Sobre Robert Cochrane e seu encontro com o Destino
por Nicholaj de Mattos Frisvold
O veneno que Cochrane escolheu para si e o caminho que ele tomou podem nos contar sobre a influência de Saturno e da Lua em sua vida. Ele escolheu ir embora temperado por Saturno e usar o caminho da Lua, através da aliada Beladona. Talvez na escolha da aliada que iria levá-lo à Companhia Oculta possamos entender mais sobre a abordagem de Cochrane ao coração da matéria, o Círculo de Tubal Caim – e, deste modo, entender as polaridades mágicas de sua Pellar Craft, que ele demonstrou de formas aparentemente estranhas, até onde se relaciona o seu suicídio ritual. As polaridades que tenho em mente são aquelas entre a Chance ou Destino e a Sabedoria (ambas em sua oitava feminina, bem como na forma exigida pelo Senhor dos Chifres), assim como podem ser vistas nos mistérios mantidos dentro dos reinos de Tubal Caim e da Senhora Fortuna. Há uma gravura francesa do século XVI que é notável no caso da compreensão de Cochrane sobre o Destino como uma Deusa.
Nesta gravura, retratada no livro de Paul Huson, vemos a Senhora Fortuna sentada em frente à Senhora da Sabedoria (MOT, pág.37). A Senhora Fortuna está vendada, segurando a roda da humanidade em sua mão esquerda. A Senhora da Sabedoria, por outro lado, monitora cuidadosamente o cosmos e se certifica que sua imagem seja refletida dentro da criação, aqui simbolizada adequadamente como o espelho, que ela segura em sua mão direita. A Roda da Fortuna está sob o domínio da Senhora Fortuna e deve ser refletida pela sabedoria, já que a Senhora Destino é concebida como cega – ou deveríamos dizer que sua cegueira obriga a humanidade a abrir seus olhos à influência de Destino? É minha crença que Cochrane percebeu alguns profundos ensinamentos durante o período de dificuldades com Jane, que foi usada pela Senhora Fortuna e a Senhora Sabedoria para mexer em sua alma e aspiração, rejuvenescer sua alma, e talvez ainda mais, em um nível superior de perfeição e humildade. Esta, acredito, é a melhor forma de visualizar o infortúnio, como uma lição que interfere em nossa alma para uma condição melhor. Pode-se ter a impressão de que ele simplesmente desistiu face ao infortúnio (ou ‘Miss Fortuna’, se preferir) e procurou uma saída digna. Ao fazer uma busca nas próprias palavras de Cochrane, é possível encontrar uma pista para este enigma, e talvez extrair uma lição.
As premissas para a visão de Cochrane sobre a Bruxaria são bastante simples. Ele diz em um de seus poucos ensaios: “Todo pensamento místico é baseado sobre uma premissa maior: a compreensão da verdade como oposta à ilusão” (RT. Pág.49). E esta verdade é “em essência, meios pelos qual o homem pode perceber sua própria divindade inerente” (ibid. 51). Ele usa as discussões sobre bruxaria nos anos 50 e 60 como um espelho desse fato, quando comenta que na bruxaria as ideias que as pessoas do meio da bruxaria tinham em seu tempo continham tanta superstição e ilusão quanto fora dessa esfera. “A Fé está finalmente atinente com a Verdade… trazendo, como faz o homem em contato com Deuses, e o homem em contato com si próprio” (ibid. 56). Cochrane opôs-se a tal ponto contra as formas dogmáticas e superstições que ele viu crescendo em relação à Wicca simplesmente porque aqui ele observou que a verdade foi substituída por ilusão. Pode-se, naturalmente, ver-se isso de duas formas, quer como uma tentativa de colocar-se a si próprio sob os holofotes do crescente interesse pela bruxaria nos anos 60, quer como um homem honesto em sua repulsa pela forma em que a crescente comunidade Wiccana caminhava cada vez mais para longe das diretrizes básicas da Arte, do Mestre Chifrudo e da Senhora Escura e em uma reverência dos ciclos da natureza, com uma Deusa muito mais do que maternal em foco. Como ele disse: “A filosofia inerente à Arte sempre foi fluida, e o que é fluido deve se transformar novamente antes de desaparecer sob um monte de tolices cediças, teologia cozidas pela metade e filosofia” (ibid. 51). Isso ele demonstra muito bem no ensaio The Faith of the Wise, de 1.965, no qual enfatiza a importância da Experiência, Devoção e Visão como ferramentas em direção ao abraço da verdade. Isto porque a fé não possui nenhum segredo no sentido de que existem certas fórmulas que podem ser prontamente entendidas e ensinadas. Pelo contrário, ele diz que a verdade só pode ser apreendida através do “duro trabalho devocional”, e isso conduz à visão em que se tem uma experiência direta da verdade. Fica evidente aqui a ênfase das qualidades lunares na visão de Cochrane sobre a Arte. Tanto as técnicas e objetivos, quanto as advertências dos perigos, estão sujeitas à lua. O perigo envolvido na Arte é algo que Cochrane estava muito consciente, e seu suicídio ritual pode indicar que nós, que fomos deixados com seu legado em escritos – e que nos sentimos atraídos ao seu espírito – devemos tomar conhecimento disto. Ele diz: “Primeiramente o Roebuck in the Ticket[1] representa o espírito de sacrifício e liderança. Também pode representar a idéia de destino na velha forma Anglo-Saxã de ‘Shapers’[2], as que criam o futuro que temos que viver” (ibid. 85). Ele entendia muito bem o perigo ao assumir a herança da Arte, e, visto seu fascínio pelo livro The White Goddess de Graves, e sua percepção dentro do mistério demonstrado, ele também sabia como a Mãe Lua pode tanto alimentar quanto devorar sua cria. De certo modo, é possível ver em Cochrane as dificuldades de balancear a Senhora Fortuna e a Senhora Sabedoria em sua vida. Entender pela visão e inspiração é diferente de ser desafiado por Tubal Caim e tendo a nossa ferocidade temperada – o desafio dado no que Cochrane chama de “superação do Destino”. Este desafio também pode ser visto na idéia de iniciação de Cochrane. Ele diz: “Quando os iniciados tomam o juramento completo do coven eles estão se submetendo à vontade de Hécate. De certo modo, ao fazer isso, eles então se tornam o Roebuck in the Thicket, porque eles escolheram seguir o caminho que ela selecionou para eles” (ibid. 92/93).
Abraçar o destino a fim de superá-lo pode ser visto em termos alegóricos como abraçar a Lua enquanto se é armado com Saturno. Isso tudo é relacionado com o Tempo, Cronos – e ao subjugar o Pai Tempo e agarrar a conexão com todas as coisas dentro do Tempo é que podemos estabelecer uma fundação para compreensão e, então, uma profunda superação de todos os desafios, até do próprio Destino. Cochrane foi claro em como ele entendeu a importância da Morte, outro domínio profundamente relacionado à esfera de saturniana. Saturno sem compreensão facilmente se transforma em depressão, abrigando elementos maléficos na vida da pessoa, criando uma perspectiva negativa da vida e fatalismo. Assim como Luna pode fornecer a experiência visionária de profunda verdade, ela também pode dar o golpe doloroso que leva à queda na ilusão – ao abismo onde Saturno e a Lua tomam parte em uma união misteriosa.
Cochrane sabia disso, mas aparentemente foi incapaz de se levantar deste abismo de união maléfica e misteriosa das poderosas forças em sua vida. A Senhora da Sabedoria lhe deu uma mente clara, mas ele escolheu entrar através da aliada Mãe Lua no Castelo da Rosa Imortal. No que diz respeito à morte, suas ideias e considerações eram belas e diretas ao ponto. Ele disse: “Nada é dado se nada for feito, e qualquer coisa que criamos agora cria o mundo no qual existiremos amanhã. O mesmo se aplica à morte: o que temos criado em pensamento, criamos naquela outra realidade. Também deveríamos nos lembrar que Desejo foi a primeira das coisas criadas” (ibid. 70). E, infelizmente, ele escapou do caminho que Destino deitou à sua frente ao passar para o Castelo, da forma que ele fez, no lugar de superá-La. É quase como se ele seguisse a direção contrária de seu melhor discernimento, quando convidou Beladona para levá-lo. Ele disse: “As Três Irmãs também eram consideradas as guardiãs do Caldeirão da Criação, que é lugar onde o passado, presente e futuro são como um, ainda que em estado de fluxo, movimento e potencial prometido” (ibid. 88/89). O que novamente nos leva ao desafio final: “Então, de certo modo, quando começamos a procurar a Deusa e sua magia, estamos, com efeito, nos tornando o caçador. Ainda assim, quando então a encontramos nos tornamos a caça, porque a Deusa nos prega ao chão, e faz-nos dela para sempre” (ibid. 90).
É nesse desafio, quando a mesa vira, que precisamos ser fortes e focarmos na superação através da compreensão e, então, aplicarmos a experiência prática que já temos – isso é crescimento. Sem Saturno existiria pouco progresso, sem a Lua existiria pouca visão. A conjunção destas forças em uma unidade superior de aceitação, já que o destino de cada um é único e grandioso não importando o quão insignificante no grande esquema, é ainda a maior força na vida de cada um e de todos. Destino não é relacionado ao infortúnio, na verdade, talvez devêssemos pensar melhor sobre o termo infortúnio sob a luz do poder que Destino nos apresenta em termos de desafios, dos quais as lições de crescimento podem ser extraídas. Armados à semelhança de Tubal Caim, podemos participar na forja do nosso próprio destino e embarcar com coragem na ordália da superação – e é na luz do elemento do sacrifício relacionado ao Corço (Roebuck) que ela é mais bem compreendida. Como falecido magister da Cultus Sabbati, Andrew D. Chumbley disse: “O Caminho do Sacrifício faz o Homem Completo”. Em outras palavras, quando Destino apresenta os desafios e os enxergamos como infortúnios, isso significa que estamos perdendo o conceito inteiro, que estamos rejeitando a Senhora da Sabedoria e focando somente na cegueira da Senhora Fortuna, maldizendo sua Roda da Fortuna. Com a maldição, caímos nos mais baixos caminhos do ser do Pai Saturno, e nos engajamos em um processo de desintegração e piedade que nos deixa cegos às ferramentas oferecidas de boa vontade por Tubal Caim em nossa batalha no Castelo silencioso, onde nos encontramos não somente com Ela – mas com toda a atrocidade e toda a beleza que conhecemos como ‘Self’.
Um último e significante ponto a se fazer aqui está relacionado a Destino ou fatalismo em um contexto mais filosófico. Parece que há uma brecha entre Destino e Fatalismo. É como se ela pudesse inspirar o abraço de Destino de formas entendidas como boas e/ou más. No passado, quando o fatalismo era uma doutrina filosófica, não existia nada significativamente diferente entre Destino e Fatalismo. O fatalismo simplesmente se referia a uma submissão ao Destino, similarmente às ideias de Cochrane. Ela não carregava nada de necessariamente mal ou ruim em termos de um foco exclusivo na desgraça. Nos casos de pensamentos fatalistas centrados ao redor de algum infortúnio catastrófico, algo glorioso sempre viria na sua esteira. Porém, hoje em dia, o fatalismo normalmente se refere a alguma desgraça inevitável que está prestes a atingir a vida de alguém, ou refere-se a uma perspectiva negativa de vida. Podemos também mencionar o ideal estóico, no qual o suicídio poderia ser transformado em um ato de dignidade frente a Destino, e assim receber a opção de ingerir o Cálice Envenenado, como no caso de Sócrates e Sêneca. É importante ressaltar que os suicídios destes filósofos foram exigidos pelo Imperador. Não foi uma escolha de Destino, mas uma aceitação de Destino, uma saída honrosa de uma situação que não podia ser transformada de modo favorável a eles.
Talvez Cochrane tenha visto o seu suicídio ritual dessa forma, como uma reflexão da Mãe Lua ou, ainda, a vontade de Hécate, a saída inevitável de uma situação que não poderia ser transformada para algo melhor. Existe uma passagem interessante em uma de suas cartas a Joe Wilson que poderia indicar tal atitude. Cochrane disse em relação às “leis bruxas” o seguinte: “Não faça o que você deseja – faça o que é necessário. Tome tudo que lhe é dado – dê tudo de si. O que eu tenho… eu seguro! Quando tudo o mais estiver perdido, e não até então, prepare-se para morrer com dignidade” (RCL:50). Talvez ele visse o suicídio ritual, ao ingerir de bom grado o veneno que Destino lhe deu, como uma forma digna de deixar o corpo terrestre para trás, a favor da Companhia Oculta. Outra citação dele pode ser entendida de tal forma: “Ver a Senhora não é suficiente… porque em Destino, e a superação dela, é que há o ganho da chave da inspiração e da própria morte. Não existe destino tão terrível que não possa ser encarado e superado, seja por uma vitória concreta, ganha pela ação ou uma vitória mais profunda do espírito engajado na batalha solitária do Self. A Senhora do Destino, destino e danação são a provação, o Castelo das Ordálias, no qual devemos nos encontrar, para vencer ou morrer” (RT:161). Pode parecer que Cochrane se viu derrotado por Destino. Seu encontro no Castelo e sua batalha lhe garantiram a morte, ou “polegares para baixo”, para continuar nossa antiga alegoria romana relacionada ao seu suicídio ritual.
Cochrane definiu a Arte de ser sobre a Verdade, Experiência e Devoção. Todos esses elementos ele colocou sob a misericórdia de Hécate, Mãe Lua, Senhora Fortuna ou Destino. Parece que ele pode ter esquecido algo em sua identificação com o Corço, como o símbolo do sacrifício e da liderança, que é a ferocidade e a coragem. De qualquer forma, seu legado vive e sua centelha espiritual continua a inspirar. O que fazer de sua morte prematura e sua atemporalidade ou temporalidade é ainda matéria de uma multiplicidade de opiniões, e no final isso provavelmente não importa, já que as visões e os ensinamentos que ele compartilhou com aqueles que continuaram seu legado ainda estão lá para nutrir. Vendo o crescente interesse em seu legado, podemos observar que ele ganhou, enfim, a vida eterna. Ambas, as lições que ele aprendeu e dominou, e as lições que o derrotaram, estão lá e podem servir como uma bússola no caminho do peregrino.
[1] Nota da Tradução. Roebuck in the Ticket significa literalmente “Corço na Moita”.
[2] Nota da Tradução. “Shapers” significa literalmente “Moldadores da forma”.
Leitura recomendada:
Cochrane, Robert & Jones, Evan John (Ed. Mike Howard). 2001.The Roebuck in the Thicket. Cappall Bann. Abr. No texto, RT.
Cochrane, Robert & Jones, Evan John (Ed. Mike Howard). 2002. The Robert Cochrane Letters. Cappall Bann. Abr. No texto RCL.
Huson, Paul. 2004. Mystical Origins of the Tarot. Destiny Books. Abr. No texto MOT.
Respostas de 3
Não conhecia a história desse magista. Cada qual com seu caminho, pois não há certo e errado, mas as experiências necessárias a cada um para evoluir… Ainda penso que, apesar de ser um “cervo abatido por leões”, pretendo continuar a lutar. É um instinto de não parar, mesmo caído. O instinto de insistir, até a vida escorrer… Mas não me engano, pois dia ou outro, ela certamente irá escorrer por entre meus dedos e um dia, posso simplesmente me entregar ao sacrifício final, como ele. Outro dia, vi um vídeo engraçado de uma lebre encurralada por uma serpente: ela tentou fugir de todos os modos, mas quando se viu encurralada, avançou contra a serpente com tanto afinco quanto um lutador de boxe e essa partiu assustada com a reação. Claro que a lebre poderia ser engolida, mas se não agisse, seria engolida de todo modo, não?
O que Saturno me diz, e é uma coisa pessoal, não pretendo que seja o mesmo para cada um, é: supere-me. Ele me desafia, como um mestre que diz: você precisa aprender comigo e me surpreender, se quiser merecer minha admiração e se quiser crescer. Aqui, ele é como fortuna. O que a lua me diz, seja na luz ou na escuridão, sempre foi: eu sou o que você sente. Supere-me, pois eu sou reflexo e espelho e me superando, superará a si mesmo e irá a nossa essência, porque o reflexo no espelho e o ser são equivalentes. Ela é como a sabedoria, que mostra que nós somos como ela, ou que ela é como nossa real essência, quando o espelho está ajustado. Ótimo post. Me fez refletir bastante… Abraços
Lembrou-me dos shivaístas que tomam o chá da trombeta Datura Ferox para entrarem em um transe profundo e perigoso…
Ola kk,
A Datura dos shivaístas é a Metel – também conhecida como “Indian Thorn Apple”, que é nativa na Índia, e não a Ferox. A Datura metel foi primeiramente documentada na literatura sânscrita e representada da arte tântrica Hindu geralmente em conexão com encarnações de Shiva. De acordo com o Vamana Purana, a maçã espinhenta teria crescido do peito de Shiva, o senhor dos inebriantes. No Garuda Purana, diz-se que as flores da Datura eram oferecidas ao deus Yogashwara (também conhecido como Shiva), no décimo terceiro dia da lua crescente do mês de janeiro. Hoje em dia, a Datura metel continua sendo uma planta psicoativa de significância etnofarmacológica especialmente na Índia, no sudoeste da Ásia e na África (introduzida na Arábia por Avicenna como medicinal e até hoje parte integrante das beberagens de vários cultos africanos). Parece-me que a Datura Ferox estaria mais ligada ao Budismo, sob o nome de “man-t’o-lo”, mas não estou bem certa disso e esta informação deve ser verificada.
Eu não recomendo a ingestão experimental de Datura. Ela só pode ser administrado por mãos hábeis que conhecem bem as dosagens mínimas, desde que a tolerância varia de pessoa para pessoa, e ela realmente pode ser mortal.
Aqui no Brasil, a Datura metel cresce muito bem – tenho uma no meu quintal que está com apenas alguns meses e já tem incontáveis “maçãzinhas”, contudo, até agora, me contentei em fumar suas folhas e sementes. Toda cautela é pouca ao lidar com este poderoso enteógeno.