Texto de Huberto Rohden
Hoje em dia, muitas pessoas falam em iniciação. Todos querem ser iniciados. Mas entendem por iniciação uma alo-iniciação, uma iniciação por outra pessoa, por um mestre, um guru. Esta alo-iniciação é uma utopia, uma ilusão, uma fraude espiritual.
O homem só pode ser iniciado por si mesmo. O que o Mestre, o guru, pode fazer é mostrar o caminho por onde alguém se pode autoiniciar; pode colocar setas ao longo do caminho, setas ao longo da encruzilhada, setas que indiquem a direção certa que o discípulo deve seguir para chegar ao conhecimento da verdade sobre si mesmo. Isto pode e deve o mestre fazer – suposto que ele mesmo seja um autoiniciado.
Jesus, o maior dos Mestres que a humanidade ocidental conhece, ao menos aqui, durante três anos consecutivos, mostrou a seus discípulos o caminho da iniciação, o que ele chama o “Reino dos Céus”, mas não iniciou nenhum dos seus discípulos. Eles mesmos se autoiniciaram na gloriosa manhã do domingo de Pentecostes, às 9 horas da manhã – como diz Lucas, nos Atos dos Apóstolos.
Mas esta grandiosa autoiniciação aconteceu só depois de 9 dias de profundo silêncio e meditação; 120 pessoas se autoiniciaram, sem nenhum mestre externo, só dirigidas pelo mestre interno de cada um, pela consciência de seu próprio Eu divino, da sua alma, do seu Cristo Interno.
E esta autoiniciação do primeiro Pentecostes, em Jerusalém, pode e deve ser realizada por toda a pessoa. Mas, acima de tudo, o que é que quer dizer Iniciação?
Iniciação é o início na experiência da verdade sobre si mesmo.
O homem profano vive na ilusão sobre si mesmo. Não sabe o que ele é realmente. O homem profano se identifica com o seu corpo, com a sua mente, com suas emoções. E nesta ilusão vive o homem profano a vida inteira, 30, 50, 80 anos. Não se iniciou na verdade sobre si mesmo, não possui autoconhecimento, e por isto não pode entrar na autorrealização.
O que deve um homem profano fazer para se autoiniciar?
Para sair do mundo da ilusão sobre si mesmo e entrar no mundo da verdade? Deve fazer o que fez o primeiro grupo de autoiniciados, no ano 33, em Jerusalém, isto é, deve aprender a meditar, ou cosmo-meditar. Os discípulos de Jesus fizeram três anos de aprendizado e nove dias de meditação – depois se autoiniciaram. Descobriram a verdade libertadora sobre si mesmos. A verdade que os libertou da velha ilusão de se identificarem com o seu corpo, com a sua mente, com as suas emoções; saíram das trevas da ilusão escravizante, e ingressaram na luz da verdade libertadora: “Eu sou espírito, eu sou alma, eu e o Pai somos um, o Pai está em mim e eu estou no Pai… O reino dos céus está dentro de mim”.
E quem descobre a verdade sobre si mesmo, liberta-se de todas as inverdades e ilusões. Liberta-se do egoísmo, da ganância, da luxúria, da vontade de explorar, de defraudar os outros. Liberta-se de toda a injustiça, de toda a desonestidade, de todos os ódios e malevolências – de todo o mundo caótico do velho ego.
O iniciado morre para o seu ego ilusório e nasce para o seu Eu verdadeiro.
O iniciado dá o início, o primeiro passo, para dentro do “Reino dos Céus”. Começa a vida eterna em plena vida terrestre. Não espera um céu para depois de morte, vive no céu da verdade, aqui e agora – e para sempre.
Isto é autoiniciação.
Isto é autoconhecimento.
Isto é autorrealização.
O início de tudo isto é a meditação ou cosmo-meditação, de que já falamos em outra ocasião.
Repito que é impossível a verdadeira meditação sem que o homem se esvazie de todos os conteúdos do seu ego ilusório; quem se esvaziar do sua egoconsciência será plenificado pelo cosmo-consciência, que é a iniciação.
Mas é possível realizar este ego-esvaziamento na hora da meditação, mesmo que seja meia hora de introversão, se o homem viver 24 horas extrovertido, escravizado pelas coisas de seu ego ilusório.
A meia hora de meditação nada resolve, não abre as portas para a iniciação – se o homem não se libertar, durante o dia, da escravidão de seu ego.
Como fazer isto?
Libertar-se da escravidão do ego é usar as coisas materiais na medida do necessário, e não do supérfluo; o homem deve e pode ter um conforto necessário, sem desejar confortismos excessivos.
A mística da hora da meditação é impossível sem a ética da vida diária, sem o desapego do supérfluo. Luxo e luxúria são lixo, que atravancam o caminho para a iniciação. Quem não remove esse lixo do luxo e da luxúria pode fazer quantas meditações quiser que não se poderá iniciar; porque as leis cósmicas não podem ser burladas.
A verdadeira felicidade do homem começa com a sua autoiniciação. Fora disto, pode ele ter um mundo de gozos e prazeres, mas não terá felicidade verdadeira, paz de espírito, tranquilidade de consciência. Todos os gozos e prazeres são do ego ilusório, somente a felicidade é do Eu verdadeiro.
Um autoiniciado é também um redentor, para os outros.
Quando um único homem, escreveu Mahatma Gandhi, chega à plenitude do amor (autorrealização), neutraliza ele o ódio de muitos milhões.
Nada pode o mundo esperar de um homem que algo espera do mundo – tudo pode o mundo esperar de um homem que nada espera do mundo.
O iniciado dá tudo e não espera nada do mundo. Ele já encerrou as contas com o mundo, está quite com o mundo. Pode dar tudo sem perder nada.
O autoiniciado é um místico – não um místico de isolamento solitário, mas um místico dinâmico e solidário, que vive no meio do mundo sem ser do mundo.
Onde há uma plenitude, aí há um transbordamento. O homem plenificado pelo autoconhecimento e pela autorrealização transborda a sua plenitude, consciente ou inconscientemente, saiba ou não saiba, queira ou não queira. Esta lei cósmica funciona infalivelmente. Faz bem pelo fato de ser bom, de viver em harmonia com a alma do Universo.
Por isto, para fazer bem aos outros e à humanidade, não é necessário nem é suficiente fazer muitas coisas, mas é necessário e é suficiente ser bom, ser realizado, e plenificado do seu Eu central, conscientizar-se e vivenciar de acordo com o seu Eu central, com o seu Cristo interno.
A plenitude da consciência mística da paternidade única de Deus transborda irresistivelmente na vivência ética da fraternidade universal dos homens.
Para ter laranjas – laranjas verdadeiras – não é necessário fabricá-las. É necessário e suficiente ter uma laranjeira real e mantê-la forte e vigorosa. Nem é necessário ensinar à laranjeira como fazer laranjas – ela mesma sabe, com infalível certeza, como fazer flores e frutos. Assim, toda a preocupação de querer fazer bem aos outros sem ser bom é uma ilusão tão funesta como o esforço de querer fabricar uma laranja verdadeira sem ter uma laranjeira. Mais importante que todo o fazer é ser.
Onde não há plenitude interna não pode haver transbordamento externo. Para fazer o bem aos outros deve o homem ser realmente bom em si mesmo.
Que quer dizer ser bom?
Ser bom, não é ser bonachão, nem bonzinho, nem bombonzinho. Para ser realmente bom deve o homem estar em perfeita harmonia com as leis eternas da verdade, da justiça, da honestidade, do amor, da fraternidade, e viver de acordo com esta sua consciência.
Todo o fazer bem sem ser bom é ilusório, assim como qualquer transbordamento é impossível sem haver plenitude. O nosso fazer bem vale tanto quanto o nosso ser bom. O ser bom é autoconhecimento e autorrealização.
Somente o conhecimento da verdade sobre si mesmo é libertador; toda e qualquer ilusão sobre si mesmo é escravizante.
Os mais ruidosos sucessos sem a realização interna são deslumbrantes vacuidades; são como bolhas de sabão – belas por fora, mas cheias de vacuidade por dentro. 1% de ser bom realiza mais do que 100% de fazer bem.
Autoiniciação é essencialmente uma questão de ser, e não de fazer. Esta plenitude do ser não se realiza pela simples solidão, mas pelo revezamento de introversão e extroversão. O homem deve, periodicamente, fazer o seu ingresso dentro de si mesmo, na solidão da meditação, e depois fazer o egresso para o mundo externo, a fim de testar a força e autenticidade do seu ingresso.
Todo o autoiniciado consiste ingredir e nesse egredir, nessa implosão mística e nessa explosão ética.
Não há evolução sem resistência. Tudo que é fácil não é garantido; toda evolução ascensional é difícil, exige luta, sofrimento, resistência.
Estagnar é fácil.
Descer é facílimo.
Subir é difícil.
Toda evolução é uma subida, e sem subida não há iniciação.
Autoiniciação e autorrealização é o destino supremo do homem.
Um único homem autorrealizado é maior maravilha do que todas as outras grandezas do Universo.
Respostas de 15
Muito grato pelo texto. Veio em ótima hora 🙂
P’,’P’,’
@FDA – Fico feliz que tenha gostado Tiago. E digo o mesmo, pra mim também, veio em boa hora 😉
Muito obrigado pelo texto!
grande texto, revelador.
Como abdicar do luxo, ou vontade de te-lo alguém que possui Sol, Asc e Vênus em touro?
Como direcionar essa energia taurina, materialista, para o abandono da ilusão?
@FDA – Boa pergunta kkk, não sou mestre em astrologia, nem devo arriscar lhe dizer alguma besteira, mas tente começar por AQUI, eu acredito nesta egrégora e mesmo não sendo membro, confio que eles lhes mostrarão as setas ao longo do caminho, mas não espere nada de mão beijada, o esforço é sempre individual, a Vontade deve brotar de você.
Veja que engraçado Fábio. De certa forma, você deu a resposta para ele em outro lugar. Para mim pelo o menos faz todo o sentido rsrs:
“@FDA – Concordo que nesse texto talvez não tenha ficado muito claro essa questão, na verdade Rohden argumentava a ideia de que o homem pode e deve possuir quantos bens desejar, o que não deve é ser possuído por eles. “Possuir, sem ser possuído”. É fato que o grosso da sociedade está mais preocupada com o “ter” do que com o “ser”, por isso é importante discernir que Rohden direcionou as palavras que você destacou, para estes. Com tanta gente preocupada com o resultado da mega-sena, quantas realmente “abandonariam” os bens que um Sidharta Gautama possuía, por exemplo, para sair em busca da sua autoiniciação? para preocupar-se com o seu “ser” se tem um Prozac dando sopa no armário? Em contrapartida tem aqueles que abandonam todos os seus bens, mas não abandonam seu Ego ilusório… Logo, “ter” ou não “ter” não é fator determinante para “ser” ou “não ser”, talvez isso fique mais claro nos próximos textos, obrigado por comentar, abraços.”
Não é exatamente sobre como direcionar as energias taurinas, mas como lidar com elas. De certa forma, ajuda xD
@FDA – KKK, talvez tenha, quem sabe… valeu pela observação 😉
Muito bom o texto,pelos mesmo motivos já ditos.Fiquei com vontade de conhecer mais sobre o autor.Thanks!
@FDA – Você irá conhecer mais sobre esse autor, essa é uma das metas desta coluna. Pode dar uma busca no google, só cuide com a esquisoterice…
Posso compartilhar esse texto em meu blog http://ensaiosefragmentos.wordpress.com/?
@FDA – Sem problemas, lembrando que o texto não é de minha autoria, mas do Rohden e quando vivo seu desejo era que seus textos fossem compartilhados.
Eu fui “Iniciado” por agentes externos algumas vezes, mas de fato minha “Iluminação”, o que de fato mudou minha vida e modo de enxergar tudo, veio de dentro.
Explico: As duas primeiras iniciações foram em uma igreja evangélica. O batismo, que foi algo totalmente frio e sem força alguma, onde todos pareciam estar em transe, menos eu (Inclusive com “profecias” a torto e a direito). O segundo nesta mesma igreja, após um retiro, que após todo aquele ritual emotivo e promessas, junto a um ambiente com alta carga de “sobrenatural” e “sagrado”, me fez cair em prantos.
Nenhuma destas duas iluminações teve qualquer efeito positivo, nenhuma melhora, nada. Apenas a catarse momentânea e a falsa certeza de ser um “escolhido”.
Em outro momento me senti iluminado quando percebi que esta minha igreja era governada por “falsos profetas” e distorcia completamente os ensinamentos de Jesus (nesta eu estava certo, eles foram inclusive presos estes dias por desvios de dinheiro). Iniciei em uma outra igreja, e através de muitas leituras, tive uma nova visão do que achava ser a Verdade, o verdadeiro Jesus e tudo mais.
Mas de fato fui “Iniciado” em um final de dia banal, quando um pensamento irrompeu em minha mente, como que um pensamento a longo oculto e preso. Fiz meu primeiro “e se…” de verdade.
Foi quando comecei a enxergar o mundo por outras lentes, comecei a questionar tudo e perceber que eu podia fazer isso, que eu não devia nada a ninguém, que não existiam dogmas inquestionáveis, que tudo, absolutamente tudo, estava sujeito a dúvida.
Não foi nenhum filósofo que de fato me iniciou, nenhum escritor famoso. Eles cutucaram minha mente, abriram brechas, mas este pensamento que eu tive veio de dentro, e não existe argumento mais forte que este.
@FDA – Valeu por compartilhar sua história Gabriel; “Vós sois o templo”.
Excelente reflexão…….
Um dos Iniciados (com ‘I’ maiúsculo) mais fodas que eu conheço mora em uma cobertura duplex de frente pra uma das praias mais badaladas do pais…e tem uma tv de 84”…sem contar os carrinhos na garagem…rs
Agora, vens me dizer que ” […]que atravancam o caminho para a iniciação.”…rs
Paradigmas…..para-digma-s
[]’s
@FDA – Concordo que nesse texto talvez não tenha ficado muito claro essa questão, na verdade Rohden argumentava a ideia de que o homem pode e deve possuir quantos bens desejar, o que não deve é ser possuído por eles. “Possuir, sem ser possuído”. É fato que o grosso da sociedade está mais preocupada com o “ter” do que com o “ser”, por isso é importante discernir que Rohden direcionou as palavras que você destacou, para estes. Com tanta gente preocupada com o resultado da mega-sena, quantas realmente “abandonariam” os bens que um Sidharta Gautama possuía, por exemplo, para sair em busca da sua autoiniciação? para preocupar-se com o seu “ser” se tem um Prozac dando sopa no armário? Em contrapartida tem aqueles que abandonam todos os seus bens, mas não abandonam seu Ego ilusório… Logo, “ter” ou não “ter” não é fator determinante para “ser” ou “não ser”, talvez isso fique mais claro nos próximos textos, obrigado por comentar, abraços.
E outro dia mesmo estava conversando com uma amiga, e ela me disse que faz o bem porque é boa. E num tom de desapego e humildade, de forma extremamente natural. Também agradeço pelo texto.
@FDA – “Para ter laranjas – laranjas verdadeiras – não é necessário fabricá-las”
Que texto lindo. Eu sonho em ser um iniciado.
Lindas, LINDAS palavras. Edificante. Ganhei meu dia =)
gratidão
adoro o Rhoden, me identifico com muitas das suas opiniões e ideias
interessante que nesse texto ele vai na contramão de muitas pessoas que dizem que só é possível avançar com segurança na senda sobre a tutela de um mestre verdadeiro. Concordo com o Rhoden. Dizer que as pessoas dependem de um mestre externo é mais uma das muitas formas de elitismo velado e justificado do meio esotérico