Por: Colorado Teus
Esse post é uma continuação de uma série de textos que começou com Reflexão sobre a Umbanda, passou por Por que religar? e, por fim, o texto que é imprescindível de se entender antes de ler esse: Espaços mágicos e correntes. Volto a lembrar que me refiro à Umbanda Sagrada nesses textos, segmento que foi decodificado por Rubens Saraceni e que tem um sistema simbólico bem diferente da maioria dos outros segmentos de Umbanda.
Apesar da expressão relativamente nova construída por Peter Carroll (com fundamentos muito desenvolvidos por Spare), Magia do Caos é algo que se faz há muito tempo. Na realidade, o mergulho no caos foi feito por praticamente todo mago inovador, que construiu um sistema próprio ou modificou sistemas previamente estruturados. É importante entender que a magia do Caos não é feita em Hockmah, mas sim em Hockmah que existe dentro de Binah (ele chama pelo caos dentro do espaço mágico). A imagem do “mago do Caos” não é a do “Louco” que simplesmente se joga no desconhecido, mas do “Mago” que abre caminhos. Entenda, magia do caos não é simplesmente dar vazão a todo tipo de esquizofrenia, mas sim estudo e dissecação em busca de leis onde não se via antes. O mago do caos é um estudioso, ele transcende a ordem.
Para ilustrar a forma como a Umbanda enxerga a Magia do Caos (sem utilizar esse termo, obviamente), imagine que você queira atravessar uma floresta e chegar do outro lado. Você tem a opção de seguir uma estrada que já esteja pronta ou buscar alternativas, criar novos caminhos.
Um mago que trabalha primordialmente com a Ordem buscará saber como a estrada foi construída, para onde ela leva, por onde ela passa, quais são os perigos e desafios. Buscará conselhos e dicas de pessoas que já passaram por aquela estrada, podendo até mesmo formar um grupo que será guiado por alguém que já tenha alguma experiência com ela.
Um mago que trabalha primordialmente com o Caos pode até estudar essa estrada e tudo mais, mas sentirá que está perdendo muitas das oportunidades que a floresta toda tem a oferecer. Provavelmente embarcará numa aventura de desbravamento e tentará conhecer a floresta profundamente, abrindo novos caminhos. Muitos acabam conhecendo coisas muito legais e até mesmo deixam para lá seu objetivo inicial de quererem atravessar a floresta.
De alguma forma, aquele que atravessa pela estrada, pode querer criar um novo caminho na viagem de volta e se aventurar; da mesma forma, o desbravador pode se cansar e voltar para a estrada para concluir o objetivo. Há dois “caminhos” pelos quais você pode seguir, mas lembre-se, na jornada, ainda haverá tempo de mudar o caminho em que está, citando nossa querida banda Led Zeppelin.
Cada caminho tem sua vantagem e sua desvantagem, seu ônus e seu bônus. Passar pelo caminho da Ordem pode desenvolver mais a disciplina, a diligência, a paciência… pelo Caos mais a independência, a criatividade, o experimento, a inovação… Mas nada impede de andar na estrada um pouco, sair, voltar, sair de novo e por aí vai. É mais fácil você encontrar problemas fora da estrada, mas há seres que ficam próximos à ela justamente por saberem que há maiores chances de passarem pessoas por ali. Aquele que se apega à estrada pode andar com mais velocidade, mas também pode ficar sem saber o que fazer quando há algum problema nela, ou quando fica sozinho porque o guia saiu para resolver alguma outra questão. A estrada indica a força de uma tradição, a qual satisfaz intimamente aqueles que são mais conservadores. Já o caos das matas inspira mais os progressistas.
Talvez os Orixás que melhor representam esse paradoxo sejam Xangô e Oyá, a Pedra e o Furacão (rock and roll), e as qualidades desenvolvidas na Magia da Ordem sejam as de Xangô e as do Caos de Oyá. Mas o importante de um paradoxo é entender que todos eles podem ser reconciliados, pois são duas faces da mesma energia. Creio que não se vive apenas na estrada ou apenas na floresta; o conciliador de qualquer paradoxo, ao meu ver, é o tempo: hora na mata, hora na estrada.
Rubens Saraceni foi mago da ordem ao receber todas as iniciações da Umbanda; mas, depois, foi “mago do caos” quando construiu, com seus mentores, o sistema de Magia Divina e da Umbanda Sagrada em geral. Filho de Ogum, abriu esses novos caminhos para o pessoal da Umbanda que gostaria de atravessar as matas que cercam o espírito de uma forma diferente dos caminhos que já existiam.
A grande questão que fica é: você está preparado para encarar uma mata fechada? Se ainda não se sente preparado, mantenha-se na estrada por um tempo, há muito o que se aprender com os mestres e tradições.
Vai dar certo!
Respostas de 4
Ótimo texto. Parabéns!!!
que abordagem interessante! para mim é uma honra ter aprendido com Mestre Rubens, um pouquinho do seu imenso conhecimento de M. D.. e a lembrança doce que levo dele pois foi um sacerdote que não cultivou a arrogância e sempre tinha um sorriso, uma palavra amiga. Paz e Evolução ao Mestre. É bom levar a “lanterna” quando se sai da estrada por mais progressista que se possa ser mas sinto que o que foi revelado é uma pequenina parte e cabe a cada um desvendar mistérios de acordo com a própria energia….
Incrivelmente bem explanado!
Gostaria de tirar uma duvida:
Sendo eu umbandista e simpatizante do uso do Ayahuasca, acabei dias atrás entrando em uma situação delicada. Depois de voltar a fazer o uso com um pouco mais de frequência do Ayahuasca estou sentindo choques de energia, em uma semana fiz um ritual de Ayahuasca e Rapé e na semana seguinte no trabalho de praia do terreiro fiz um cruzamento para firmeza do guia Exu de frente que trabalha comigo. Depois que voltei do trabalho de praia passei uma semana horrível, me sentindo super pesado, dores nas costas e no pescoço e tive de fazer um banho de sal grosso para conseguir passar o fim de semana melhor. Penso eu que essas energias possam ter se cruzado de algum modo e estarem em choque e estou pensando em parar com os trabalhos ritualísticos do Ayahuasca.
Poderia me dizer se isso é comum, possível ou provável de acontecer?
@Coloradoteus: todo ritual causa uma modificação nos campos de energia do participante, alguns são mais intensos e outros menos. Os dois que você citou são normalmente muito intensos e podem gerar uma sensibilidade bem maior do que a que você está acostumado a ter. Eu normalmente aconselho meus filhos de santo a não tomarem Ayahuasca mais do que 1x por lua, para dar tempo de regeneração do corpo astral. Tampouco aconselho a tomar em épocas de trabalho muito intenso no terreiro. São caminhos diferentes, que visam modelos diferentes. Às vezes o trabalho de um pode até mesmo anular o do outro completamente. Noutras pode entrar em choque. Eu, pessoalmente, não sou um grande fã de ficar pulando de um caminho para outro frequentemente, para mim isso nunca funcionou muito bem. Não que eu seja contra um ou outro caminho, mas acredito que é preciso foco. Depois que se desenvolver bem em um, vá para o outro e viva intensamente aquilo que passa nos rituais.