É bem provável que a maioria dos cientistas não creia, ao menos literalmente, que Adão e Eva foram os primeiros seres humanos. Mas, fato é que os primeiros seres humanos, sejam quais fossem os seus nomes, eram negros. Neste caso já não é uma questão de crença, a ciência já tinha fortes evidências de que o homo sapiens se originou na África [1], e recentemente, com o estudo do genoma humano, chegou à conclusão que a pele branca, clara ou pálida é resultado de uma mutação relativamente recente em nossa história evolutiva.
O estudo, apresentado na 84ª reunião anual da Associação Americana de Antropologia Física, realizada em março de 2015 nos EUA, oferece fortes evidências que os europeus modernos não se parecem muito com os de 8 mil anos atrás.
Um time internacional de cientistas analisou o genoma dos restos de 83 indivíduos encontrados em sítios arqueológicos espalhados pela Europa. Os resultados apontam que a população europeia moderna é uma mistura de pelo menos três antigas populações que chegaram à Europa em diferentes migrações nos últimos 8 mil anos. Comparando com dados do Projeto 1000 Genomas, os cientistas conseguiram encontrar quatro genes associados com as mudanças na pigmentação da pele que passaram por forte processo de seleção natural.
Os cientistas encontraram dois genes diferentes relacionados com a coloração da pele, além de um outro, ligado aos olhos azuis e que também pode contribuir para a pele clara e o cabelo louro. Os humanos modernos que migraram da África para a Europa há cerca de 40 mil anos tinham a pele escura, o que é uma vantagem para regiões ensolaradas. E o estudo confirma que há 8.500 anos, povos caçadores e coletores na Espanha, Luxemburgo e Hungria também possuíam a pele escura, pois eles não tinham os genes SLC24A5 e SLC45A2, que levaram à despigmentação e à pele pálida dos europeus atuais.
Mas no extremo norte, onde os baixos níveis de luz favorecem a pele branca, os pesquisadores encontraram um panorama diferente entre os povos caçadores e coletores: sete corpos do sítio arqueológico de Motala, no sul da Suécia, datados em 7.700 anos, possuíam ambos os genes ligados à pele clara, assim como um terceiro, o HERC2/OCA2, que causa os olhos azuis [2]. Dessa forma, segundo o estudo, os povos caçadores e coletores do Norte da Europa já possuíam a pele pálida, mas os das regiões centrais e sul tinham a pele escura.
Então, os primeiros povos agricultores chegaram à Europa, há 7.800 mil anos, vindos do Oriente Próximo, também carregando os dois genes em questão. Eles se misturaram às populações caçadoras e coletoras e espalharam o gene SLC24A5 pelas regiões Central e Sul da Europa. A outra variante, o SLC45A2, se manteve em níveis baixos de penetração até 5.800 atrás, quando começou a se espalhar pelo continente.
O estudo não especifica porque esses genes passaram por tamanho processo de seleção, mas existe a teoria que a despigmentação serviu para maximizar a síntese de vitamina D, conforme afirmou a paleoantropóloga Nina Jablonski, da Unversidade do Estado da Pensilvânia. Pessoas que vivem em altas latitudes não recebem radiação UV suficiente para sintetizar a vitamina, então a seleção natural pode ter favorecido duas soluções genéticas para a questão: evoluir a pele clara para absorver mais radiação e favorecer a tolerância à lactose, para se digerir os açúcares e a vitamina D encontrados no leite.
“O que nós imaginávamos como um entendimento simples sobre o surgimento da pele despigmentada na Europa, é um emocionante trabalho da seleção” — disse Nina, em entrevista à revista Science — “Esses dados são interessantes porque mostram como se deu a evolução recente.”
Enquanto em boa parte de nossa história o racismo teve suporte na cultura geral, em algumas doutrinas de religiosos equivocados, em filosofias empobrecidas, em políticas públicas desconexas, e até mesmo na própria ciência, é um alento perceber como estavam certos todos aqueles que contemplaram a Natureza e perceberam há eras, pelas mais diversas vias, que somos todos uma única raça. E foi a própria Natureza quem nos contou: o estudo do genoma humano deixa muito claro e cristalino que tudo aquilo que um dia foi chamado de “raça humana” se resume a pequenas diferenças de tonalidade da pele, além de características faciais e capilares, que nem de longe são suficientes para delimitar mais de uma raça de homo sapiens no globo.
De fato, a única outra “raça humana” com quem já convivemos já está extinta, mas há resquícios dela em partes de nossos genes. Os neandertais e os homo sapiens tiveram um breve período de coexistência no Oriente Médio, quando chegaram a gerar filhos uns dos outros. Mas, enquanto os homo sapiens partiram para dominar a Ásia, a Oceania e as Américas (através da Ponte Terrestre de Bering, que hoje derreteu), os neandertais preferiram, por alguma razão, continuar no próprio Oriente Médio e na Europa… Nalgum dia histórico da pré-história, os homo sapiens finalmente decidiram adentrar a Europa, e encontraram seus primos entre uma e outra caçada. O que terão pensado uns dos outros? Teria a tradição oral de suas tribos selvagens conservado as histórias de suas origens em comum? É quase certo que não – é quase certo que se entenderam como seres completamente distintos.
Se há uma “raça pura” entre os homo sapiens, ela é composta precisamente pelos raros povos ancestrais africanos que chegaram aos dias atuais sem jamais terem saído do Continente Mãe. Enquanto a lendária “raça ariana” é na realidade uma grande mistura de migrações genéticas, onde se incluí até mesmo parte do DNA neandertal, a única vertente “pura” dos homo sapiens é negra e africana, como Adão e Eva.
E, se a sedução de pertencer a uma suposta “raça superior” é muitas vezes motivo suficiente para que muitos de nós abandonem o bom senso e as lições de boa convivência, talvez seja a hora de levantarmos um alerta: o racismo não é uma questão de ser ou não politicamente correto, de se ter ou não uma boa capacidade de convivência, o racismo é uma questão de profunda, profundíssima ignorância.
Se nos dias atuais nossos irmãos que carregam os genes de nossa pele original já conseguem ser aceitos e amados quando são craques em seus times de futebol, ou até mesmo quando se tornam presidentes de potências mundiais, isso é muito bom, mas ainda não é o bastante…
Pois se mesmo tais craques da bola volta e meia ainda são obrigados a conviver com torcidas de mentalidade pré-histórica, que se aprazem em atirar bananas nos gramados, e mesmo se em países de primeiro mundo, governados por um presidente de pele negra, nossos irmãos ainda são mortos por policiais com tiros pelas costas, é porque ainda há muita ignorância ainda por ser depurada.
E como vencer a ignorância da alma, senão pela educação da alma?
E como perpetuar a ignorância, senão por uma educação corrompida?
Sim, Adão e Eva, e todos nós, somos negros, pois é negra a nossa cor original, e é negro o continente de onde todos nós um dia saímos para conquistar a Terra. Sim, o Éden, afinal, também é africano… Está na hora de começarmos a reconstruí-lo, no mundo inteiro.
***
[1] Embora também existam outras teorias que afirmam que ele pode ter se originado tanto na África quanto na Ásia Central e na Europa. Em todo caso, o que nos importa neste artigo é que há fortes evidências de que os primeiros homo sapiens eram negros, seja onde tenham surgido.
[2] Novos estudos científicos e antropológicos levam a crer que a própria distinção da cor azul é algo recente em nossa história.
Crédito da imagem: Karin Miller
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Respostas de 13
Ao falar de raça pura como a negra, você acaba criando mais argumentos para o racismo, já que os humanos com traços de DNA neandertal podem se considerar superiores por serem descendentes de outra raça.
@raph: Bem, eu acredito que quem já é racista encontrará argumentos mesmo onde não existem, ou onde são precários. Os traços de DNA são no mínimo argumentos precários, pois passam longe de delimitar uma raça à parte. Ainda assim, temendo mexer com tema tão polêmico, muitos cientistas evitaram o tema, até que recentemente ficou comprovado que, de fato, quase todos os homo sapiens atuais possuem traços de DNA neandertal, exceto aqueles que jamais saíram da África nem se misturaram com os que migraram de outras regiões da África e dos demais continentes… Ou seja: há muitos negros, de fato a imensa maioria, que também tem traços de DNA neandertal. Isto é, esse argumento, ainda que fizesse sentido, não serviria para descriminar 99% dos homo sapiens de pele negra que encontramos hoje pelo globo.
É isso mesmo que tu disse: “quem já é racista encontrará argumentos mesmo onde não existem”. Ou seja, a pessoa vê o que ela quer…
Discernimento é algo que dá muito trabalho, porém vale a pena…
Mas Adão e Eva não são descendentes da raça azul?
@raph: Não faço a menor ideia…
Na verdade, os primeiros seres humanos considerando-se as raças atuais, ou eram amarelos ou vermelhos. A pele branca e negra são mais recentes.
A raça amarela é a mais antiga acredito. Há texto da Blavatsky sobre.
@raph: Olha, não tenho nada contra a Blavatsky, mas neste caso falamos de evidências bastante fortes, resultado de extensivas análises de cientistas de todo o globo, tanto sobre a codificação do genoma humano, quanto sobre as rotas migratórias que passaram a fazer parte do radar científico desde que essa codificação foi possível. E, ao menos no ramo da bilogia, a teoria com maiores evidências é a de que o homo sapiens surgiu na África, e tinha a pele negra.
Conforme o que eu me lembro dos meus estudos na teosofia e na eubiose, a primeira raça humana com corpo físico (3º Raça-mãe) teria sido a Lemuriana, de pele escura entre o bronze e o negro. Depois da Lemuriana é que teria vindo a Atlante (vermelha) que seria a 4º Raça-mãe e por último a 5º e atual Ária com pele mais clara, incluindo dentre as sub-raças povos asiáticos e por último os realmente brancos. Então os descendentes mais diretos do que haveria de mais antigo na humanidade seriam os negros mesmo, e não os vermelhos ou amarelos.
Eu poderia até estar enganado, mas me sinto bem seguro disso que falei. Vale a pena dar uma olhada de novo no material da teosofia pra verificar. Indico A Visão Teosófica Das Origens do Homem, de Annie Besant e Leadbeater. É legal que não chega nem perto da complexidade da linguagem de HPB.
Paz Profunda, Lucas e Raph! : )
@raph: Oi Lucas, o problema de levarmos em consideração as doutrinas antigas nas quais Blavatsky se baseou é que para elas dificilmente encontraremos comprovação científica. No entanto, veja que as teorias não precisam se chocar: até onde a bilogia e a arqueologia encontraram evidências, Adão e Eva eram negros, já a teoria que Blavatsky nos revelou fala “daqueles que viveram antes de Adão e Eva”. Nesse caso, talvez fosse viável falar em outras raças humanas mesmo, anteriores ao homo sapiens, e que foram muito mais avançadas do que os neandertais.
Lucas, muito obrigada pela informação. Tenho mesmo interesse em comprar os livros da Annie Besant uma vez que ela foi discípula direta da HPB. Eu tenho a descrição desde a 1a. raça e vou rever para termos certeza. Tenho todos os livros Isis Sem Véu e Doutrina Secreta e alguns outros da HPB, e estou lendo o 3º volume de DS – Antropogênese.
É sempre bom discutirmos com outras pessoas, assim gravamos melhor nossos conhecimentos.
Paz Profunda.
Deborá::
Um dos textos mais sensatos que vi nos ultimos tempos! Vêm de uma descência antropologica sem tamanho!
Parabéns por fundamentar com tanta simplicidade e objetividade um tema ainda tão polemico! Grato por compartilhar pensamentos tão lindos!
@raph: Obrigado André. O meu intuito é exatamente que todos parem para refletir. Quando falo em ignorância, incluo a minha própria, e eu também escrevo para melhorar a mim mesmo 🙂
Por que quando se fala de raça, vão logo na negra? existem e existiram várias raças, quem sabe… sabe.
Parece que existe só 2, a branca e a negra porque só falam disso.
Quando se diz em racismo, pensa-se logo na negra. e por que não na amarela, na verde, na rosa?
@raph: Bem, no Brasil, por exemplo, se fala mais em racismo contra negros porque, bem ou mal, eles sobreviveram. Os de pele vermelha foram praticamente extintos, então não sobrou muita gente para que os descendentes dos brancos europeus tenham racismo. E, claro, é óbvio que os humanos de pele negra ou vermelha podem muito bem ter racismo contra os de pele branca, ocorre que os brancos, na maior parte dos casos, nunca foram escravizados, massacrados ou oprimidos por eles, ao menos não em larga escala…
“Quando o homem voltar ao reino interno e subjetivo, compreenderá as palavras do Divino Mestre que disse: “O reino do céu está dentro de vós mesmos”. Compreenderá que Adão não é um homem, senão a primeira emanação positiva do Absoluto.
-Que Eva não é uma mulher, senão a segunda emanação passiva.
-Que jardim do Éden está no corpo, que reúne essas polaridades.
-Que a terra da promissão é o corpo humano.
-Que o Santo Sepulcro é o coração; que Judas é o egoísmo próprio, que o Mar Vermelho é a natureza emocional do fígado do homem.
-Que os evangelhos são um relato da vida passada do homem e o Apocalipse, a vida futura.”
muito lindo o que vc escreveu. infelizmente vai demorar muito para o homem saber de tudo isto. abraço.
Fico imaginando reunir no mesmo local o MDD, Wagner Borges, Frater Goya, Sandro Fabres do Forum GVA e outros proeminentes ocultistas/espiritualistas do Brasil. Não sei o que daria mas é tanto conhecimento que não cabe na tela.
@raph: Nos Simpósios de Hermetismo, em São Paulo, alguns deles já estiveram juntos no mesmo evento 🙂
Acho que nunca li um texto tão bem escrito e lindo a respeito deste assunto.
Muito obrigada por postar!
Obrigado Valkiria 🙂