Dizem que os cruzados queriam retomar a Terra Santa, pela força das armas, em honra ao seu Deus. Mas nem todos seguiram até Jerusalém armados – houve crianças que se dispuseram a libertar sua terra sacra pela força da inocência…
Não se deve subestimar os mitos – os fatos do espírito encenados no mundo. Por vezes, a encenação se torna uma tanto quanto real ou, pelo menos, o tanto quanto é possível “ser real” além da realidade da mente.
Ensinaram a essas crianças os mitos errados. As que não morreram de fome, sede ou doenças pelo caminho, naufragaram no Mediterrâneo ou foram vendidas como escravos por vendilhões pouco entusiasmados com a sua mitologia.
Faz tempo que o homem busca a Deus, seu Reino, ou alguma “santa terra” pelo horizonte… Antes de Maomé, os árabes já circundavam a Ka’bah de Meca. O deus daquela pedra é ainda mais antigo que Allah. De fato, desde a pré-história, toda pedra posta de pé representava algum deus. Desde El Shadai (“o deus da montanha”) até o monólito de 2001 – tudo isso são símbolos que tentam dar conta de falar do que não pode ser dito.
E o que se faz quando um povo é expulso de sua terra estreita, com seus deuses de pedra? Foge-se para o deserto e se atravessa o Mar Vermelho – Moisés foi apenas mais um destes…
Dizem que o povo judeu nunca consegue se estabelecer por muito tempo num mesmo local. Que sua Terra Santa e seu Templo estão sempre sob constante ameaça de invasões e guerras… Besteira! Todo verdadeiro judeu já subiu ao seu próprio Monte Sinai e recebeu sua própria Tábua Sagrada.
Nela, se lê em letras que não devem ser lidas:
“Israel é todo o mundo”.
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E não obstante, há aqueles que ainda creem que Deus se esconde nalgum palmo de terra ou debaixo do azulejo de algum templo antigo… E não obstante, há aqueles que creem que seu Cordeiro ainda jaz crucificado, a espera da libertação pela força (das armas) – e, dessa maneira, ainda hoje, na Terra Santa, a turba angustiada ainda clama pelo Cristo, mas o que sai de suas bocas (sem que percebam) é um brado de guerra:
“Salvem Barrabás! Salvem Barrabás!”.
O Cristo já saiu da cruz há tempos, e foi libertar aquelas crianças que o perseguiam pela força de sua inocência – pois que nenhum inocente deve ser escravizado…
E não obstante, naquela sacra terra ainda se ergue uma gigantesca cruz com um espantalho crucificado. É este deus, “o deus espantalho”, que os homens ignorantes lutam para libertar.
Mas naquele que teve olhos para enxergar, o Cristo já está liberto, dançando livre por sua terra, por Israel (que é todo o mundo), e dando piruetas dentre os torvelhinhos que também giram, como tudo o mais, dentro do espírito…
raph’13
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Crédito da imagem: Google Image Search/Anônimo
O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.
Ad infinitum
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Respostas de 3
Como diria Jung:
“Evolução não se trata de Evolução linear, e sim de uma circumambulação do si-mesmo.”
Poucos ritos são tão universalmente comprovados como a circum-ambulação. Praticavam-na os hebreus em torno do altar (Salmos 26, citado em nossos dias na liturgia eucarística). Os árabes a praticam em torno da Ka’ba (Caaba) de Meca, retomando nisso um rito pré-islâmico. Os budistas fazem-no em volta das stupa (o Buda o fez em volta da árvore de Bogh-Gaya). Os tibetanos (Bom-po e Lamaístas), em torno dos templos, em torno dos chorten. Os cambojanos evoluem em torno de uma casa nova, de um altar; o rei, em torno de sua capital, da qual toma posse. Pois o bispo católico não faz a mesma coisa, em torno da igreja que ele consagra? Ou o padre em torno do altar, que incensa? A circum-ambulação é largamente praticada na Índia. Na China, o era também, pelo imperador no seu Ming-t’ang. O rito é conhecido das populações centro-asiáticas e siberianas. Foi em seguida a uma circum-ambulação em torno do pilar celeste que o primeiro casal se uniu, segundo a mitologia japonesa.
Observe-se que se Izanami e Izanagi giram em sentido inverso antes de se encontrarem, a ambulação ocorre mais geralmente guardando o centro à direita*, i.e., no sentido do movimento aparente do sol, visto do hemisfério boreal: é o caso da Índia, do Tibete, do Kampuchea (Camboja). Em outras circunstâncias, no entanto, utiliza-se o sentido polar (aquele no qual se vêem as estrelas girar em torno do pólo). É o caso, no Islã, no Bom-po e, muito excepcionalmente, no mundo hindu, em Angkor-Vat.
Vê-se que, se a circum-ambulação é por vezes um simples rito de homenagem (mas não poderá esse rito ter, por si mesmo, e originariamente, um sentido simbólico?), ela tem, sobretudo, valor cósmico. O pradakrishna (solar) se efetua às vezes ao nascer do sol: é o ciclo da luz. O imperador chinês, processionalmente no Ming t’ang, se detém às doze portas, que correspondem aos doze sóis (adityia) e aos doze signos do Zodíaco. A ambulação se completa sete vezes em Meca; é o número das esferas celestes. Na Sibéria se cumpre três, sete, nove vezes: é o número dos mundos, ou dos planetas, ou dos andares do céu. Observe-se, aliás, que o mito japonês faz com que o kami macho gire num sentido, o kami fêmea no outro, o que seria ainda mais significativo se os textos fundamentais não estivessem em contradição quanto ao sentido utilizado por um ou pelo outro.
A imitação dos ciclos astrais tem, seguramente, por objetivo assegurar a harmonia do mundo, adaptando os ritmos do microcosmo aos do macrocosmo. Ela resume e reúne o universo no templo ou no monumento que figura, no caso, o centro. Girar em torno do monumento é reintegrar a circunferência no seu centro.
O templo* é também o eixo do mundo, em torno do qual evolui o redemoinho samsárico, até que a Iluminação freie o giro. É então que a circunferência se confunde com o centro. Em Borodubur (Java), com sua base quadrangular de pedra em dois andares, suas quatro galerias, em ordem ascendente, e seus três terraços superiores, circulares, coroados por uma stupa fechada e vazia – ou ocupada por um Buda invisível – o símbolo expressa com ainda maior eloqüência um movimento concêntrico e progressivo em busca do conhecimento do self, i.e., da própria natureza.
Angkor propõe os dois sentidos: pradakrishna ou prasavya, a via celeste ou a terrestre, a via da vida ou da morte, kalpa ou pralaya. No tantrismo, a via da direita corresponde ao leste ou à primavera; a via da esquerda, ao oeste ou ao outono. São as duas correntes contrárias da energia cósmica. Ora, Angkor-Vat é o único templo que se abre ao sol poente. É, admite-se, um templo funerário. É, também, um dos raros templos do grupo consagrado a Vinexu: prasavya pode ser o ritmo de Vinexu, porque a involução não leva nada mas ao Princípio. Vinexu – o Conservador – reintegra o ritmo e absorve as formas. Pradakrishna é, em contraposição, o ritmo xivaísta: evolutivo e centrífugo, é o da manifestação presente, organizada pelo rei reinante, que está bem no centro do espaço e do tempo, substituto de Xiva.
Nas tradições celtas, a circum-ambulação no sentido do movimento do sol é usada correntemente como marca de intenção favorável. No sentido oposto, indica hostilidade, inimizade, ou, ainda, furor guerreiro. De volta da sua primeira experiência na fronteira de Ulster, o herói Cuchulainn (que te sete anos) manobra para que seu carro apresente o lado esquerdo para o recinto da capital da província, Emain Macha. O rei Conchobar manda imediatamente que se tomem as medidas de precaução necessárias.
No sama dos dervixes rodopiantes, a dança circum-ambulatória assume um significado ao mesmo tempo cósmico e místico. Ela tende a evocar a evolução dos astros e a provocar o êxtase da alma, pela união de um duplo torvelinho e do estridular das flautas. O ordenador dessas danças sagradas, que foi também um grande poeta religioso, Jalal-od-Din-Rumi, escreveu: Ó Dia, levanta-te, os átomos dançam, dançam as almas perdidas de êxtase, e dança a abóbada celeste por causa desse Ser. Ao ouvido te direi onde essa dança o conduz. Todos os átomos que se encontram no ar e no deserto, saiba que estão possuídos como nós, e que cada átomo, ditoso ou desditoso, fica aturdido pelo sol da alma incondicionada. Cada um dos movimentos dessa dança, explica Eva Meyerovitch, comporta um sentido simbólico. O xeque, imóvel no centro da ronda, representa o pólo, o ponto de interseção, entre o intemporal e o temporal, por onde passa e se distribui a graça sobre os dançarinos. O círculo é dividido pelo meio em dois semicírculos, dos quais um representa o arco de descida, ou de involução, das almas na matéria, e o segundo, o arco de ascensão para a luz.
@raph: A que eu mais gosto é esta 🙂
Circumambulação significa não somente um movimento circular, mas também a marcação de uma área sagrada em torno de um ponto central. Psicologicamente, Jung a definia como uma concentração em um ponto, e a ocupação deste, concebido como o centro de um círculo. Mediante a AMPLIFICAÇÃO, chegou a ver isso como uma imagem circular, que para ele sugeria a contenção do EGO na dimensão maior do SELF (CW 9ii, parág. 352). Achou o processo refletido no simbolismo de transformação da missa, bem como na MANDALA budista. Interpretou um movimento horário com estando na direção da consciência e uma circumambulação no sentido anti-horário como uma espiralização para baixo em direção ao INCONSCIENTE.
Circumambulação era um termo alquímico também usado para uma concentração no centro ou lugar da mudança criativa. O círculo definido ou TEMENOS é uma metáfora para a contenção necessária durante a ANÁLISE, a fim de se resistir às tensões produzidas pelo encontro de OPOSTOS e evitar uma ruptura e desintegração psicóticas conseqüentes. Como manifestações de processos inconscientes, os SONHOS podem ser observados como circumambulando ou girando ao redor de um ponto. Neumann (1954) usou o termo centroversão em lugar de circumambulação, quando aplicado como um princípio da INTEGRAÇÃO psíquica.
Eu acho que só esse comentário em si já merecia um post próprio. E gostei muito do texto em si além do comentário =]
Outro texto de altíssima qualidade…
Nem sei por que ainda comento de tão habitual que já é…
@raph: Hehe, é sempre bom saber, obrigado 🙂