A Previsão do Presente

» Parte final da série “O que dizem os astros?” ver parte 1

E o que é o futuro, senão a conseqüência do que se faz – do que se escolhe – no presente? Que a astrologia tenha se popularizado como uma forma simples de se prever a sorte diária não é culpa dos grandes sábios e cientistas (a astronomia veio da astrologia) de diversas épocas que a consideravam com seriedade, mas sim da superficialidade com que os ignorantes tratam do assunto. A Astrologia funciona através do que Carl Gustav Jung chamou de sincronicidade. As mesmas energias universais responsáveis por todo o mecanismo de gravitação dos corpos celestes e emanações solares fazem com que a cada determinado instante, a Terra seja imantada com uma determinada gama energética, que é representada através de arquétipos (signos).

Agrippa via o universo como o unus mundus, onde o que ocorre no mundo celestial chega até o mundo dos fenômenos, intermediado pela esfera dos corpos celestes. Nesta concepção, a relação entre a esfera dos corpos celestes e a esfera humana não é de causalidade, mas de analogia ou sincronicidade. Astrólogos de orientação biológica procuram a explicação nos ritmos e ciclos biológicos, como os circadianos e lunares. John Addey realizou vários levantamentos estatísticos em busca da comprovação de conceitos astrológicos, como o de quase mil nonagenários e a relação Sol-Saturno. Descobriu, assim, o significado das relações harmônicas entre períodos cósmicos. Outra concepção é que a influência se dá através da variedade de raios cósmicos que chegam ao nosso planeta. Ebertin é um dos defensores desta hipótese… Por mais que tais suposições e nomenclaturas soem estranhas para os astrônomos atuais, há que se admitir que possuem muito mais lógica do que a astrologia de jornal – independente de serem reais ou não.

Em todo caso, ao que me parece, a totalidade dos astrólogos sérios considera que o movimento celeste não exerce influência direta sobre os eventos cotidianos… Não é porque Vênus está neste ou naquele local do céu que teremos maior ou menor sorte em apostar na loteria. E, em todo caso, o que seria a sorte senão a conseqüência futura de escolhas presentes?

“Ó homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo.” – esta era a inscrição no Oráculo de Delfos, um dos centros religiosos da Grécia antiga. Me parece que ele encerra o conceito primordial em que se baseia toda a Astrologia: conhecer a si mesmo é análogo a conhecer os deuses e o universo (Cosmos). O que está em cima, os corpos celestes, é como o que está embaixo, os corpos neuronais… O céu noturno é uma emanação física da mente cósmica (isso é uma analogia!) assim como o baile elétrico das sinapses é uma emanação física de nossa alma (isso também é uma analogia).

Se o futuro é fruto de nossas escolhas presentes, de nada adiantam previsões que sempre serão algo incertas. O que importa é compreender o mecanismo pelo qual fazemos nossas escolhas. O que importa é compreender o sentido pelo qual fazemos nossas escolhas. O que importa é compreender a nós mesmos, que perto de tal compreensão todo o futuro é secundário. Exatamente por isso sempre houve esse consenso entre os grandes sábios… Mesmo o Rabi da Galiléia nos afirmou que somos deuses (João 10:34), que faremos tudo o que ele fez e muito mais ainda (João 14:12). O universo interior é ainda mais vasto que o exterior, compreendê-lo é a nossa divina jornada.

“Nós, como pessoas que experienciam, não aceitamos tudo o que nos é fornecido por nosso instrumento, a máquina neuronal de nosso sistema sensorial e o cérebro, nós selecionamos tudo o que nos é fornecido de acordo com o interesse e a atenção, e modificamos as ações do cérebro, através do eu” – Esta não é uma citação de um religioso ou astrólogo, mas de um neurologista… Sir John Eccles, vencedor do prêmio Nobel de medicina de 1963, foi talvez o mais ilustre cientista a argumentar em favor da separação entre a mente, a consciência (no caso, um processo da mente) e o cérebro. Somos seres que interpretam informações de acordo com nossa vontade, e não máquinas que computam informações de acordo com nossa programação.

Nós não fomos programados, não formos criados como robôs ou fantoches. Fomos criados livres, e com um caminho infinito de evolução à frente. Nossa liberdade não é absoluta, da mesma forma que uma criança precisa brincar apenas em sua caixa de areia, nossas escolhas são locais e não globais – ainda assim, são escolhas! Perto da magnitude do Cosmos, perto da abrangência desse sistema que nos conecta a todos em uma trilha de luz, que importância poderia ter o futuro? Que importância poderia ter saber se vamos casar, ou com quem, se vamos ter mais ou menos dinheiro, se vamos sofrer acidentes ou doenças, se vamos tirar a sorte grande, se vamos ter tranqüilidade ou angústia, se vamos amar ou odiar, se vamos viver ou morrer? Se tudo passa pela nossa sagrada capacidade de escolher as escolhas que nos são dadas, e sermos inexoravelmente empurrados pelos ventos que não são possíveis de se evitar, honestamente eu dispenso a previsão.

Quem sabe nalgum dia, após nossa longa jornada de busca espiritual, finalmente percebamos que estivemos apenas a girar pela roda da carroça que percorre os velhos sulcos. Nessa roda há movimento, mas sua sustentação está no eixo. No eixo da roda, há eternidade, há essência, há a reconciliação de todos os paradoxos e o tilintar de todas as sincronicidades. O que importa é apenas a previsão desse momento, a previsão do presente.

***

Nota: Esta série de artigos não é centrada na Astrologia (embora toque no assunto), e sim nos conceitos filosóficos do determinismo e da liberdade.

Crédito da foto: Mark Miller e The Virgo Consortium

O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph). Também faz parte do Projeto Mayhem.

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Respostas de 7

  1. Inicialmente, parabéns pelo artigo. Sempre bom sermos levados a refletir sobre estes assuntos.

    Sempre vi um conflito sobre esse assunto de “Livre Arbítrio” e para mim, é um dos assuntos mais controversos que já conheci. Como você, gostaria de colocar algumas dúvidas no ar e se pudesse dar a sua opinião, seria bem interessante:

    – Se ao reencarnarmos escolhemos o que iremos fazer, como nós, encarnados, podemos escolher também?

    @raph – Acredito que possamos escolher na medida de nossa “amplitude de consciência” (um termo melhor, talvez, do que “evolução espiritual”). Aquele padre que matou inocentes na fogueira durante a inquisição pode optar por, por exemplo (e isso é apenas um exemplo mesmo), morrer queimado num incêndio ou passar a vida cuidando de pessoas queimadas em zonas de guerra, como médico sem fronteiras… Mas não adiantará nada ele escolher algo que não poderá cumprir – de modo que se ele escolhe a vida da caridade, mas não cumpre com o que havia “acordado”, pode morrer quimado mesmo assim. Esse exemplo é meio extremo e trágico, na maioria dos casos acho que nossas escolhas giram em torno de opções mais triviais, como ser um pai amoroso, não se envolver com alcoolismo por mais uma vida, etc. Mas nossa “amplitude de escolha” será sempre mais ou menos proporcional a nossa “amplitude de consciência”, acredito.

    – Se Deus tudo sabe, Ele sabe presente, passado e futuro. Se Ele já sabe, como podemos mudar alguma coisa?

    @raph – Se ele sabe e se o seu Sistema é perfeito, intervir nele diretamente seria ilógico (demonstraria ou que o sistema na verdade é imperfeito ou que Deus “muda de opnião”, o que seria estranho para um ser onisciente)… Mas mesmo fora do tempo, na eternidade, ele “se movimenta”. Acredito que é por esse “movimento” que ele nos aponta, aqui e ali, o melhor caminho a seguir. Espinosa dizia que a vontade da Natureza podia ser captada por homens “éticos”, e a felicidade da existência estaria exatamente em conseguir perceber e seguir tal vontade, e unir nossa vontade a sua. Mas isso é um paradoxo também, pois como um sistema poderia se adequar a alguma “vontade ou movimento oculto”? Bem, todo sistema tem a sua função. Qual seria a função do espaço-tempo ou do multiverso?

    – Se apenas nesta dimensão existe este tipo de conceito “TEMPO” não havendo o passado e futuro como podemos prever alguma coisa?

    @raph – Exato, não podemos, pelo menos não com 100% de certeza, conforme a Física Quântica tem nos demonstrado. O próprio tempo pode ser apenas o movimento de uma substância, gerando “ângulos de visão” específicos que fazem com que acreditemos que algo se move, e sempre do “passado” para o “futuro”. Mas o tempo é relativo, absoluta mesmo é somente a “substância que não pode crear a si mesma”… Bem eu falo mais sobre o tempo aqui, mas cuidado para não fundir a cuca hehe: http://textosparareflexao.blogspot.com/2011/05/reflexoes-sobre-o-tempo-parte-1.html

    🙂

    @raph – Boas perguntas essas, sem dúvida parte daquelas questões primordiais que ainda passaremos boa parte da existência (e falo aqui em muitas e muitas vidas) tentando responder e/ou compreender 🙂

  2. Sobre as imagens postadas:

    Eu já havia percebido a semelhança entre o UNIVERSO e suas conexões galáticas e o CÉREBRO humano.

    Legal ver que mais alguém percebeu isso também. 🙂

    @raph – Pois é, apenas galáxias esparsas não lembram tanto, mas se “reduzimos o zoom” vemos filamentos com agrupamentos de milhares de galáxias, meio que como os poros de uma esponja cósmica, e isso certamente é assustadoramente parecido com o cérebro humano.

  3. Raph, estava hoje andando na hora do almoço quando uma pergunta pulou na tela, ‘ alteramos a realidade atraves da vontade ou somente ajustamos a vontade ao que esta para acontecer ‘ ? Partindo disto, como saber se o que ocorre é simplesmente semelhante ao que desejamos ou se desejamos por que acontece ou se acontece por que desejamos ? Desculpa se ficou meio nada a ver com o topico.

    @raph – Olha, ainda que certamente muitas coisas só ocorram devido a nossa própria vontade, nossa vontade será sempre limitada pela vontade dos outros, e da própria Natureza. Você pode ser um líder de uma tribo que achou um belo rio e se estabeleceu, nesse caso sua vontade pode ter contagiado e influenciado a vontade dos outros membros da tribo, de modo que passaram a conviver em harmonia neste local… Mas então um outro grupo pode chegar, e se for mais numeroso pode exercer sua própria vontade de assaltar sua tribo, ou estabelecer uma rota de trocas e comércio… Por outro lado, a própria Natureza pode mudar totalmente o curso desse rio, e você ser obrigado a se mover para algum outro canto do globo. Assim é mais ou menos a história dos seres humanos na Terra 🙂
    Ou seja, a vontade é limitada, e nem sempre temos a liberdade de fazer qualquer escolha. Mas isso ainda é muito distante do determinismo absoluto, que afirma que o ato de escolha é pura ilusão… que não existe escolha alguma, e que somos meros fantoches.

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