Tradução: Fráter Dissonus.
Revisão: Maga Patalógica
Introdução
Liber Al vel Legis sub figura CCXX foi um tratado que Aleister Crowley escreveu (ou “recebeu”) no Egito em 1904. Este livro é o fundamento do sistema filosófico-religioso de Thelema, e este texto tem a intenção de estabelecer uma exposição válida do Liber AL também como psicologia. O Liber AL faz o que parecem ser várias afirmações metafísicas e espirituais, mas as nós examinaremos sob uma ótica estritamente psicológica. Carl Jung escreveu estas cuidadosas palavras que caracterizam a atitude deste texto:
“O ponto de vista religioso sempre expressa e formula a atitude psicológica essencial e seus preconceitos específicos.”1
Então,
“(…) a psicologia trata todas as pretensões e afirmações metafísicas como fenômenos espirituais, considerando-as como enunciados acerca do espírito e sua estrutura que, em última análise decorre de certas disposições inconscientes. A psicologia não os considera como possuidores de valor absoluto, nem também lhes reconhece a capacidade de expressar uma verdade metafísica”.
Assim, as afirmações do Liber AL vel Legis são agora compreendidas como descrições de fenômenos mentais, ou de uma forma mais acurada, coisas que são parte da psique, do consciente aos profundos espaços do inconsciente. Como o Liber AL será tratado como uma série de afirmações psicológicas sobre o fenômeno mental, poderia ser afirmado que é completamente subjetivo. Isto é simplesmente não verdadeiro. Assim como os cientistas naturais dependem da uniformidade da natureza, [também] o psicólogo depende da relativa uniformidade da psique humana. Jung afirma:
“Deve ser notado que assim, como o corpo humano mostra uma anatomia comum sobre e acima de todas as diferenças raciais, assim também a psique humana possui um substrato comum que transcende todas as diferenças na cultura e na consciência. Eu chamei esse substrato de inconsciente coletivo. Esta psique inconsciente, comum a toda humanidade[,] não consiste somente de conteúdos capazes de se tornarem conscientes, mas em predisposições latentes dirigidas a reações idênticas. O inconsciente coletivo é simplesmente a expressão psíquica da identidade da estrutura cerebral independentemente de diferença racial.” 3
Assim, potencialmente, poderíamos descrever o Liber AL vel Legis de forma mais precisa como um produto e uma expressão do inconsciente coletivo, filtrado pela psique única e peculiar de Aleister Crowley. Podemos então encontrar afirmações de sentido universal explicadas sob a figura de certos símbolos que eram familiares à consciência de Crowley e, portanto, reproduzidas pelo inconsciente neste texto. Se pudermos compreender o significado de vários termos e símbolos no Liber AL vel Legis como são utilizados – como, esperamos, Crowley os compreendeu -, o significado ou propósito em seu aparecimento no texto, vindos do inconsciente, poderão ser entendidos. Então podemos ver que a Thelema propõem essencialmente um novo ponto de vista psicológico da vida.
Primeiros princípios
Estes princípios devem ser estabelecidos inicialmente para formar um quadro funcional de Thelema para que se trabalhe adequadamente dentro do mesmo. Estes princípios da existência no Liber Al Vel Legis são proclamados como uma dicotomia (assim como o conceito Taoista do Yin & Yang e os conceitos ocidentais dos elementos água e fogo) na primeira linha dos capítulos 1 e 2. 4 Eles são Nu/Nuit e Had/Hadit, que são compreendidos como o Espaço/Potencial Infinito e Movimento Infinito, respectivamente. Curiosamente, eles são representados sob a antiga figura simbólicas “Na esfera Eu (Hadit) sou em todos os lugares o centro, e ela (Nuit), a circunferência, não pode ser encontrada”, o que faz eco a uma afirmação quase idêntica de Empedocles5 no século quinto A.C.
Nuit é “[o] infinito em que todos moramos e movemos e temos nosso ser”6, “Nuit é tudo o que pode ser e é demonstrada através de qualquer que é”7, “o total de possibilidades de qualquer tipo”8 e ela se proclama: “Eu sou o Espaço Infinito, e as Estrelas Infinitas daí”.9 Hadit é muito abstrato: ele “[n]ão possui Natureza Própria, pois Ele é aquele a quem ocorrem todos os eventos” 10 e ele é “qualquer ponto que já experienciou estas possibilidades”. 11 O universo é então compreendido como sendo feito de complementos similares à Matéria e ao Movimento, Espaço e Tempo, porém compreendido sob a figura simbólica de Nuit e Hadit, etc. Desta forma, podemos ver que a Thelema postula um universo próximo ao nosso entendimento (por exemplo, o contínuo espaço-tempo) e ainda adiciona uma dimensão simbólica e quase pessoal a estas ideias. Além disso, Liber AL apresentou um grupo de símbolos com o qual o inconsciente deve trabalhar. Crowley aprofunda este simbolismo ao escrever:
“O Universo manifesto vem da união de Nuit e Hadit; sem isto nada poderia existir. Este casamento-banquete perpétuo, eterno é então a natureza das próprias coisas; e, portanto, tudo o que é, é uma cristalização do êxtase divino”. 12
O primeiro fato da vida para o Thelemita é então que todas as coisas são compreendidas sob o símbolo de um coito ou “casamento-banquete perpétuo” destas duas ideias de “Espaço Infinito” (Nuit) e aquilo ou aquele que experiencia estas possibilidades (Hadit); portanto a própria vida é entendida como “a cristalização do êxtase divino”. Estas são as primeiras evidências de que Thelema, como expressa no Liber AL vel Legis, promove um novo ponto de vista psicológico do júbilo; tema que será elaborado mais profundamente numa próxima sessão.
Em essência, um tipo de dicotomia foi estabelecido: o Observador-de-eventos, não tendo dimensão em si mesmo, é chamado de Hadit, e /Todos os eventos que podem ser percebidos/, o Campo da percepção, é Nuit – um modelo perfeitamente aceitável para entender o mundo psicologicamente. Isto lembra uma afirmação similar feita no Bhagavad Gita Hindú:
“O que quer que exista (…) animado ou inanimado, nasce da união do campo e seu Conhecedor.”13
O que é notavelmente similar às ideias do psicólogo Carl Rogers,14 que descreveu sua “terapia centrada no cliente” em 1951, quatro anos após a morte de Aleister Crowley. Rogers delineou dezenove propostas que descrevem seu sistema terapêutico e a primeira proposta é:
“Todo indivíduo (organismo) existe em um mundo de experiências (campo fenomenológico) que muda constantemente do qual ele é o centro.” 15
O ponto de vista individual, Hadit, existe em um campo fenomenológico em constante mudança, Nuit, do qual ele/ela é o centro, assim como foi visto anteriormente. Rogers afirma em sua sétima proposta “O melhor ponto de vantagem para o entendimento do comportamento é de um quadro interno de referência do indivíduo.” Estas são as primeiras posturas do Liber AL vel Legis, antecipando vários modelos psicológicos.
* * * * *
1 Jung, Carl. “Psychological Commentary on The Tibetan Book of the Great Liberation,” extracted from Collected Works of C.G. Jung, Volume 11, Psychology and Religion: West and East, par. 771.(tradução original das Obras completas)
2 Jung, Carl. “Psychological Commentary on The Tibetan Book of the Great Liberation,” par. 760.
3 Jung, Carl. “Psychological Commentary on ‘The Secret of the Golden Flower’” extraído de Collected Works of C.G. Jung, Volume 13, Alchemical Studies, par. 11.
4 “Had! The manifestation of Nuit” (Liber AL, I:1) & “Nu! The hiding of Hadit” (Liber AL, II:1).
5 Empedocles é a mesma pessoa que acreditava que o mundo era feiro específicamente de Fogo, Agua Ar e Terra.
6 Crowley, Aleister. “Liber DCCCXXXVII: The Law of Liberty.”
7 Crowley, Aleister. “Djeridensis Working,” I:1.
8 Crowley, Aleister. Introduction to Liber AL vel Legis, part II.
9 Crowley, Aleister. Liber AL vel Legis, I:22.
10 Crowley, Aleister. “Djeridensis Working,” II:2.
11 Crowley, Aleister. Introduction to Liber AL vel Legis, part II.
12 Crowley, Aleister. “Liber DCCCXXXVII: The Law of Liberty” from Equinox III(1).
13 Bhagavad Gita (trans. by E. Easwaran), ch.13, verse 26.
14 Carl Rogers (1902-1987) foi um dos fundadores da linha “humanista” da psicologia, he was one of the founders of psychotherapy research, ele foi um dos fundadores e desenvolvedor da Abordagem Centrada na Pessoa.
15 Rogers, Carl. Client-Centred Therapy, ch.11
Link original:https://iao131.com/essays/translations/a-psicologia-do-liber-al-pt-1-introducao-e-principios-iniciais/
Respostas de 3
Cada alma é diferente na sua essência, então acho que não tem como por trás da dualidade sermos o mesmo,acho que só enquanto ego,somos os mesmos,é quase como se o Jung tivesse entendido só que ao contrário,o que não é nada incomum, inclusive,o texto original é mais preciso do que a complicação que Jung faz…
Como podemos ter certeza de que a essência possui individualidade? Já enquanto Ego, acho difícil dizer que somos iguais. Possuímos desejos, gostos, ambições, defeitos, preconceitos diferentes uns dos outros por crescermos em diferentes culturas/criações/famílias etc. E essas coisas definem o Ego, coisas desta terra, passageiras e imperfeitas. Não acho que Jung tenha errado e nem que ele complique.
Se somos iguais enquanto Ego, é somente no fato de sermos todos imperfeitos…
Somos realmente iguais com o ego sim,passamos pelos mesmos defeitos sim,e mesmas dificuldades,”um mestre sempre reconhece um aluno” mas com nossa alma é individual e única,temos mais facilidades em vencer alguns defeitos,que outros tem mais dificuldade,por exemplo vc pode ser uma pessoa que não tenha preguiça pra fazer seus afazeres,mas que por conta disso acarretou um baita orgulho mais difícil de perder,e outras pessoas podem ter dificuldade na preguiça mas facilidade em lidar com o orgulho,e essas facilidades vc as verá como óbvias quando chegar na sua essência,então saberá que árvore vc é e que tipo de frutos dará.
E digo mais ,nunca pense que só vc passa por tal dificuldade,o processo de desenvolvimento é igual a todos,todo mestre trilhou o caminho do aluno, cultura/criação/ como vc disse não nos difere,só exalta nossos defeitos de formas diferentes,que são os mesmos,vc que ainda está julgando e por enquanto não entende,quando vc “subir de nível” queimar todos seus defeitos virar mestre, transforma o chumbo em ouro etc… Ai tudo fica claro, explicar é inútil,até lá se apegue aos símbolos e as promessas kkk
E a minha certeza vem de meu tino a duvidar (eis outro exemplo do pq acho que ele entendeu o contrário)”assim na terra como no céu” e se a vontade dele era julgar,então quem não entendeu fui eu jsbsjsnjhshshahjwj