Muitos estão familiarizados com o conceito de “Pop Magic” através de Grant Morrison. Outro grande autor da área é Taylor Ellwood, que mostra em muitos de seus livros as vantagens de utilizar em nossos sistemas de magia elementos da cultura pop, incluindo quadrinhos, filmes, RPGs de mesa, RPGs online, jogos de tabuleiro, jogos eletrônicos, animes, etc. Aqui irei comentar sobre algumas das possibilidades de conectar o ocultismo e os jogos eletrônicos, utilizando como exemplo um jogo que lançou mês passado no Steam: Undertale.
Na Magia do Caos, ao construir seu próprio sistema de magia o principal não é necessariamente acrescentar nele um elemento que possua uma correlação direta com a magia clássica, como referências ao tarot ou à cabala. É claro, se você é apaixonado por tarot, fique à vontade para desenvolver um sistema inspirando-se em Ogre Battle ou em qualquer outro dos muitos jogos eletrônicos que remetem ao tarot. Não é difícil encontrar alusões ao ocultismo na cultura pop e se isso pesa bastante para que sua magia funcione, não hesite em buscá-las. Contudo, eu diria que mais importante que tais referências seria a própria paixão.
Caso você seja fortemente apaixonado por um livro de literatura, uma série de TV, um filme ou um jogo, eu diria que em muitos casos não importa tanto se seu jogo, por exemplo, contém magia. Ou, eu deveria dizer, a “magia” dele seria as emoções que geram em você e esse poderá ser um combustível poderoso para ativar um feitiço. As pessoas utilizam magia para as mais variadas metas: para realizar alterações materiais, autoconhecimento, diversão, etc. Da mesma forma, cada um busca coisas diferentes nas muitas opções que temos para lazer e entretenimento. A proposta da magia pós-moderna é unir os dois, magia e cultura pop, num objetivo comum.
Eu particularmente aprecio a magia pelas reflexões que me geram (debater as diferentes teorias de magia, que constituem os fundamentos de cada sistema e os impulsionam), pela diversão e pelas descobertas de conectar o material com o espiritual. A mente e particularmente a imaginação é uma das pontes que conectam os dois, o que me faz gostar de histórias, incluindo jogos com boas histórias, com criatividade e surpresas.
Undertale se encaixa em todas as categorias. Porém, gosto é algo muito pessoal. Em parte, é influenciado pela cultura e por muitas outras coisas: época em que você vive, onde você mora, com quem interage, etc. O desenvolvedor de Undertale, Toby Fox, compôs algumas músicas de Homestuck. Quem me conhece sabe que sou viciada em Homestuck nesses últimos anos e já baseei algumas de minhas histórias nessa webcomic de Andrew Hussie (um exemplo é meu livro chamado “Fábula dos Gênios”). Sendo assim, eu sou suspeita para falar sobre esse jogo, já que ele segue um tipo de humor e de criatividade que me agradam.
O jogo em si, que é um RPG, segue um estilo bastante semelhante ao de jogos como Earthbound e Mother 3, que já possuem uma fanbase generosa. Também tem alguma relação com Yume Nikki.
Para começar, o protagonista não tem sexo definido e é propositalmente referido ao longo do jogo apenas como “humano”, já que ele/ela está num mundo de monstros. E, assim como em Homestuck, há muitas personagens importantes do sexo feminino (lutando e usando armaduras), assim como bastante romance homossexual.
Contudo, um dos maiores destaques do jogo é o fato de haver opções de rotas para lutas: é possível matar os monstros ou poupá-los e, dependendo de suas escolhas, coisas diferentes acontecem. Acho que muitos já estão acostumados com jogos em que há finais diferentes, mas no caso desse RPG, cada ação sua pesa, do início ao fim: uma escolha aparentemente banal no início do jogo pode ter um impacto grandioso lá na frente.
Isso não significa que você já está condenado desde o começo se fizer escolhas ruins, já que é possível seguir rotas mistas ou neutras. Você não será necessariamente julgado como bonzinho ou malvado, já que o tempo todo você é capaz de fazer escolhas ou se arrepender, mudando seu destino. Os personagens enfatizam isso constantemente.
Há momentos em que o jogo é hilário e outros em que é assustador. O ideal é jogá-lo mais de uma vez, pois os diálogos e acontecimentos são muito diferentes dependendo das escolhas que você faz. É um jogo relativamente curto e por isso mesmo excelente para experimentações com magia: para lançar sigilos através dos puzzles (e banir com gargalhadas!) e energizar servidores usando os monstros bizarros que aparecem para você batalhar (ou perdoar). De fato, enquanto eu via os monstrinhos, pensei em mais de uma ocasião: “este aqui se parece muito com um servidor”, devido às formas bizarras, algumas quase aleatórias.
Eu não tenho um grande poder para convencer alguém a ler todo o Homestuck, já que é a maior webcomic já escrita. Porém, espero que, se você ainda não conhece Undertale, experimente jogá-lo (aqui tem um trailer). Que esse post também seja um incentivo para que os magistas não temam evocar os personagens dos jogos e filmes que gostam. Muitos se consideram tolos ou pouco sérios fazendo isso, mas eu peço para que você considere a seguinte frase, bem conhecida, também repetida no livro “The Pop Culture Grimoire” de Taylor Ellwood: “A cultura pop é a mitologia moderna”. Ou, como eu costumo dizer, a magia pós-moderna de hoje será a magia tradicional de amanhã. Quer oportunidade melhor para evocar os Deuses e entidades da cultura pop do que agora que eles estão com essa quantidade enorme de fãs para alimentar a egrégora? Eu diria que é uma chance imperdível.
Respostas de 9
Excelente! Dá pra falar mais detalhes sobre como estimular os poderes mágicos inerentes de cada um vendo séries de TV? Era exatamente o que estava fazendo quando dei de cara com o seu post…
@Wanju – Oi Ronald! Acredito que a imaginação é o limite para as incontáveis formas em que isso pode ser feito. A grande diversão de mexer com magia e cultura pop é exatamente inventar formas originais de redescobrir a magia utilizando os elementos do tempo em que vivemos. Quando vemos séries de TV, há cenas que nos despertam os mais variados sentimentos. Podemos canalizar o sentimento que sentimos em uma das cenas para ativar um feitiço, da mesma forma que se usa meditação, danças, etc. Porém, no caso de uma série existe um mundo complexo e personagens, que também podem ser visualizados posteriormente como se você estivesse em um Templo Astral. Os personagens podem ser evocados num ritual com características da série (vestir-se como um personagem, interpretá-lo, agir como um, até mesmo incorporá-lo). Dessa forma, você pode estimular seus poderes mágicos no momento em que vê a série e surgem as emoções ou posteriormente com as lembranças. E ainda há a particularidade de, como séries são mais longas, há possibilidades para explorar magias diferentes a cada episódio, diferente de um filme, em que talvez possamos colocar mais ênfase nos detalhes.
Oi, Wanju!
Estou como fã do RPG de Mesa, MAGO: A Ascensão, gostaria de saber se você conheçe alguém que tem influência desse RPG na Magia do Caos. Estou querendo trabalhar com essa interface entre MAGO e “Pop Magic”/Magia do Caos.
@Wanju – Eu tinha escrito uma resposta enorme, mas infelizmente eu perdi meu texto porque a página fechou, então vou tentar resumir, hehe.
Eu jogava bastante RPG de mesa quando estava na sétima série. Comecei com 3D&T e Tormenta, joguei com os livros do MDD (Arkanun, Anjos, Demônios e especialmente Trevas), um pouco de GURPS e a linha da White Wolf, que era extremamente popular na época. Muitos dos meus amigos jogavam (foi uma época de ouro para RPGs de mesa, literalmente todos que você conhecia jogavam), então era fácil conseguir grupo. Como eu gosto de criar histórias, eu curtia muito ser a narradora. Sobre MAGO: A Ascensão, eu li o livro e provavelmente o tinha. Confesso que não lembro quais livros de RPG eu comprei ou troquei com amigos, ninguém mais lembrava de quem era qual.
Para a Magia do Caos, eu criei um sistema naquela época, montei um mundo e bolei as fichas de personagens de forma que o magista pudesse lançar seus feitiços, usar sigilos e servidores no dia a dia, marcando tudo na ficha. Quando íamos jogar, era comum levarmos utensílios de magia (adaga, bola de cristal, velas, etc) para lançar encantamentos enquanto vivíamos a aventura ou campanha. Acredito que seja possível adaptar MAGO para realizar algo parecido.
Depois eu larguei um pouco RPGs de mesa porque me envolvi com ARGs. Através de ARGs é até um pouco mais fácil misturar com ocultismo, já que você interpreta a si mesmo na sua vida, realizando atividades insanamente maravilhosas e estranhas. Mas independente do que se invente, RPGs de mesa continuam a ser uma inspiração.
Na época em que estava mais animado com MAGO: A Ascensão, um amigo meu me apresentou a Magia do Caos, que vi ter muito haver com a Filosofia de MAGO, a “Tradição” dos Vazios (Originalmente: Hollow Ones), parecia muito com MC. Depois descobri no livro de “Tradição dos Vazios” (pelo que sei, sem tradução, o “Tradition Book: Hollow Ones”), eles tem influencia sim de MC. Lá nas referências, eles citam Phil Hine, Peter Carroll e Robert Anton Wilson, além do tipo de comum de Magia dentro da MC, os Sigilos Mágickos. Foi aí meu começo sério em Estudo e Prática de Magia.
Gostaria de saber mais sobre o diálogo de ARGs e Magia em geral e se o Taylor Ellwood, fala sobre RPGs de Mesa, aonde encontro onde ele fala sobre isso?
@Wanju – Eu não sabia dessa relação de MAGO com caoísmo. Que bacana! Eu sei que em geral muitos autores de RPGs de mesa dão uma pesquisada em ocultismo, mas não conhecia essa relação mais direta com a MC.
Misturar ARGs e magia foi uma experiência que fiz com amigos meus uns dez anos atrás, por um curto período, então não sei se é comum ser tentado. Tem o Mestre dos Fantoches que propõe os desafios, joga as pistas na Toca do Coelho e a partir daí a magia acontece com intervenções na vida real. Pode-se propor um enigma para desvendar ou um desafio mais geral de encantamentos para um alvo, numa realidade alternativa que contenha uma conexão forte com a nossa, a ponto de usarmos esse mundo como plataforma.
Geralmente o Taylor Ellwood fala mais da relação de magia com filmes e video-game. Eu realmente não lembro se ele dá algum exemplo com RPG de mesa. Um bom exemplo é o Caos o Jogo, que embora não seja RPG de mesa é um RPG que se joga pela internet enquanto se mexe com MC.
Confirmando o que disse, na Edição de Aniversário de 20 Anos de MAGO: A Ascensão (“MAGE: The Ascension – 20th Anniversary Edition”, 2015), na parte dos Léxicos (“Lexicons”, p. 24), encontramos:
“magia(k) do caos: Eclética, não-ortodoxa, personalizada e quase sempre prática mística de improviso; apesar da concepção errada, NÃO é magia(k) baseada em forças más ou intensões malignas.”.
– No original:
“chaos magic(k): Eclectic, unorthodox, personalized, and often
improvisational mystic practice; despite common misconception,
NOT magick based on evil forces or malevolent intentions.”.
Cara, se tu tiver interesse em trocar algumas ideias sobre o tema a gente pode trocar e-mails ou algo assim. Eu joguei “mago: a ascenção” por um tempo e um pouco do novo tambem, o “o despertar”, e já fiz as minhas tentativas de “magia com RPG”. Nunca conheci alguém que tenha feito magia com o cenario WoD especificamente, então seria interessante pra mim explorar essas possibilidades junto com alguém.
Corrigindo: fratermagick@outlook.com
O jogo é muito bom mesmo. É difícil descrever a sensação só por palavras, mas o jogo todo tem uma sensibilidade assustadora em tudo que faz, não é como se te manipulasse e sim te induzisse a sentir o que sente. É fantastico
@Wanju – Um jogo feito por um dos caras que faz a trilha sonora de Homestuck só podia ser bom, haha.
Ah, fiz uma postagem sobre usar alguns dos monstros de Undertale como servidores, vou colocar o link aqui:
http://ocultismomagnifico.blogspot.com.br/2015/10/servidores-na-cultura-pop.html
Perfeito este post Wanju!
Eu sou adepto do estilo Pop Magick faz um tempinho já. Creio que esses jogos, séries e filmes “cult”, sejam uma fonte incrível de poder magístico. Imaginem a quantidade de energia que é gerada em uma série com Senhor dos Anéis, Star Wars etc.. com fãs alimentando a egrégora as vezes dramatizando (cosplay).
Existe muito preconceito em utilizar elementos da cultura pop em magias e rituais, alegando que “não existirem tais personagens”, mas devemos lembrar que as mitologias de antigamente apenas se transformaram. Antes tínhamos Hércules e os Doze Trabalhos, agora temos A Jornada do Anél..
@Wanju – Brigada, Guther! Exatamente, hoje nós temos novas formas de mitologia. Lembrei agora de um trecho do livro “Pop Culture Magick” de Taylor Ellwood, em que ele fala sobre isso. Vou colocar aqui:
“Desde o começo, eu sempre encontrei alguma resistência e dogmatismo de outros magos que pensam que usar a cultura pop está abaixo da dignidade de fazer magia. Esses mesmos magos, ironicamente, frequentemente possuem alguma reverência por Neil Gaiman, Grant Morrison ou Alan Moore, escritores para os quais a cultura pop é não somente um meio de vida, mas também a incorporam em suas práticas de magia. Eu suponho que nunca ocorreu às pessoas que discordaram de mim que mais gente, e não somente eu, estava usando a cultura pop em suas magias. Talvez o status de celebridade das pessoas fazendo magia com a cultura pop tornou isso mais aceitável”
Sugiro um game, disponível para download no X-Box 360, chamado ‘Braid’. Nele você simplesmente volta no tempo quando der na telha, e não têm um final definido. O visual e a trilha sonora são uma benção aos sentidos.
Fica um spoiller de como termina, pois ele passa bem a mensagem de ‘ oque importa não é o começo e nem o fim, mas o meio”. Pode-se chamar de ‘análogo’ à Uroboros.
https://www.youtube.com/watch?v=BuQFBJvyFG4
@Wanju – Ah, eu conheço, é muito legal 🙂