Caos e Ordem no I Ching

Por Gilberto Antônio Silva

taiji-tuPassagem de ano sempre lembra vinho espumante, fogos de artifício e arrumação de casa ou escritório. Parece inevitável que para começar bem um novo ciclo necessitemos de uma nova ordem nas coisas, em uma tentativa de deixar o velho para trás e saudar o novo.
Mas para que se estabeleça o novo é necessária alguma confusão. Toda “arrumação” é precedida de uma desorganização geral para que se possam colocar as coisas em seus devidos lugares. Quem faz uma faxina em regra sabe como é isso. E, na verdade, esse princípio segue o mesmo esquema do universo, onde caos e ordem se sucedem estabelecendo ciclos encadeados. O I Ching trata muito bem dessa questão.
Para o “Livro das Mutações”, tudo se move em ciclos contínuos que se sucedem infinitamente. Isso aparece já de forma evidente no Taiji Tu, o diagrama do Yin/Yang que vemos muito estampando camisetas e objetos. Nele notamos que o Yang cresce até atingir um máximo, iniciando seu processo de declínio enquanto o Yin começa a ascender até o seu máximo, seguido pelo seu próprio declínio e assim por diante, sucessivamente.

Da mesma forma, os 64 hexagramas do I Ching formam um grande ciclo que possui duas ordenações mais utilizadas: a do Céu Anterior (ou de Fu Xi), seguindo a ordem da matemática binária desenvolvida pelo matemático Shao Yong (1011–1077), e a do Céu Posterior (ou do Rei Wen), seguindo a lógica dos opostos. O I Ching que costumamos utilizar e que pode ser encontrado nas livrarias utiliza o segundo tipo de ordem e é a ele que vamos nos referir de agora em diante.
Antes de prosseguirmos é necessário definir um conceito do I Ching que será importante para a ideia que vamos desenvolver: a “linha correta”.

yin-yang-corretas

Os hexagramas do I Ching sempre são lidos de baixo para cima, onde a posição “do pé” é a posição 1, a próxima é a posição 2 e assim por diante. A primeira posição, que é ímpar, é por definição uma posição “Yang”; a segunda posição, que é par, é “Yin”; a terceira posição, que é ímpar, é “Yang”, e assim por diante. Posições ímpares são Yang e posições pares são Yin. Quando temos uma linha inteira (que representa o Yang) em uma posição ímpar (também Yang), dizemos que é uma “linha correta”, o mesmo valendo para uma linha quebrada (Yin) em uma posição par (Yin). Se tiver uma linha Yin em uma posição Yang ou vice-versa dizemos que se trata de uma linha “incorreta”. Isso é muito importante para a interpretação geral do hexagrama. Isso posto, prossigamos.

Como dissemos anteriormente, a sequência dos hexagramas é cíclica sendo que o último hexagrama deve ser sucedido pelo primeiro, começando o novo ciclo. Mas aqui surge algo curioso: o nome do último hexagrama é “Antes da Conclusão”. Muitos se perguntam como pode o último hexagrama estar antes da conclusão. A confusão aumenta quando vemos que o penúltimo hexagrama é o “Depois da Conclusão”. Então você tem o “depois” na frente do “antes”, mas nenhuma conclusão em si. Complicados esses chineses!

Resta-nos ainda falar sobre caos e ordem, já que está no título deste artigo. Não ficarei divagando sobre os vários sentidos, ocultos ou não, do termo “caos”, especialmente nesse site. Aqui você tem acesso a todas as ideias possíveis sobre o assunto, portanto me restringirei ao pensamento chinês. “Caos” representa a desordem de um sistema antes de ser ordenado devidamente, quando sobrevém o que chamamos de “ordem”. Não é uma bagunça completa sem propósito nem uma “zona” total. Estabelecer a ordem não implica em retirar ou acrescentar nada, mas em ordenar o que já existe. Então dentro do caos já existem presentes todos os elementos do sistema, faltando apenas ordená-los.

hexagrama-63-64

Como falamos, o nome do último hexagrama (64) é “Antes da Conclusão” e o penúltimo hexagrama (63) é o “Depois da Conclusão”. Se analisarmos as linhas componentes veremos que o Hexagrama 63 possui todas as linhas corretas! Isso mostra que a ordem se estabeleceu por completo no sistema. Então podemos ver a sequência desses 63 hexagramas (1 a 63) como se fossem os movimentos para resolver um cubo mágico até chegar à ordem final. Mas falta um último hexagrama, que possui todas as linhas incorretas (!). Ele simboliza o caos que se estabelece no sistema gerando um novo ciclo de 63 hexagramas. Quando você termina um cubo mágico você o guarda na prateleira, orgulhoso, ou mistura tudo e começa novamente? O universo funciona do mesmo modo, pois não existe a perfeição total, a ordem absoluta e definitiva. Ao atingir o ápice há o declínio, como mostra o Taiji Tu. O Yang ao atingir o ápice começa a se tornar Yin e vice-versa. Quando a ordem é alcançada ocorre o caos e o ciclo se reinicia.

Isso também explica o porquê de não haver uma “conclusão”, já que conclusão significa término, fim, e os ciclos se alternam indefinidamente. Os acontecimentos fluem constantemente na correnteza do tempo, sem interrupção ou final.

Agora já sabe por que você arruma a casa no final do ano e um ano depois está tudo desordenado novamente. A culpa é do universo.

______________________________
Gilberto Antônio Silva é Parapsicólogo, Terapeuta e Jornalista. Como Taoista, é um dos mais importantes pesquisadores e divulgadores no Brasil dessa fantástica cultura chinesa através de cursos, palestras e artigos. É autor de 14 livros, a maioria sobre cultura oriental e Taoismo. Sites: www.taoismo.org e www.laoshan.com.br

Compartilhar:

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn

Uma resposta

  1. Me lembrou a relação entre a Morte e o Louco do Tarot. Você termina uma existência, mas ao invés de ficar por isso mesmo, você vai lá e começa outra. A Morte e o Fim são apenas o Princípio.

    Gostei da explicação sobre linhas corretas e incorretas. Deve ser básico no iChing, mas eu não sabia.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Social Media

Mais popular

Receba as últimas atualizações

Assine nosso boletim informativo semanal

Sem spam, notificações apenas sobre novos produtos, atualizações.

Categorias

Projeto Mayhem

Postagens relacionadas

Mapa Astral de Pablo Picasso

Pablo Picasso (Málaga, 25 de outubro de 1881 — Mougins, 8 de abril de 1973), foi um pintor, escultor e desenhista espanhol, tendo também desenvolvido

Mapa Astral de Timothy Leary

Timothy Francis Leary, Ph.D. (22 de outubro de 1920 – 31 de maio de 1996), Professor de Harvard, psicólogo, neurocientista, escritor, futurista, libertário, ícone maior

Mapa Astral de Oscar Wilde

Eu não gosto muito de postar vários mapas seguidos, porque o blog não é sobre Astrologia, mas agora em Outubro/Novembro teremos aniversário de vários ocultistas