O sociólogo Domenico de Masi defende uma abordagem mais lúdica e prazeirosa do trabalho. Segundo ele, não é próprio da espécie humana gostar de trabalhar, e os tempos modernos nos trazem a possibilidade de que todos trabalhem meio expediente, ganhando menos mas nos dedicando mais ao tempo ocioso de forma criativa, e principalmente abrindo mais vagas para quem está desempregado. Domenico apontou um ponto de convergência em todas as religiões: em nenhuma delas se trabalha no Paraíso. "Tenha o Paraíso sido criado por Deus, tenha sido inventado pelos homens, se o trabalho fosse um valor positivo, no Paraíso se trabalharia", afirma.
Especulam os analistas que em uma década terá havido uma verdadeira revolução na forma como encaramos o trabalho, como informa este trecho da interessante reportagem da revista Galileu de Julho de 2009:
"Para começar, esqueça essa história de emprego. Em dez anos, emprego será uma palavra caminhando para o desuso. O mundo estará mais veloz, interligado e com organizações diferentes das nossas. Novas tecnologias vão ampliar ainda mais a possibilidade de trabalhar ao redor do globo, em qualquer horário. Hierarquias flexíveis irão surgir para acompanhar o poder descentralizado das redes de produção. Será a era do trabalho freelance, colaborativo e, de certa forma, inseguro. Também será o tempo de mais conforto, cuidado com a natureza e criatividade.
A globalização e os avanços tecnológicos (alguns deles já estão disponíveis hoje) vão tornar tudo isso possível. E uma nova geração que vai chegar ao comando das empresas, com uma presença feminina cada vez maior, vai colocar em xeque antigos dogmas. Para que as empresas vão pedir nossa presença física durante oito horas por dia se podem nos contatar por videoconferência a qualquer instante? Para que trabalhar com clientes ou fornecedores apenas do seu país se você pode negociar sem dificuldades com o mundo inteiro? Imagine as possibilidades e verá que o mercado de trabalho vai ser bem diferente em 2020. O emprego vai acabar. Vamos ter que nos adaptar. Mas o que vai surgir no lugar dele é mais racional, moderno e, se tudo der certo, mais prazeroso."
Por ocasião dos eventos de minha vida, tenho trabalhado de casa (ou home office, como queiram chamar) aproximadamente desde 2005. Moro em Mato Grosso do Sul e trabalho para uma empresa do Rio de Janeiro – no entanto, o fato de trabalhar com web talvez explique o fato de eu ter, sem querer, "chegado mais cedo ao futuro". De qualquer forma, fato é que existem vantagens e desvantagens de se trabalhar de casa. Entre as desvantagens temos, principalmente, a falta de contato humano, a sensação de se estar "o dia todo enfurnado em casa", e uma maior cobrança e desconfiança de quem lhe pede o trabalho – afinal eles não estão do seu lado para ver o que está fazendo. Entre as vantagens temos, principalmente, um ambiente com menos stress para se trabalhar, o fato de não precisarmos nos deslocar fisicamente pela cidade e evitar o trânsito, e a possibilidade de desenvolver a disciplina e a qualidade do trabalho – o que reduz a desconfinaça de quem lhe contrata quanto a este método ainda heterodoxo no país. Em relação a esta breve descrição, tenho duas dicas importantes: a primeira é que uma ida a cafeteria após o almoço é psicologicamente essencial, pois evita a sensação de estarmos o dia todo em casa, e faz com que vejamos o sol, vejamos pessoas, etc; a segunda é que a disciplina é vital: sem ela, ou sem a intenção genuína de desenvolve-la, é praticamente impossível manter um emprego à distância (a não ser que o seu empregador seja realmente disperso).
Mas retornemos ao Paraíso de Domenico: será que, como ele afirma, todas as religiões compreendem que não há trabalho no céu? Não é preciso ser muito estudioso de teologia para encontrar diversos autores, e mesmo doutrinas religiosas, que defendem que há sim trabalho no céu, inclusive porque este "céu" seria, antes de mais nada, uma condição conquistada por nossa própria consciência e paz de espírito. Ora, diz-se que Deus trabalhou por alguns dias para construir todo o Cosmos, e depois descansou – mas será que ele está até agora "sentado no trono", esperando-nos para ficar lá, parados, admirando-o em êxtase por toda a eternidade? É esta a "mais profunda idéia de perfeição" que conseguimos extrair do entendimento de Deus?
Eu posso falar por mim: se entendemos toda a natureza como um sistema construído e mantido por Deus, isso significa que ele não só trabalhou naqueles dias iniciais, como decerto nunca "descansou", nunca deixou de trabalhar – afinal, as simetrias espaciais e temporais do Cosmos estão aí para nos provar isso. Se sábios disseram que "o trabalho dignifica o homem" e que "devemos ser julgados por nossas obras", porque esperar que justamente o Paraíso, justamente o Reino de Deus, seja um jardim onde ninguém precisa aparar a grama? Será que não existe jardineiro no céu?
Acredito eu que há duas idéias para o trabalho. Para uns, o trabalho é tudo o que fazemos para garantir o sustento e a manutenção meterial, uma espécie de mal necessário, talvez mesmo uma "escravidão consentida", para que possamos desfrutar de nosso tempo livre. E, como "tempo é dinheiro", marchamos apressadamente, como formigas desnorteadas em um grande formigueiro humano; Trabalhamos apressadamente, comemos apressadamente, interagimos com as pessoas (e conosco mesmo) apressadamente. Tudo para que, lá no final, percebamos que vivemos também apressadamente: todo nosso "tempo livre" escorreu pelas mãos, e ao invés de termos realizado obras das quais nos orgulhar, tudo o que conquistamos foi, quando muito, números em uma conta bancária.
Já para outros, e talvez sejam hoje a grande minoria, o trabalho é uma obra viva. É a essência do que são, o grande objetivo de estarem por aqui. Não trabalham para acumular migalhas eletrônicas em uma tela de home banking, mas para realizar algo, e de preferência contribuir para que a comunidade, a cidade, o país, enfim – para que toda a humanidade realize algo de bom. Estes não vêem a sua frente chefes carrascos ou gerentes mesquinhos, mas apenas seres, com maior ou menor ignorância, que tocam a vida da melhor forma possível. Não trabalham para eles, não seguem ordens: trabalham para si mesmos, e para o mundo. Da mesma forma, não vêem os que lhe estão abaixo na escala salarial como seres inferiores, mas apenas como seres iguais a ele, realmente iguais, e extremamente importantes no contexto do sistema global. Se não existissem lixeiros, nossa vida seria um lixo. Se não existissem condutores, não sairíamos do lugar. Se não existissem pequenos comerciantes, não teríamos onde comprar. Ou seja: não é uma lógica tão difícil de ser compreendida.
Foi preciso a grande ameaça do aquecimento global para que finalmente o mundo empresarial se conscientiza-se de que a ecologia deve fazer parte do objetivo a médio e longo prazo de toda empresa. É um tanto desalentador que a humanidade ainda precise de pressões do sistema-natureza para que volte a caminhar na passada correta. Mas, se somos realmente um bando de preguiçosos aniosos por achar um céu onde encostar, pelo menos a natureza nos demonstra que ainda pode, talvez por mais algumas décadas, nos esperar para essa caminhada conjunta. Deste trabalho conjunto entre homo sapiens e natureza, há muito mais a se comemorar do que temer. Afinal, se o homem não destruir a si próprio, é bem possível que saia dessa crise compreendendo enfim que em todo o Cosmos, em todas as suas infinitas moradas, tudo o que há é trabalho!
Será que, quando chegarmos enfim ao céu, não serão os jardineiros os grandes beneficiados? Para eles, haverá sempre vaga no céu. Para todos os outros, talvez tenham de retornar para a terra e arranjar outro trabalho. Pois que se Deus trabalha sem cessar, ele não poderia esperar que entrássemos em seu Reino de outra maneira que não de mãos dadas, cada qual sabendo sua divina função a empenhar, cada qual compreendendo que embora não passe de mais uma formiga do imenso formigueiro divino, não deixa de ser essencial para Deus, e para todo esse sistema infinito.
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Crédito da foto: FAROOQ KHAN/epa/Corbis
O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.
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Respostas de 13
Ocio eterno? Seria um inferno…kkkkk… acho que sou hiperativo! Custo conseguir uma meditação zen! Minha mente e sentimentos não páram… é exatamente trabalhando que me salvo de mim e do “eu” que é meu pior demonio. O ócio só seria bem-vindo numa completa e eterna meditação zen, na qual não há pensamento, não há nada, exceto o estado de plena graça e união com o infinito. E quem consegue isso por muito tempo?! Quando um pensamento cruza a mente, já caímos novamente na Roda, já reemergimos do Mar…
@raph – E dizem que Buda, após alcançar finalmente o Nirvana, passou o resto de seus dias tentando ensinar aos outros como se conectar com essa tal paz de espírito…
Lindo na teoria, mas a realidade muda um pouco a visão das coisas. Sempre me questiono se eu realmente tenho alguma utilidade, e o pior é que a cada dia que passa fico mais certo da resposta… :/
Liga pra mim não, tô um pouco depressivo hoje…
@raph – Se você não consegue encontrar a própria utilidade (e isso é muito comum, basta ver quanta gente não faz ideia do que prestar no vestibular), o ideal é tentar procurar a utilidade que o outro vê em você… Muitas vezes, é através do outro que encontramos nossa própria utilidade. Quero dizer: isso não tem nada a ver com servidão, mas com amor.
O Domenico dizia que trabalhar era bom apenas quando vc aprendia e se divertia ao mesmo tempo. Acho a proposta legal pelo fato de incluir mais ludicidade na vida das pessoas. Não é o fazer nada, mas aliar prazer ao fazer…
Ele foi tema do meu TCC na faculdade. ^^
@raph – Pois é, acaba sendo um jogo de palavras. Na verdade, o melhor trabalhador é aquele que nem percebeu que está trabalhando, ou que, mesmo percebendo, não viu ali nenhuma fonte de angústia, e sim de alegria. Também é preciso lembrar que nem todo trabalho é uma relação remunerada. A Natureza não nos paga em cédulas de papel.
Sem contar toda a construção histórica de depreciação e de sua suposta ligação imediata a dor e sofrimento. É praxe as pessoas gostarem de se reunir para falarem mal dos seus “tripalliums”, não que isso indique que trabalhar em si é bom, mas que tem muito desse murmurar obrigatório, que é por um lado catártico também. O ócio é bom e necessário, o trabalho também, o difícil é alhinhá-los a uma demanda tão vasta de prazeres a serem supridas.
Por fim seria útil dizer que sem o icentivo a trabalhos mais alinhados ao prazer individual, coisa que ao meu ver é difícil de acontecer pois o que o mercado (e nós fazemos o mercado) quer são pessoas insatisfeitas para que se “satisfaçam” com seus produtos, e uma reformulação semântica do que é trabalho vai ser um tanto difícil conseguirmos tal status de plenitude.
Parabéns pelo post.
@raph – Pois é, acho que foi exatamente isso que o Dahmer criticou na tirinha abaixo (comentário do jaum)… Quando as pessoas passam a encontrar alegria dentro de si mesmas, e a “se bastar” sem grandes necessidades de gadgets de ponta e carros grandes, o Supermercado chia e diz que “uma grande crise se aproxima”. Pois bem: as vezes, as crises são boas 🙂
hahahha fantástica a tira.
Exatamente isso. Prazer em fazer. E não tem mesmo nada a ver com dinheiro e sim com colaborar com o meio em que vive exercendo uma função em prol do todo.
@raph – Exato, para o “selvagem” em sua tribo, não há trabalho, mas há colaboração em prol da sobrevivência da tribo. Mas eles não têm o luxo de possuir alguns momentos de “ócio” diários, e acredito que esse seja o problema que o Domenico aborda em relação ao homem urbano: conquistou o luxo de poder viver, e não somente sobreviver, mas em geral não sabe o que fazer com ele (e acaba fazendo besteira, se entediando com a vida, ou acreditando que a felicidade é definida pela CNN e o Walmart).
Seguindo a própria linha de pensamento que você desenvolveu aqui sobre a questão do trabalho, eu recomendo a leitura do texto “Elogio ao Ócio” do Bertrand Russel. Ele faz uma crítica bem interessante ao trabalho na sociedade capitalista fugindo da usual crítica Marxista.
Abraço,
Igor Teo
@raph – Achei aqui, vou ler quando tiver um tempinho, valeu… http://antivalor.vilabol.uol.com.br/textos/outros/russel.htm
@raph – Nossa, realmente extraordinário o texto. O Russel então, acho que está pelo menos 2 ou 3 séculos no futuro, vai demorar até todo mundo acompanhar essa nível de sabedoria 🙂
O que acredito que as pessoas esperam é que lá no “céu” elas elas tenham prazer naquilo que fazem. Não ter que trabalhar por que precisam pagar suas contas, etc. Lá no “céu” como muita gente espera e eu tb eu continue trabalhando mas feliz, fazendo e me dedicando aquilo que me interessa que me faça sentir útil.
Afinal de contas o trabalho engrandece não é o que dizem?!
abs.
@raph – Infelizmente nem todos pensam assim, acho que muitos pensam em simplesmente descansar mesmo, como se o Céu fosse uma viagem sem volta para algum ponto turístico do mundo… Quando o Céu é algo que ocorre dentro da gente, algo que sempre esteve lá, e não havíamos percebido antes. Este “engrandecimento” que citou, este sim, pode nos levar diretamente ao Céu 🙂
pra complementar o post com um toque de humor:
http://www.malvados.com.br/index1598.html
Perfeito, “A Natureza não nos paga em cédulas de papel”, mas ela “trabalha” não é mesmo?
@raph – Incessantemente, como a Gravidade 🙂
Sugiro esse documentário:
http://blogflanar.blogspot.com.br/2012/04/repensando-o-dinheiro.html
É sobre a nossa atual “motivação”, e mostra como solução basicamente a “economia” da natureza, fica bem evidente o porque de tantas pessoas não encararem o trabalho como uma obra viva, e de quebra abre bem a mente sobre o que é dinheiro. =D
No link há uma breve descrição, bem melhor que a minha (e o blog é ótimo também).
Talvez aja primeiro uma verdadeira revolução na forma como encaramos o porque do trabalho, para ai sim ele ser a essência do que somos, e uma vez que trabalho seja para maioria das pessoas um fardo (depois de ver o documentário), concluiria que:
“…compreendendo enfim que em todo o Cosmos, em todas as suas infinitas moradas, tudo o que há é cooperação!”
Muito bacana texto Rafael, valeu!
@raph – A revolução futura já derrama parte de sua luz no presente, prova disso é como tivemos já tantos comentários que parecem ter compreendido exatamente do que se trata essa “mudança de paradigma”… Nessa palestra para o programa Café Filosófico da TV Cultura, Marcos Cavalcanti nos fala sobre o “trabalho na era do conhecimento” – ele parece ter chegado no futuro um pouco antes dos demais: http://textosparareflexao.blogspot.com/2010/05/o-trabalho-na-era-do-conhecimento.html Abs!
Fantástica a palestra do Marcos Cavalcanti! O documentário também explica bem a problemática do dinheiro…
Estamos mudando aos poucos mas estamos mudando. Dá pra ficar um pouco mais feliz.
Falar que não se trabalha no paraíso em NENHUMA religião me parece um pouco de exagero… E o espiritismo kardecista? Lembro que no filme “Nosso Lar” as pessoas trabalhavam no “céu”…
@raph – Infelizmente o espiritismo não é lá muito conhecido na Europa, não tanto quanto no Brasil pelo menos (talvez em Portugal e na França, mas Domenico é italiano). Se o Domenico de Masi ouviu falar ou leu os livros de Kardec, não achou relevante o suficiente para levar em conta… Mas, independente da “popularidade” da doutrina espírita (o que não diz muito sobre estar ou não mais próxima da verdade), no espiritismo o conceito de céu não é o mesmo do cristianismo ou do islamismo: primeiro porque não existe um “céu eterno”; segundo porque se trabalha no céu (ele não é assim tão diferente do nosso mundo, afinal); e terceiro porque se nasce de novo.
Não concordo que o trabalho sera mais prazeroso nos proximos anos, pois o que faz do trabalho um desprazer na maioria das vezes não é o cansaço fisico e sim a falta de sentido da maioria dos trabalhos em si. A grande massa vai continuar a sofrer com o seus trabalhos. Sei que estamos entrando na nova era, mas vejo muitos a entender que isto esta relacionado a um desenvolvimento economico-capitalista. LEMBREMOS QUE ESTE DESENVOLVIMENTO ESTA PAUTADO NA DESTRUIÇÃO DE RECURSOS AMBIENTAIS,O QUE CONSEQUENTEMENTE LEVA AO DESEQUILIBRIO, ENTENDO QUE PARA ENTRAMOS NA NOVA ERA SERA NECESSARIO MUITO SOFRIMENTO,,,A VERDADE É QUE NINGUEM QUER SOFRER, MAS A TODO MOMENTO ESTAMOS CAUSANDO SOFRIMENTO A ALGUM SER, E ISTO GERA KARMA, QUE IMPRETERIVELMENTE TERÁ DE SER PAGO…CAUSAMOS SOFRIMENTO AOS ANIMAIS ,PLANTAS, PESSOAS, PLANETA E A NÓS MESMOS…CAUSA E EFEITO SÃO INEVITAVEIS TEREMOS QUE COLHER OS FRUTOS DO QUE PALNTAMOS A MUITOS ANOS E TAMBEM DO QUE CONTINUAMOS A PLANTAR…VEJO MUITOS QUE SE DIZEM ESPIRITUALIZADOS CAUSANDO SOFRIMETOS A OUTOS SERES, NO ENTANTO ESTES ACHAM QUE NÃO DEVEM SOFRER POR ISSO…
@raph – A beleza do sistema é que existem seres nos mais variados estágios, convivendo num mesmo “mundo”. É claro que não vai ser “fácil”, mas a Natureza nunca nos deu um único almoço grátis – tivemos de trabalhar por ele, tivemos de evoluir.