Häxa – a transformação de uma palavra Sueca de “mulher do Diabo” para uma “amálgama da Nova Era”


Introdução Linguística
Este artigo foi originalmente escrito com leitores suecos em mente, e assim, foi também escrito em sueco. Ele é relacionado ao problema com o termo geralmente usado em sueco e as linguagens vizinhas como o norueguês e o dinamarquês – a palavra häxa. Porém, acho que os leitores interessados em Bruxaria Tradicional o acharão interessante de qualquer forma, em alguns pontos sobrepondo com os desafios que qualquer bruxo tradicional encara e em outros talvez compartilhando algum conhecimento novo para o público de língua inglesa [e daí para o português].

Mas primeiramente algumas questões lingüísticas devem clareadas.
Geralmente a palavra “häxa” pode ser traduzida como “bruxa”, como por exemplo nos contos de fadas e outros contextos onde o termo é usado para descrever qualquer um que se encaixe na imagem superficial do mal, uma velha portadora de magia.
Mas especificamente, tal como neste artigo, a etimologia destas duas palavras diferem muito para possibilitar a tradução da palavra “häxa”  com “bruxa”, e ainda assim ser capaz de discutir os problemas peculiares com a forma que häxa  é usada na Suécia. Assim, neste texto, a palavra sueca  é mantida como ela é, e onde é apropriado, conjugada como se fosse na língua sueca.
…e agora a introdução propriamente
A identidade de grupo – o pertencer a algo – é importante às pessoas. Somos animais sociais e queremos ser parte da matilha, tribo e etc. Mas especificamente, queremos pertencer a um grupo onde os valores e interesses dos outros são próximos aos nossos próprios – e é quando os rótulos e títulos começam a importar.
Alguns rótulos podem ser adotados sem outra justificativa senão a do sentimento de pertencer, como por exemplo, “fã de heavy metal”, “rato de biblioteca”, “amante de animais”, etc.
Do outro lado da balança estão os títulos que você não pode usar se não estiver intitulado a ele, como policial, médico – é até mesmo punível por lei usá-los.
Então, em algum lugar no meio disso, existem títulos que não te trarão problemas com a lei, mas que podem danificar sua reputação se você blefar e alguém descobrir. Tais títulos podem ser aqueles se você declara que é um campeão nacional de salto a distância, amigos de uma celebridade, etc.
Por último, tem aqueles rótulos que ninguém realmente se importa, que são dados pelos outros para machucar e difamar.
A Etimologia da Palavra “Häxa”
Acredita-se que a palavra “häxa” tenha suas raízes no antigo Alto Alemão Hagazussa, que significa cavalgadora de cerca. A primeira parte, haga, é intimamente relacionada com a palavra sueca hage, que significa prado cercado.
A palavra häxa acompanhou os processos das bruxas da Alemanha até a Suécia, e era um termo jurídico antes que se tornasse uma palavra de uso público. Quando pessoas ordinárias começaram a usá-la, ela tinha o mesmo significado que possuía nas cortes dos julgamentos das bruxas.
Mais tarde, por volta da segunda metade dos 1900 em diante, a palavra häxa se tornou a bruxa dos contos de fada. Ela ainda se mantinha como uma feiticeira má, e mesmo sendo considerada um mito, ainda assim encontrou todas as condições do conceito de häxa, como descrita mais tarde neste artigo.
Faz menos que 25 anos desde que a definição de häxa passou a ser diluída e se tornar a palavra e título vago, beirando uma insignificância, em como é usado hoje em geral.
De um título para uma criminosa cujo delito era o de designar sua alma ao Diabo, a palavra häxa fez uma longa jornada para se tornar uma amálgama de quase tudo e todos que querem usá-la como título para si e suas práticas.
O Conceito de Häxa
Há um conceito acadêmico para a palavra häxa que consiste nas seguintes condições:

  • Um pacto com o Diabo – ou um pacto com forças que eram, pela Igreja, percebidas como o Diabo ou seus agentes demoníacos. Os deuses pagãos pré-cristãos são considerados como tais forças demoníacas e alguns deles estão proximamente conectados com o häxor.
  • Metamorfose – a habilidade de mudar para a forma de um animal.
  • Häx-riding (häxritt em sueco) – a habilidade de voar através dos ares ou em sonhos, na forma de uma pessoa ou de um animal. A cavalgada é facilitada com uma vassoura, bastão ou outra ferramenta apropriada, ou ao cavalgar uma pessoa ou um animal.
  • Häx-sabbath e a copula como o Diabo – uma festa e intercurso sexual com as forças mencionadas no primeiro parágrafo.
  • Feitiçaria proibida – o tipo de feitiçaria que usava ervas e encantaments era considerada má. É importante notar que no tempo dos julgamentos de bruxas, todos os tipos de feitiçaria eram considerados malignos e virulentos.

Em minha opinião, existem duas variedades de pessoas (suecas) que se dão ao título de häxa: o häxor traditional e o neo-häxor.
O Häxa Tradicional
Se você preenche todas as condições que consistem ao conceito häxa, então você é um häxa. Nem todo mundo pode se tornar um häxa. Você precisa nascer com o potencial, a habilidade de häxa para tecer a feitiçaria, assim como alguém nascido com uma porção de musicalidade e pode se tornar músico. Sem este potencial, você não pode häx-cavalgar (häx-ride), metamorfosear e fazer outras formas de arte-häx (häx-craft).
Para evitar confusão, vou colocar o “tradicional” após do häxa quando quero dizer häxa pela definição dada previamente para a continuação deste artigo.
Um häxa tradicional recebe seu chamado através de uma deidade-häx, faz um pacto com a deidade e serve-o (a). Em troca, ela recebe um poder mágico crescente e conhecimento. Ela (e) irá häx-cavalgar (e com isso eu quero dizer verdadeiramente viagens astrais e não visões internas, fantasias, visualizações e tal) e ela irá metamorfosear-se para que outros possam vê-la transformar-se (e não “animais internos”, animais totem, etc). Ela realiza festejos cúlticos juntamente com as forças a quem serve, e o culto irá conter elementos sexuais. Ela realizará sua feitiçaria específica e pode tanto abençoar quanto amaldiçoar.
O häxor tradicional pode ser dividido em duas categorias: aqueles que são parte de uma tradição e aqueles que não são. Tradições-Häx são fechadas, o que significa que somente aqueles escolhidos para serem parte da tradição terão acesso a este conhecimento e prática. Isto, por sua vez, significa que não posso dizer mais do que eu já disse sobre a häxa que seja parte do que uma tradição é ou faz.
O Neo-Häxa Moderno
Se o título häxa não tivesse sido tão furtado de seu significado como foi, eu não precisaria adicionar rótulos adicionais como neo ou tradicional a ele. Se tivesse mantido seu significado e definição estrita intactos, aqueles que se chamam de häxor teriam sido o que o verdadeiro sentido da palavra traz.
Para fazer com que este assunto fique ainda mais confuso, não há uma definição nova e homogênea que não seja o único denominador comum que é: se você quer se chamar häxa, você pode. Assim, eu não posso dar-lhe um sumário do que um neo-häxa é exceto “alguém que se chama de häxa sem preencher as condições do conceito de häxa”.
O que posso lhe dar são exemplos das diferentes variedades de neo-häxor, o que são e o que fazem.
O Sem Noção
Tenho visto aqueles que admitem não saber de nada, ou mesmo de fazer algo mesmo que remotamente próximo do conceito original, alegremente chamando-se a si como häxa porque “sente que é o certo”. Dentre aqueles que possuem – para dizer o mínimo – uma muita vaga conexão ao conceito, você geralmente descobrirá que são muito jovens e muito inexperientes, e que possuem uma ânsia romântica ao místico.
O Romântico
Então temos aqueles que confundem häxa com sua imagem de sábio ou sábia. Eles imaginam alguém que anda pelo interior, coletando ervas e plantas, conversando com os animais, sentido os espíritos da natureza e então retornam às suas pequeninas casas de campo nos limites de uma velha floresta onde eles plantam mais ervas, fazem bálsamos e decoctos e auxiliam as pessoas – mas somente aqueles que precisam de “boa” ajuda, sem aquelas coisas ruins como feitiços de amor e maldição.
Esta imagem não é consistente nem com o povo sábio de antigamente ou com o häxa tradicional. Isto foi concebido durante a era de romantismo nacional, quando um caminho rural, mais natural de viver, foi idealizado pela elite intelectual daquele tempo.
Este grupo também abraça terapias, teorias e idéias do movimento New Age, como por exemplo a terapia de cristais, cura e etc.
Povos indígenas e sua espiritualidade possuem grande apelo a este grupo. Os românticos esperam encontrar algo primal que seja próximo a natureza que sentem perdida em nossa cultura moderna. Isto é raramente apreciado pelos próprios povos indígenas que vem o “homem branco” interpretar mal, colonizar e comercializar suas tradições espirituais.  Os exemplos mais flagrantes são os nativos da América, de ambos norte e sul, os aborígenes da Austrália e as tradições crioulas que emergiram nos Estados Unidos, Caribe e América do Sul (Hoodoo, Voudou, Santeria, etc.)
Wiccanos e Pseudo-Wiccanos
Aqui encontramos um grande grupo que, ou são Wiccanos mas se chamam de häxor, ou são aqueles que adaptaram as características principais do que acreditam e praticam da Wicca enquanto confundem com o que o häxor acredita e pratica.
É neste grupo que encontramos tais generalizações como a que todos os häxor celebram os oito sabbaths wiccanos, vivem pelo Wiccan Rede (um não ferir ninguém, faça a tua vontade) e aderem à lei tríplice que dita que tudo o que você faz volta para você triplicadamente (e a interpretação do que isto significa na realidade pode ser qualquer coisa, do muito literal ao altamente simbólico).
Desde que existem tantos livros sobre o assunto e a palavra escrita é geralmente é percebida como verdadeira, e é geralmente aqui que encontro a mais certeira e barulhenta oposição em qualquer momento em que discuto o conceito häx. Isto é piorado pela questão relacionada de que Wiccanos que se chamam de bruxos sem igualmente compreender completamente esta palavra.
Por que usar uma palavra quando você não sabe o que ela significa?
É como se aqueles que argumentam que qualquer um pode se chamar de häxa são aqueles que investiram toda a sua vida mágica/mística e/ou religiosa no título häxa. Eles sentem que tanto está em jogo que se não puderem se chamar de häxa, eles não podem continuar com sua obra de forma alguma. Geralmente sou percebida como mesquinha e elitista por eles quando argumento que nem todo mundo pode ser um häxa e que assim, o título não deve ser usado levianamente. Posso concordar que seu seja mesquinha, se alguém que diz sua opinião e declara fatos possa ser considerada mesquinha. Eu sou uma elitista se isso for o mesmo que acreditar que ninguém pode fazer tudo, e que seja preciso um grande compromisso individual se uma pessoa quer realmente se chamar de häxa.
A coisa mais lógica a se fazer – na minha opinião -, é descobrir o máximo possível a respeito do título antes de se usar. É uma questão de integridade e respeito, tanto por mim e também para a tradição por trás do título.
Infelizmente, a atitude parece sair mais e mais da moda, e parece haver duas razões para tal.
Primeiro, um tipo de idéia mal direcionada de democracia, onde a noção de que todos tem igual valor é erroneamente interpretada como um direito para qualquer um, sem importar seu grau de conhecimento, habilidade e experiência a se chamarem como se quiserem, pelo menos desde que o título não tenha que ser provado por um diploma, exame ou similar.
A segunda razão é a quantidade enorme de informações similares disponíveis numa única busca do Google. Se onze páginas com conteúdo quase idêntico dizem todas as mesmas coisas sobre o que um häxa, isto deverá ser lido como verdadeiro e poucos irão checar os fatos com outras fontes mais confiáveis. Procurar por informações offline usando a heurística para avaliar a qualidade dos fatos que você encontra parece ser uma arte que logo será esquecida pela maioria das pessoas.
Alternativas
O ideal seria se aqueles que buscam o título olhassem para o que fazem, acreditam e praticam, e escolherem o que gostariam de se chamar ao fazer aquilo. Muitos dos que se chamam häxa iriam descobrir que são wiccanos solitários, ou talvez aspirantes a sábios. Outros iriam descobrir como animistas ou adoradores da Deusa. Talvez um número maior fosse (neo) pagão em geral, desde que estão no começo da descoberta do que seus caminhos, crenças e práticas são.
Sumário
Eu não posso proibir ninguém de se chamar de häxa, e não quero privar ninguém de suas crenças ou práticas – mas espero que ter fornecido alimento para algum pensamento mais profundo e inspirado os leitores para olharem além do que aparentemente mais acessível. Talvez a palavra häxa possa ser trazida de volta à sua definição, e talvez mais pessoas possam encontrar um caminho que é realmente o seu próprio e não uma estrada de livros brilhantes e rasas páginas da web.
Gostaria de agradecer meu bom amigo e mentor Gandbera pelo auxlílio, sem seus insights, conhecimento e assistência, não haveria um artigo.
 
Do original: Häxa – the transformation of a Swedish word from ”woman of the Devil” to ”New Age catch-all”, escrito pela bruxa sueca Mari Högberg. Traduzido com permissão da autora.

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Respostas de 6

  1. “O homem que diz sou, não é, porque quem é mesmo, é ‘não-sou’.”
    Para que falar o que se é ? Sou da opinião que o silêncio é um dos meus melhores amigos e que se eu sou alguma coisa, só eu preciso saber, afinal ninguém pode driblar ou evitar sua própria consciência.
    Acredito que o texto reflita muito o que ocorre no mundo inteiro, e mais especificamente nas cidades grandes onde a mídia está constantemente acessando em ambas as vias. Os nomes e seus poderes são usados para criar fama, ou transformar a imagem, ao menos a autoimagem.
    Hoje peguei um panfleto da vidente Alyne, e a mesma graça que achei no Y, achei na lembrança que o texto evoca.
    Sobre os nomes, é melhor ter um título e ser reconhecido como tal, ou ser livre de todos eles e realizar seu trabalho despreocupado com a opinião alheia ?

    1. Creio que a autora deixou isso bem claro no texto, em especial no final, onde ela diz não poder cercear a vontade de ninguém. O texto serve para provocar o pensamento e questionar a coerência dos rótulos tomados. No final, sempre vale aquela máxima de Cornwall “You can walk the walk, you can talk the talk, but can you summon a spirit?”

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