fundamental, uma vez que a Wicca, conforme concebida por Gerald Gardner, era uma filhotinha da boa e velha Magia Cerimonial a la Golden Dawn, com as tradições e mitologias do norte da Europa, especialmente a Celta. Na prática, o resultado disso era já um conhecimento, mesmo que superficial, dos elementos básicos das tradições ocidentais de Magia. Um certo cerimonialismo era exigido, mesmo sem a devida compreensão de seu propósito — que cumpre, dentro daquele paradigma, uma função fundamental. Outra grande importância desse meu começo de caminhada, foi o contato que acabei tendo com importantes ferramentas ocultistas, quando procurei por um aprofundamento que a Wicca não dava. Assim, conheci a Magia do Caos quando já tinha uma boa base em Tarot e Cabala.
Hermetismo + Magia do Caos
A Magia do Caos me pegou no contrapé ao afirmar que toda aquela parafernália era desnecessária e que todas as regras cerimoniais ou ritualísticas da Magia eram arbitrárias. É o tal “pragmatismo” com foco em técnicas e resultados. Logo me enfiei em grupos de discussão de Magia do Caos para trocar ideias, compartilhar experiências e comparar resultados. Com exceção talvez das lideranças de alguns desses grupos, percebi que, no geral, a Magia do Caos estimula a preguiça, justificada pelo lema “Nada é Verdadeiro, Tudo é Permitido”. Ora, se nada é verdadeiro, por que eu preciso estudar? Se tudo é permitido, qualquer coisa que eu fizer está valendo (inclusive não fazer nada). E é com muita tristeza que eu percebia que o foco em “técnicas e resultados” se dava em detrimento do SENTIDO da Magia, ou seja, para que praticá-la, a que direção ela nos leva, que caminho percorrer por ela e qual o nosso destino final nesse caminho. Assim, falando de maneira geral, muita atenção é dada às páginas do Liber Null (que muitos consideram o livro fundador da Magia do Caos) que tratam de técnicas e ritos, e pouca ou nenhuma é dada àquelas que se referem à Grande Obra, à invocação do Augoeides, à busca pelo profundo autoconhecimento e superação da ilusão do eu.
Ao participar de um ritual com um grupo de práticas de Magia Enochiana, tive a curiosidade de perguntá-los o porquê de estudar essa escola, especificamente. A resposta me surpreendeu e intrigou: “porque é difícil”. Segundo eles, o trabalho intelectual necessário para entender a Magia Enochiana exige um investimento de energia tão grande que os efeitos experimentados e a transformação sofrida são significativos. Comecei a entender por que, em paralelo aos estudos e práticas em Magia do Caos, retomei, há pelo menos uma década, as investigações em Tarot e Cabala, além dos estudos em Psicologia Junguiana e em Filosofia Oculta. E o que eu encontrei, nas palavras de Jung, foi que:
O instinto humano sabe que toda grande verdade é simples e por isso a pessoa fraca de instintos imagina que a grande verdade está em todas as simplificações baratas e superficiais, ou, devido às suas decepções, cai no erro oposto, achando que a grande verdade tem de ser necessariamente escura e complicada (O Segredo da Flor de Ouro).
Magia, por sua própria origem e definição, é a busca por Sabedoria. Desde a Antiguidade, o Ocidente sabe que a busca por Sabedoria é o caminho rumo ao conhecimento de si mesmo. Essa busca não se dá sem disciplina, sem foco e sem um método adequado e eficaz. Sem o devido treino, não há conquista de coisa alguma. A Magia do Caos abriu as portas para a postura preguiçosa e onanista que se afunda cada vez mais na ilusão que cria sobre o “eu”, como alguém que se farta em todo tipo de droga, acreditando aproveitar o melhor da vida.
Os textos e ritos antigos estão ultrapassados, porque não acompanham as transformações da sociedade. Isso é óbvio. Poucas pessoas no mundo têm a possibilidade material de dedicar à Magia o tempo e o dinheiro (no caso dos apetrechos e substâncias exigidos aqui e ali) necessários à consecução de alguns rituais consagrados de tempos remotos. Por outro lado, acreditar que se possam realizar Grandes Feitos sem o devido domínio de si mesmo é estupidamente ingênuo. Uma vez que se compreenda a essência da Prática Mágica, seus porquês e sua verdadeira busca, é possível conciliar os insights da Antiguidade com a fluidez da contemporaneidade. E se o Universo é Mental, como nos ensina o Caibalion, para a mente estar afiada é necessário o exercício constante, assim como o é com o corpo. Sobre essa questão da relação entre mente e corpo, voltarei em um texto futuro.
Vivemos o momento da Temperança, o momento de conseguir o equilíbrio entre a Tradição e a Inovação. Uma das principais chaves da Magia é a capacidade de acreditarmos em seu poder; em nosso poder. Um dos maiores inimigos do Mago é a incapacidade de se inflamar, de se excitar com o trabalho mágico, ou seja, de acreditar realmente no que está fazendo; sem essa crença verdadeira e genuína, não há efeito na Magia. A complexidade da Tradição Hermética nos leva ao aprofundamento, ao estudo dedicado e, consequentemente, à compreensão das associações simbólicas necessárias ao intelecto moderno para que a mente opere na frequência desejada. A fluidez e a inovação do Caos adapta a parafernália ritualística aos dias atuais, tornando-a acessível, mas não menos trabalhosa.
Daqui para a frente postarei neste canal a forma como vejo essa união entre Hermetismo e Magia do Caos, de maneira a apresentar não um futuro da Magia, mas o que podemos fazer com ela agora. O presente é nosso.
Respostas de 5
As duas escolas que mais me interessam dentro da Magia são as Herméticas e a Kaos Magick.
Muito legal esse misturar das duas taças!
Parabéns!
Ansioso pelo próximo texto!
Conseguiu descrever o cenário da Chaos Magick com precisão. Infelizmente qualquer opinião contrária à preguiçosa de costume é fervorosamente rebatida com acusações de estar ”cagando regra”, entre outros.
A experiência dos veteranos sempre ilumina a prática dos mais novos na estrada.
O que nos deixa agradecidos é que a sua vivência é um acréscimo à teoria, expõe uma estrada percorrida, então, a luz que chega para a gente brilha com outros nuances.
Tio MDD, mandei um comentário aqui mas não foi publicado, acho que pode ter dado erro. Segue novamente: “Tio MDD, você conhece a Societas Rosicruciana aqui no Brasil? É verdade que a Societas foi a primeira ordem rosa-cruz? É parecida, na parte teórica e pratica, com a FRA e a AMORC?”
“”o trabalho intelectual necessário para entender a Magia Enochiana exige um investimento de energia tão grande que os efeitos experimentados e a transformação sofrida são significativos. “”
Isso é uma bobagem. Buda não precisou de nada complexo para atingir a iluminação.
Tenho simpatia pela tradição hermética. Comecei no ocultismo estudando cabala, tarot e magia medieval. Entretanto, só me tornei magista mesmo quando conheci a magia do caos. Afinal, simplesmente ficar lendo um monte de livros não é magia de verdade.
Eu vejo todo o teatro da magia tradicional e suas tabelas de correspondência apenas como uma forma de impressionar a mente. Você ver tudo aquilo e fica encantado. Mas no fundo é só isso, uma forma de impressionar a mente.
Lembro de quando li pela primeira vez “A Cabala Mística” da Dion Fortini. Todas aquelas tabelas de correspondência me encantaram.
Associações simbólicas são uma forma que os tradicionalistas encontram de dar sentido à vida. “Nossa, como tudo se encaixa”.
Eu sinto avisar que tudo se encaixa simplesmente porque somos criativos. Mesmo quando há uma visível contradição, ainda assim conseguimos fazer uma gambiarra para fazer parecer que tudo se encaixa.
Eu sei que isso pode parecer coisa de magista do caos muito ligado ao materialismo, mas não é o caso.
Minha crítica é justamente que não se admita que, no fundo, todas essas associações simbólicas são apenas uma forma de hackear a mente.
É lindo encaixar o vermelho e o planeta marte em geburah, mas no fundo isso não tem importância alguma. Símbolos não são universais. Eles dependem de um contexto histórico.
Na magia popular, a cor verde pode muito bem ser sinônimo de riqueza. Mas vamos encaixá-la em Netzach e fingir que há algum propósito maior nisso.
A cruz não significa para um cristão o mesmo que significava para os romanos etc etc etc
Não há nenhum problema em amar todas essas tabelas, mas pelo menos não associem o Caos a isso. Foi um “”milagre”” que alguém lá atrás tenha conseguido criar uma corrente que livrou a magia desses dogmas, não comecem a querer associá-la a eles.