A vontade em thelema: A vontade é supra racional

– “Nosso próprio Eu Silencioso, desamparado e tolo, escondido dentro de nós, brotará, se tivermos habilidade em entregá-lo à Luz, brotará luxuriosamente com seu grito de Batalha, a Palavra de nossas Verdadeiras Vontades” – Aleister Crowley, The Law is for All, comentário a I: 7
A primeira pergunta que se poderia fazer quando se embarca na busca da filosofia de Thelema é “Qual é a minha Vontade?” Ou “Como sei qual é a minha Vontade?”. A resposta a essas perguntas pode inicialmente ser presumida na forma de uma sentenças como “minha Vontade é ser médico” ou “minha Vontade é comer esse sanduíche”, mas não é isso, pois [isso] seria restringir a Vontade às armadilhas da linguagem e da razão. A Vontade é o Movimento mais íntimo do próprio ser, é uma expressão individual da Eterna Energia do cosmos.

“O Caminho que pode ser nomeado não é o Caminho Eterno.”[1]

Limitar a vontade à expressão lógica é inerentemente afirmar um limite. Além disso, [ao fazermos isso, assumimos] que se deve ter uma razão lógica para agir de tal maneira; contudo,, ao assim assumirmos, “[caímos] no poço chamado Porque” para “perecer com os cães da Razão”[2]. A Besta comentou: “É ridículo perguntar a um cão porque ele late”[3], pois isso é simplesmente uma expressão de sua natureza, não determinada por qualquer tipo de processo racional.

“É preciso cumprir a verdadeira Natureza de alguém, é preciso fazer a própria Vontade. Questionar isto é destruir a confiança, e assim criar uma inibição(…). Não há ‘razão’ alguma pela qual uma Estrela deva continuar em sua órbita. Deixe-a rasgar! Cada vez que o consciente age, ele interfere com o Subconsciente, que é Hadit. É a voz do Homem, e não de um Deus. Qualquer homem que ‘escuta a razão’ deixa de ser um revolucionário.”[4]

Novamente, expressar a Vontade em termos de razão é afirmar um limite. Isto se dá pela natureza intrinsecamente dualista não só da lógica e da razão, mas da própria linguagem e do próprio pensamento. Fazer isso [expressar a Vontade em termos de razão] seria criar uma ruptura em um ser, fraturando-o em multiplicidade[s].

“Os pensamentos são falsos” [5]

Para experimentar e manifestar a Vontade pura, não se deve agir com base em noções de propósito ou de desejo por algum resultado final ou resultado pré-formado[6]. Essas duas coisas são manifestações da mente dualista e nos amarram desnecessariamente às armadilhas da lógica. A Vontade só pode ser a manifestação genuína e espontânea da natureza íntima de cada um, o todo unido de seu ser.

Uma vez que “a palavra do Pecado é Restrição”[7], a Vontade certamente não é deduzida do funcionamento da mente que, por sua própria natureza, afirma divisão e separação e, portanto, restrição. Quando eliminamos o pântano da moralidade e as categorias super contempladas da metafísica, a Vontade pode mais facilmente se manifestar desinibida.

“Na lógica há um traço de esforço e dor; a lógica é autoconsciente. Assim é a ética, que é a aplicação da lógica aos fatos da vida(…) A vida é uma arte, e como arte perfeita deve ser auto esquecida; não deve haver qualquer vestígio de esforço ou sentimento doloroso. A vida (…) deve ser vivida assim como um pássaro voa pelo ar ou como um peixe nada na água. Assim que há sinais de elaboração, um homem está condenado, não é mais um ser livre. Você não está vivendo como deveria viver, sofre sob a tirania das circunstâncias; você está se sentindo um contraste de algum tipo, e você perde a sua independência(…) Não ser limitado por regras, mas sim criar as próprias regras (…)” [8]

E este último ponto é importante porque Thelema não é ilógico ao desejar que a razão seja totalmente abolida;ela deseja, sim, que a razão seja posta no seu devido lugar, sob o governo da Vontade. A mente é um mestre duro e uma boa amante, pois uma vez que se percebe que a Vontade não é passível de dualismos do pensamento, uma vez livre dos vínculos anteriores da lógica, pode-se empregar novamente a razão em benefício próprio nas circunstâncias que assim exigirem.

“Não é o objetivo (…) parecer ilógico por benefício próprio, mas fazer com que as pessoas saibam que a consistência lógica não é final, e que há uma certa afirmação transcendental que não pode ser alcançada por mera destreza intelectual(…) Quando dizemos ‘sim’, afirmamos, e ao afirmar, nós nos limitamos. Quando dizemos ‘não’, negamos, e negar é exclusão. A exclusão e a limitação, que afinal são a mesma coisa, assassinam a alma; pois não é a vida da alma que vive em perfeita liberdade e em perfeita unidade? Não há liberdade ou unidade(…) na exclusão ou na limitação” [9]
Aqui – fora de dualismos lógicos, fora de noções de ética, de propósito e metafísica – a Vontade pode ser conhecida. Esse conhecimento não é o da mente que afirma a dualidade – um conhecedor e uma coisa conhecida -, mas o conhecimento experiencial, a gnose, de imersão no fluxo do mundo. Aqui a Vontade Eterna percorre o indivíduo, é o indivíduo, pois “(…) a mente, nunca à vontade, range ‘Eu’/Isto eu não persisto, não posto através de gerações, mudo momentaneamente, finalmente está morto./Portanto, o homem só é ele mesmo quando está perdido para si mesmo na Carruagem”[10]. Portanto, “conhece-se” a própria Vontade ao fazer a própria Vontade. A Vontade que não é restringida por formulações mentais vem livremente do Eu mais íntimo, coroado e conquistador.

“A vida é fato e nenhuma explicação é necessária ou pertinente. Explicar é pedir desculpas, e por que devemos nos desculpar por viver? Viver – isso não é suficiente? Vamos viver então! “[11]

Referências:
[1] Lao Tsu, Tao Teh Ching, ch.1
[2] Liber AL vel Legis, II:27
[3] Aleister Crowley, The Law is For All, commentary to II:31
[4] Aleister Crowley, The Law is For All, commentary to II:30-31
[5] Aleister Crowley, The Book of Lies, ch.5
[6] A reference to Liber AL vel Legis, I:44, “For pure will, unassuaged of purpose, delivered from the lust of result, is every way perfect.”
[7] Liber AL vel Legis, I:41
[8] D.T. Suzuki, Intro to Zen Buddhism, p.34
[9] D.T. Suzuki, Intro to Zen Buddhism, p.37
[10] Aleister Crowley, The Book of Lies, ch.8
[11] D.T. Suzuki, Intro to Zen Buddhism, p.41

Link orignal: https://iao131.com/2011/03/21/the-will-is-supra-rational/
Tradução: Mago Implacável
Revisão Maga Patalógica

Compartilhar:

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn

Respostas de 3

  1. Gostei muito da afirmação de que não devemos cair no poço do Porque, que isso é perecer com os cães da razão. Se deixar, a razão te come vivo, e isso acaba com qualquer autenticidade do ser. Devemos usar a razão para aquilo que ela foi “feita”, para atingir certos objetivos, ela é prática, funcional. Usar a razão lógica para buscar respostas transcendentais íntimas, ou justificar nossos anseios mais profundos é limitar-se.
    Mas como viver o fluxo da vontade suprema, da nossa autenticidade toxidade, aí que o b.o. começa.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Social Media

Mais popular

Receba as últimas atualizações

Assine nosso boletim informativo semanal

Sem spam, notificações apenas sobre novos produtos, atualizações.

Categorias

Projeto Mayhem

Postagens relacionadas

Mapa Astral de Pablo Picasso

Pablo Picasso (Málaga, 25 de outubro de 1881 — Mougins, 8 de abril de 1973), foi um pintor, escultor e desenhista espanhol, tendo também desenvolvido

Mapa Astral de Timothy Leary

Timothy Francis Leary, Ph.D. (22 de outubro de 1920 – 31 de maio de 1996), Professor de Harvard, psicólogo, neurocientista, escritor, futurista, libertário, ícone maior

Mapa Astral de Oscar Wilde

Eu não gosto muito de postar vários mapas seguidos, porque o blog não é sobre Astrologia, mas agora em Outubro/Novembro teremos aniversário de vários ocultistas