Retirado do Tao Te Ching (*)
Quando renunciamos ao aprendizado
cessa toda a aflição.
A menor diferença entre as palavras,
como “maçã” e “maça” [1],
pode ser alvo de interminável controvérsia
e debate intelectual.
Atemorizante é a morte,
pois que todos os homens a temem.
Mas as infindáveis discussões que se seguem acerca dela
causam ainda mais medo!
A multidão parece satisfeita;
como se participasse de um grande banquete;
como se festejasse no cume da montanha na primavera.
Mas eu estou aqui só, calmo e tranquilo,
sem ser incomodado por meus desejos.
Eu sou como o recém-nascido que ainda não sorriu.
Eu pareço triste e desamparado
como alguém que não tem uma casa para retornar.
A multidão tem todo o necessário,
e até mais do que o necessário,
enquanto eu pareço haver perdido tudo o que eu tinha…
Minha mente se parece com a mente de um abobado,
sem forma definida.
O homem da multidão parece brilhante e perspicaz,
mas eu pareço carregar uma mente em branco.
O homem da multidão a tudo critica
com suas ideias pré-concebidas,
mas eu pareço totalmente despreocupado.
Eu pareço com um náufrago no oceano,
carregado pelos ventos, a deriva, sem destino…
O homem da multidão parece ter todo o curso da sua vida
cuidadosamente planejado e definido,
mas eu pareço um inapto, um incapaz,
um refugiado vindo da fronteira.
Sim, eu sou diferente de todos esses homens da multidão.
Não preciso me mover até o rio – bebo minha água
direto da Fonte.
***
[1] Nota do tradutor: Tanto Legge quanto Crowley usaram os termos do inglês “yes” (sim; formal) e “yea” (sim; informal). Murillo optou por ignorar a passagem. Já eu optei por usar os termos “maçã” (a fruta) e “maça” (a arma medieval), pois por muitos anos escrevi “maçã” como “maça”, isto é, sem o acento devido. A ideia aqui é, no entanto, apenas a crítica a preocupação excessiva da intelectualidade, de modo que os termos em si não importam tanto assim.
Todo mês traremos mais uma passagem do Tao Te Ching…
(*) Nesta tradução exclusiva do Tao Te Ching a partir da tradução clássica de James Legge para o inglês, Rafael Arrais (autor do blog Textos para Reflexão) usa do auxílio precioso das interpretações do ocultista britânico Aleister Crowley e do filósofo brasileiro Murillo Nunes de Azevedo para compor uma visão moderna da antiga sabedoria de Lao Tse.