Fome…


Os caminhos que trilhamos, se eles falassem… O dia vai cessando e na mente uma agonia que não passa. Adocicando o tempo com a espera… tão amarga. Vejo tantos de boca cheia, enquanto outros… mas não falo de comida.

Percebo o olhar, e como sei que pra muitos vale mais um nome escrito do que as sutilezas desse perceber, tento não me fazer ser entendido e acabo por conseguir… ninguém de fato quer saber. Mesmo por que o que diriam ao ver-me levantando o dedo e traçando no ar um esquema? Provavelmente nada, não sabem mais nem temer. E assim de fato os novos tempos em que vivemos estão cada vez com menos pessoas se proclamando a besta… ou o mago… na verdade sempre foram poucos, os chalartães é que perderam o feitiço para Hollywood e correram atrás de enganar as máquinas e as assinaturas, pois continuam presos ao valor… a posse desses valores. E eu, como vários, inflamo o pensamento ainda com o dedo em riste, esperando o pulsar da vida para declarar meu intuito. Sinto o vento reacendendo o movimento nas árvores que bailam. Sinto o cheiro ocre da fumaça da cidade e escuto os passos e ruídos, acompanhantes eternos da nossa jornada. Sinto o primeiro pulso… ainda não é agora.
Alguns ao se disfarçarem desta normalidade atual provam do próprio veneno e cegam, mas admito que melhor isso do que a sujeição tola dos crédulos do passado. Era muito fácil convencer a mente alheia, bastava um pouco de brilho e palavras fortes, estavam todos enfeitiçados e subservientes. Hoje, ainda que muito comum isso, em termos de quantidade nem se compara. Onde antes milhões se matavam por uma bandeira, hoje tantos correm atrás de uma pensão justa ao sacrifício. É quando penso: e o meu sacrifício?
Olho para os lados vendo vários animais bípedes perfeitos para o abate, mas me corrijo… sujar-me com sangue é a maior das maldições… e antes de deixar as asas da minha imaginação domar-me, reflito calmamente neste instante… e neste exato instante; tanto sangue já está sendo derramado! Uns caem no chão, outros direto na cova… uns jogados ao mar, outros se chocam contra a porta… e a vida, resignada, sente e continua a fluir… sendo assim o único sacrifício que por direito tenho é o meu próprio, mas não seja tolo e não me entenda errado… não me entenda errado. Assim sacrifico o meu medo, por que o meu dedo é bem mais útil inteiro. E quando o sacrifico, percebo-o se escondendo no rosto alheio, me confundindo… tramando uma ressurreição. Não! Desta vez não. Basta de cruzes e credos, basta de ódio eterno, basta de inferno e céu… estes que são o verdadeiro conflito eterno. Basta! O sangue já pinta a cara de tantos nas folhas de jornais espalhadas pelas ruas, não precisamos de um defunto preso com prego por quem lhe adora, por quem chora os erros alheios e esconde os próprios… sinto então o segundo pulsar, mas ainda terei de esperar.
Impinjo no esquema um novo ponto. Traçando suavemente, até pareço estar em ‘slow motion’, aprimoro o acaso. Lapido a inspiração e começo a conter os 90% restantes de esforço. Vem à mente de tudo um pouco. Uma sephira brilha na árvore que já se anunciou, outrora, discretamente. Um olhar povoa minha mente, não vem de fora. Percebo os meus níveis de energia, mas se achar melhor, percebo a resistência do meu humor. Conclamo os mundos internos sem pronunciar nada, pois consigo chorar sem estas chulas mágoas. Tremo e teimo diante da força de mim mesmo. Brilho mais que o sol e num único desejo paro, de parir, o mundo inteiro no terceiro pulsar… no entanto espero calado.
O mundo ao redor continua, contínuo… incessante, mas não mais estou, somente, nesse agora… as vozes de outrora surgem e dialogam comigo, como brumas, como vultos, como lembranças turvas, como muitos na face de um:
– Acalme-se! Vê o tanto que conquistas a cada segundo? Sabes bem que não serve de nada se promover, pois só toca a pedra cúbica aquele que merecer. De honrarias e glórias somente os tolos hão de degladiar-se por tais vis méritos. Aquele que é, não precisa se fazer perceber. Nem de nome mais ele precisa, precisa somente escrever… junto à divindade e em plena vida. Correndo demoradamente do começo ao fim, encontra e encontrará sempre outros iguais a ele sem temer. Sê sempre discreto, mesmo em meio às esquisitices, que de esquisitices o mundo está repleto, não hão de te condenar por tua verdade, mas por ela não ser a mesma verdade deles. Portanto se não compreendem que o importante é o agora, basta que tu faças o teu agora… talvez de fato a imagem valha mais do que palavras e quando fordes embora, olharão com demora o teu rastro… uns implicando contra… outros em prantos desejando tua volta… outros percebendo que eles também criam rastros.
Assim acordo, dos instantes sonoros passados. Ainda com o braço erguido, parecendo um esforço de horas, nem ao menos segundos se passaram. Implico e instigo… povoado ainda por muitos, chego enfim ao delírio… o quarto momento começa, sinto suas pernas e braços, sinto sua métrica… sinto fome.
Djaysel Pessôa

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Respostas de 11

  1. Rapaz, escreveu feito um outro “Pessoa”. Parabéns. Lembrou-me o “O Último Sortilégio”, poema desse outro “Pessoa”…
    @Djpes: fico mais que horando com essa comparação… mas estou mui longe ainda. Abraços e agradecido! =D

  2. blablabla… aqui todo mundo é tipo “misantropo” sei lá… vivem falando em animais bípedes… em pessoas idiotas, gado, etc… todo ser é uma estrela! vcs tem que abrir a mente de vocês.
    @Djpes: e pelo jeito você já tem idéias formadas demais para se deparar com algo que não compreende. Além de já demonstrar um nível de misantropia igual a qual você nos acusa. Ou você é incapaz de pensar antes de escrever, ou tem problemas sérios em interpretação de texto.

  3. Apesar de ser ainda uma criança engatinhando nesse tipo de conhecimento, as vezes sinto o que vc disse aqui:
    “não hão de te condenar por tua verdade, mas por ela não ser a mesma verdade deles.”
    Achei o seu texto lindo, parabéns.
    @Djpes: =]

  4. esse penúltimo parágrafo é genial, deixa sem palavras…
    Obrigado pelo texto.
    Grande abraço.

  5. Queria que meus colegas, estudantes de Letras, largassem a mera métrica para escrever versos tão lindos/livres como estes assim.
    @Djpes: estou lisonjeado e agradecido! Abraços!

  6. O Universo tem fome e se devora… cíclico, metamorfoseante… Esfomeada serpente que devora a si mesma… Antropofagia da alma, mente a devorar mentes… Fome…
    Parabéns pela acidez que tanto prezo, meu caro…
    @Djpes: aprendendo sempre cumpadre… através da força e conhecimento que sua amizade proporciona!

  7. Escreve muito bem.
    Quanto mais sentir a grandiosidade do Eu, não se esqueça da parte que deve ser alimentada cada vez menos.
    Obrigado
    Abraço
    @Djpes: nesse sutil conflito a harmonia… abraços

  8. Seu dedo em riste possui poder para animar corações, trazendo seu dono à outro nível de vida, se utilizar o gesto correto e sob a lua adequada. Já sobre ressurreições, você pode reaver a função “curiosidade” nos indivíduos, função sem o qual não existe avanço inovativo à coletividade.

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