Entendendo a Magia do Caos

chaos+magicQual é o melhor livro de Magia do Caos para iniciantes? Essa é provavelmente uma das perguntas mais frequentes que me fazem. Os primeiros livros de Peter Carroll ainda possuem influência forte da magia cerimonial tradicional, enquanto seus livros mais recentes (com a possível exceção de Epoch) estão repletos de fórmulas matemáticas e explicações de física para serem plenamente compreendidos por todos. Sendo assim, eu costumo recomendar “Understanding Chaos Magic” de Jaq D Hawkins, especialmente por conter uma história da Magia do Caos e explicações acessíveis sobre a Teoria do Caos. Esse é um dos livros mais populares de MC na Alemanha.

A partir de alguns conceitos apresentados nesse livro, irei delinear algumas ideias gerais do que seria o caoísmo na magia. Essa não é uma tarefa fácil, já que esse sistema de magia moderna (metassistema, ou “atitude” em relação à magia) está constantemente se transformando e com certeza não é mais o mesmo que era na década de 70. Porém, saber o que estava ocorrendo no cenário do ocultismo, na ciência e na arte algumas décadas atrás nos dará boas pistas dos motivos de algo como a MC ter surgido, alguns de seus objetivos e importância.

Jaq D Hawkins pediu para Kenneth Grant, que guardou muitos dos escritos de Austin Osman Spare, responder a uma série de perguntas sobre seu velho amigo, o que resultou numa história detalhada e exclusiva sobre o autor. A própria palavra “Caos” é primeiramente associada com AOS, e a IOT seria posteriormente considerada por Carroll como a herdeira mágica do Zos Kia Cultus (Ordem espiritual desenvolvida por Spare). A obra SSOTBME de Ramsey Dukes e os escritos de AOS influenciariam os magistas que formariam a IOT.

O objetivo inicial dessa nova Ordem seria diminuir a estrutura hierárquica e colocar um enfoque em magia criativa e novas abordagens mágicas. Contudo, alguns problemas gerados por essa nova hierarquia persistiram, o que gerou a saída de alguns magistas, como Ray Sherwin. Parte da IOT germânica separou-se para formar a RIOT (Renegade Illuminates of Thanateros). Ainda assim, foi uma proposta ousada em relação à estrutura mais rígida de outros grupos, o que fez com que a Ordem se espalhasse até mesmo para o Oriente. Um dos exemplos é a seção japonesa da IOT (um dos ex-membros mais conhecidos é Kurono Shinobu, com livros de MC publicados e que hoje faz parte do grupo Kaos Knights).

E enquanto a IOT surgia, Mandelbrot desenvolvia a matemática do caos. Posteriormente Peter Carroll faria a conexão. Como disse Charlie Brewster em seu livro Liber Cyber, o fato de a Magia do Caos e a matemática do caos terem surgido mais ou menos na mesma época seria mais uma das notáveis “coincidências” que permeiam o meio do ocultismo. Porém, as sincronicidades não acabam por aí.

O caoísmo nasceu pouco após a Geração Beat, que foi marcada por um grupo de autores influenciados pela desilusão gerada pelo período pós Segunda Guerra Mundial. Foi uma época em que o mundo estava fortemente caótico e os artistas desejavam expressar essa aparente ausência de sentido na arte. Um dos nomes mais notáveis foi William S. Burroughs (ele mesmo um membro da IOT) com seu livro “The Third Mind” e com sua técnica de cut-ups, cortes de textos aleatórios, também utilizada por poetas como Tristan Tzara e Arthur Rimbaud.

Outro escritor importante a desenvolver ideias sobre o caos na literatura foi Michael Moorcock, tido como o criador do Símbolo do Caos, a caosfera (embora a origem remota desse símbolo seja alguns séculos mais antiga. Essa origem é debatida nos livros de Anton Channing). Moorcock criou os Deuses do Caos e o conceito do Campeão Eterno. O Caos era descrito em sua série “Elric of Melniboné” como essencial para manter o Equilíbrio Cósmico, juntamente com as forças da Lei. Desnecessário dizer que muitos caoístas da década de 80 eram leitores ávidos de Moorcock e era comum haver a evocação dos Deuses criados por ele em trabalhos de MC. Eu comprei o primeiro livro da série no ano passado e tirei uma foto do símbolo, que deixo aqui para referência.

E no que consiste a ciência do caos? Ela influenciou áreas como a matemática, física, química, biologia e meteorologia. Ela estuda as conexões entre as irregularidades. Edward Lorenz foi um meteorologista que notou o fenômeno da dependência sensível às condições iniciais. Isso significa que por mais que se possa prever com alguma precisão como o tempo será amanhã (considerando as causas centrais), quando se trata de prever o tempo daqui a, digamos, muitas semanas ou meses, a imprevisão aumenta cada vez mais (pois há muitos fatores menores que, com o passar do tempo, acabam se acumulando e interferem no fenômeno central). Esse é o Efeito Borboleta.

Mandelbrot reconheceu que as montanhas não são cones, de forma que não bastava utilizar a geometria euclidiana e simplificar usando uma forma platônica ideal para resolver o problema. Padrões caóticos seriam a ordem da natureza. Batidas regulares no coração humano levariam à morte. O sistema circulatório segue o modelo da geometria fractal, operando entre o periódico e o aperiódico.

Os sistemas caóticos seguiriam apenas uma desordem aparente. Conforme diz Hawkins, o caos não seria tão aleatório como aparenta, mas uma sutil forma de ordem. Porém, é ainda mais complexo que isso. Existe o conceito de Caos Determinístico, o qual supõe que nem todo o efeito está completamente contido na causa, podendo interagir com outros efeitos, havendo portanto uma simultaneidade de processos. Algumas dessas ideias são debatidas pelos filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari em “Mil Platôs”.

Para saber mais sobre a Teoria do Caos, praticamente todos os caoístas que conheço recomendam sempre o mesmo livro: “Chaos: Making a New Science”, de James Gleick. E para se aprofundar mais na história da Magia do Caos eu recomendo o clássico “Book of Lies: The Disinformation Guide to Magick and the Occult”. Eu fiz resenhas no meu blog de praticamente todos os livros citados nessa postagem.

Para finalizar, gostaria de deixar alguns trechos relevantes do livro da Hawkins, que resumem a ideia da importância da criatividade na magia:

“Tem havido um enorme crescimento no número de pessoas que tentam imitar os métodos de Spare, e ainda assim eles perdem o ponto de sua mensagem principal de que devemos cada um de nós desenvolver nossos próprios métodos de magia, ou seremos meramente imitadores”

“Não há um conjunto de feitiços específicos que são considerados ‘feitiços de Magia do Caos’, embora exista um número de ‘trabalhos mágicos’ e métodos de feitiços que se tornaram comumente praticados por indivíduos e em alguns grupos de Magia do Caos. Isso é simplesmente uma questão de escolha feita por essas pessoas que optaram por se tornar membros desses grupos”

“Tocar os limites mais profundos da imaginação e trazer as forças criativas do caos primordial não formado para seu trabalho mágico é a mais sincera de todas as magias”

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Respostas de 10

  1. Sensacional, estou adorando os livros de magia do chaos, principalmente a suas recomendações. Mas sabe onde posso conseguir esse livro aqui no BR ou online, achei uma versão pdf com umas 40 páginas e achei ótimo, mas parece que a versão oficial é somente física, não existe nenhuma opção de ebook.

    Mas parabéns pelo excelente trabalho!
    @Wanju – Obrigada! Não sei onde conseguir esse livro em uma livraria brasileira. A Livraria Cultura tem vários livros de magia do caos, mas não esse. Dá pra comprar pela Amazon, na Treadwell’s e possivelmente em outras livrarias estrangeiras. Essa versão de 43 páginas que você achou está completa, pois o livro original tem 118 páginas e cada página inteira num pdf corresponde a duas páginas num livro impresso (e no original além disso tem a dedicatória, sumário, etc). Há apenas umas pequenas diferenças entre essa edição e a segunda. Quero dizer, eu ainda não comparei as duas edições detalhadamente para te afirmar se essa primeira edição que você tem falta muita coisa, mas olhando rapidamente parece conter o essencial.

  2. Gosto muito dos seus textos e também dos seus livros, Wanju!
    Também gostei bastante do termo “atitude de Magia do Caos”, acabei me identificando. Quando estava começando nos estudos de magia li muito sobre MC, justamente porque tava procurando um ponto de vista diferente do hermetismo; e mesmo que hoje esteja com mais afinco em outros sistemas, absorvi muito deles e hoje considero que tenho a “atitude” da MC mas aplicando nas áreas que me envolvo agora. Já cheguei a ser criticado com frases como “Mas é perceptível a influência do Caoísmo na sua prática!”, mas mal sabem eles que tomei como um elogio… lol
    @Wanju – Muito obrigada, Dan! É isso mesmo, dá pra aplicar essa atitude caoísta em relação à magia para qualquer outro sistema. Todos os sistemas de magia hoje que chamamos de tradicionais ou modernos um dia foram criados por alguém. E todos eles foram sistemas criativos e inovadores na época em que surgiram, quebrando padrões em relação ao que vinha sendo feito até então. Ao mesmo tempo, sempre que se cria algo nunca é 100% original, pois sempre há influência do que já foi feito. Sendo assim, espero que o caoísmo passe cada vez mais a ser visto não como um ataque aos sistemas tradicionais, mas como uma percepção mágica que leva em conta novos pontos de vista, sem desconsiderar os antigos.

    1. Sim, exatamente! Sempre faço esse questionamento, “e quando a tradição não era tradição?”. Temos arquétipos mitológicos e divindades que são justamente seres que buscam aprender e inovar sempre, por que não seguir isso? É uma postura que faz tudo estar em movimento e crescimento constante e que só tem o que acrescentar. Foi a maior lição que tirei da Magia do Caos.
      @Wanju – É maravilhoso quando tudo está em movimento e não somente em torno dos mesmos pontos, mas explorando novas possibilidades. É claro que cada um pode ficar à vontade para sempre explorar o que quiser, seja um sistema novo ou antigo. No livro Epoch, Peter Carroll monta um panteão acrescentando Deuses e arquétipos mitológicos das mais diferentes culturas e épocas, inclusive adicionando alguns mais modernos, e outros que estavam meio esquecidos. Vale a pena ter novos olhares tanto em relação a magias bem antigas que foram deixadas de lado quanto com o que está nascendo agora ao nosso redor. Novos Deuses nascem e morrem o tempo todo.

  3. Muito bom wanju, já estou lendo os livros indicados…..
    @Wanju – Valeu, Marcos! Você certamente irá encontrar muitas coisas interessantes nesses livros. Boa leitura!

  4. Wanju, só uma pergunta meio off. Quantos anos você tem?
    Obrigado.
    @Wanju – Tenho 28, estudo e pratico ocultismo/magia há 15 anos.

  5. Olá Wanju,
    Tenho acompanhado teus textos por aqui e só tenho a te parabenizar pelo trabalho de divulgação do Caoísmo. De todas as formas de magia, o Caos Magick é para mim o mais inspirador e tenho aprendido muito com tuas referências de livros etc. Pratico há uns dois anos o processo de sigilização e (se serve como depoimento) TODOS os sigilos que lancei “vingaram”, embora o caminho pelo qual a maioria dos resultados vieram foi inusitado para mim (muitas vezes causando verdadeiras transformações – alheias ao pedido dos sigilos). Até sugiro que vc faça por aqui um post sobre isso: “Os caminhos pelos quais o sigilo viaja materialmente” até o desejo final do “sigilizador”. No mais, um grande abraço e prossigo acompanhando. VIVA O TDC!
    @Wanju – Oi Ricardo! Muito obrigada! Achei bem legal tua sugestão de post. Os sigilos normalmente operam por caminhos inesperados, especialmente porque somos orientados a esquecê-los, para que assim a magia atue naturalmente pelos meios mais efetivos, em vez de seguir os caminhos que a mente consciente desejaria (que não necessariamente seriam os mais interessantes). É um grande tópico para reflexão. No final, nunca podemos saber a maneira exata que a magia atua, mas a forma de ativar o gatilho para que ela comece a funcionar de incontáveis maneiras. E viva o TdC! Abraço.

  6. Quando sai SS parte 2 ?
    @Wanju – Está sendo escrita nesse exato instante. Deve sair lá pelo meio de agosto. Valeu pela lembrança, Hellyaz!

  7. Oi, Wanju!

    Já chegou a ler o livro “Chaos Magick: Its Salient Features”, de Anousen Leonte? O li e achei um livro introdutório ao assunto, Magia do Caos, muito bom.
    @Wanju – Já ouvi falar, mas ainda não li. Parece bom e vai direto ao ponto. Obrigada pela sugestão.

  8. Olá Wanju! Tudo bom?
    Tenho lido alguns textos seus nesse e no seu blog. Vi várias recomendações de livros no blog, mas parece-me que não há livros físicos clássicos de magia do caos em português. Estou certo ou não estou sabendo procurar? Rs
    Em versão física, em português, qual você recomendaria para se ter as bases da magia do caos?

    @Wanju – Oi Paulo! Eu acho que em versão física e em português, o único que me lembro é “Onde vivem os demônios” do Frater U.D. As editoras brasileiras não arriscam lançar livros sobre Magia do Caos porque não vende. Inclusive o Ramsey Dukes já disse nos livros dele que até na Inglaterra as editoras não gostam de apostar nesse tipo de livro.

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