No período em que vivemos nós temos a ideia de que o objetivo da vida é obter o máximo de prazer e de conforto. E nós refletimos esses desejos também quando buscamos uma religião ou práticas espirituais.
Vivemos numa época individualista, materialista e utilitarista. O individualismo se manifesta quando buscamos uma religião cuja meta seja satisfazer apenas a nós mesmos, como indivíduos separados de todo o resto. Perdemos a noção de que fazemos parte de um todo e nossa busca não é mais tentar reconectar-se com as outras pessoas, com o divino ou com a natureza. Nós apenas identificamos que “eu” estou com um problema e “eu” preciso arrumar um jeito de resolver isso. Como se minha perda de conexão com Deus, com o mundo ao meu redor e com as outras pessoas não tivesse nenhuma relação com isso.
Quando percebemos que a realidade é muito maior do que a nossa pequena existência, a morte já não parece assim tão assustadora. Não parece tão terrível o pensamento de desaparecer, porque o mundo não gira ao meu redor. Se eu morrer, não estarei sozinho, porque muitos seres já morreram antes e muitos seres ficarão. Eles, de certa forma, são uma extensão de mim mesmo, porque eu não sou totalmente separado de todo o resto como acho que sou.
O materialismo se manifesta quando buscamos somente gratificação material numa prática espiritual. Atualmente é comum achar que somente a realidade que eu experimento com meus cinco sentidos tem existência, e que a mente é somente uma projeção do cérebro, como se fôssemos máquinas. Então, se tudo que existe é meu corpo físico e minhas emoções, a religião se torna apenas um veículo para aumentar o êxtase que sinto com meu corpo físico (prazer dos sentidos) e com minha mente (prazer emocional).
Com isso, a meta da jornada espiritual do materialista acaba se reduzindo a busca de prazeres. Você vai à igreja para sentir uma sensação de paz mental ou realiza uma meditação para sentir aquele êxtase obtido com os estados alterados de consciência. Se a religião servisse só para isso não seria muito diferente de usar drogas.
Por fim, o utilitarismo se manifesta quando optamos por realizar certa prática espiritual apenas na medida em que ela me é útil. “Para que serve isso?” você se pergunta. E somente passa a realizar as práticas que são convenientes para você. A espiritualidade já não é boa por si mesma, ela precisa “servir” para alguma coisa e esse objetivo precisa ser necessariamente material ou emocional, para satisfazer a máquina que é o ser humano.
Muita gente diz que o objetivo de ter uma religião é alcançar coisas como paz mental, alegria, ter disciplina ou simplesmente sentir-se bem. Mas se fosse assim, ela poderia ser substituída por qualquer outra coisa, como uma visita ao psicólogo, uma agenda, um sorvete ou sair com os amigos.
É verdade que você pode obter essas coisas ao longo de sua jornada espiritual, mas sugiro que as pense mais como subprodutos de sua prática e não como a meta em si. O foco principal de uma religião é o espírito, o transcendente.
Mas o que isso quer dizer? No mundo em que vivemos já não há espaço para o espírito, porque ele parece meio antiquado e não parece ter uma utilidade imediata como um lápis ou uma panela. Então, que tal deixá-lo de lado? Que tal reduzir a nossa vida somente ao essencial e abandonar tudo o que é supérfluo para a obtenção dos meus prazeres?
Muitos de nós sentem uma sensação de tédio ou vazio. Nossa vida está aparentemente completa. Nós estudamos, ou trabalhamos, temos amigos, pequenos lazeres. Mas a vida é apenas isso? Parece que falta alguma coisa. Parece que, em algum momento da sua vida, você deixou para trás algo absolutamente importante, ou nunca foi atrás disso de fato.
As religiões lidam com a porção espiritual de nossa existência. Não é algo que possa ser substituído por filosofia, que se ocupa da razão, ou por psicologia, que se ocupa da mente e emoções. No máximo, essas e outras áreas podem complementar as religiões, mas nunca substituí-las.
No budismo não se fala tanto em Deus ou em alma, mas a iluminação é tida como um “apagar”. Precisamos nos desapegar da nossa noção de “identidade” e nos desapegar de nossos desejos incessantes por prazeres do corpo e da mente. Algumas pessoas que praticam meditação o fazem porque buscam os prazeres que ela proporciona, mas a meta é deixar de lado até esse tipo de prazer. O budismo não existe para obter “paz mental” ou “conforto”. O primeiro passo é obter desenvolvimento moral (produzir bom karma e deixar de produzir mau karma). O passo seguinte é deixar de lado até o bom karma (não se identificar mais com as ações do corpo e da mente).
Mas isso é doloroso. Quando abandonamos até mesmo os prazeres obtidos na meditação, ficamos sem nada. E esse é exatamente o momento de travarmos nossa guerra contra Mara, que procura nos tentar novamente com as ilusões do mundo.
Jornadas similares são trilhadas em outras religiões. No cristianismo, muita gente passa a frequentar a igreja porque quer se sentir bem. No momento da missa, sentem um grande êxtase e passam a realizar práticas como orações porque gostam da sensação de conforto e segurança.
Ou seja, encaram a religião como se tivesse uma utilidade e essa utilidade fosse somente material: sinto boas sensações no corpo inteiro quando me ajoelho, e também sinto paz e felicidade. Sendo assim, a prática não é espiritual, mas uma busca de um êxtase dos sentidos, como relata São João da Cruz, que pode ser substituída por um banho de espuma ou uma massagem.
Acaba-se por acreditar em Deus porque se busca a salvação individual. Eis o individualismo: quero crer em Deus para salvar a mim mesmo e não porque busco reconectar-me com o divino para descobrir que meu pequeno eu não está sozinho no universo. E eu não devo buscar isso porque a solidão que sinto é insuportável, mas porque tenho uma busca pela verdade.
Claro que não é errado começar buscando uma religião tendo desejos como esses. No entanto, com o tempo, é desejável ocorrer algum amadurecimento espiritual para notarmos as coisas que realmente importam em nossa jornada.
Hoje em dia, as meditações budistas realizadas nos templos viraram sinônimo de um momento confortável de relaxamento para aliviar o estresse e a ansiedade. Da mesma forma, frequenta-se uma igreja não para adorar a Deus porque essa adoração é excelente, mas para que o padre me diga palavras de conforto e eu me sinta bem. Essa mudança de paradigma ficou muito clara com as mudanças ocorridas após o Concílio Vaticano II na década de 60. Antes nas missas o padre ficava de costas e a meta central não era deixar os frequentadores da missa satisfeitos, mas honrar a Deus e não resolver meus problemas psicológicos. Agora, o padre se volta para a frente, como se a utilidade da missa fosse mostrar que nós somos os protagonistas e não Deus.
O cristianismo de hoje é praticado de uma forma que C.S. Lewis chama de “cristianismo água com açúcar”: muitos acreditam em Deus, mas não no diabo. Mal se fala no diabo hoje em dia. As pessoas preferem o Deus mais reconfortante do Novo Testamento e criticam o Deus do Velho Testamento, porque não se sentem confortáveis com seus discursos e ações.
Com isso, estamos usando a religião para atender as nossas necessidades individuais: vou escolher somente os dogmas que me parecem bonitos, especialmente os mais confortáveis e fáceis, que confirmem minhas visões de mundo.
Então a religião não passa mais a ter um estudo e prática dedicado para que se tente compreender os dogmas mais difíceis. É muito mais fácil criticar as religiões e dizer que elas são antiquadas, preconceituosas e erradas do que admitir que talvez nós possamos estar errados.
Recentemente terminei de ler um livro sobre anjos do grande teólogo Peter Kreeft. E uma das perguntas contidas no livro reflete exatamente o mal de nosso tempo:
“De acordo com a angeologia, anjos supostamente formam uma hierarquia. Por quê? Isso não é apenas uma projeção das políticas monárquicas medievais?”
Kreeft inicia sua resposta com os seguintes dizeres:
“A noção alternativa de que anjos são iguais poderia também muito bem ser uma projeção das nossas políticas igualitárias modernas”
O que isso significa? Que preferimos achar que os pensamentos medievais são atrasados ou incorretos do que admitir que talvez nós estejamos cometendo o erro de interpretar uma religião antiga com os preconceitos existentes na nossa própria época.
Hoje o cristão não deseja entender o que é Deus. Deseja inventar em sua cabeça o Deus que é conveniente para ele.
Kreeft observa no mesmo livro que Rabbi Abraham Hescel objetou seriamente a noção de um Deus reconfortante. Hescel disse:
“Deus não é um tio. Deus não é bonzinho. Deus é um terremoto”
O termo “temor a Deus” é muito mal compreendido hoje e geralmente interpretado como respeito. Porém, a interpretação ideal do termo “awe” seria: “um sentimento de respeito reverente, misturado com medo ou espanto”.
Quando meditamos, nós sentimos medo. Até mesmo medo da morte. Quando nos entregamos a práticas místicas do cristianismo, também sentimos medo diante de Deus. E esse medo é essencial para a jornada, que São João da Cruz chama de “a noite escura da alma”.
É claro que queremos uma meditação confortável. É evidente que preferimos um Deus e um anjo que somente massageiam nosso ser. Mas não é assim que iremos avançar na jornada.
Para avançar, precisamos dos obstáculos e desafios. É necessário o mal, o diabo, a dor, o sofrimento. É preciso cair. É imprescindível sentir temor a Deus ou verdadeiro temor diante dos estados alterados de consciência, pois somente assim gera-se a concentração de acesso para ir adiante nos jhanas.
Tire os demônios do cristianismo, tire as práticas ascéticas e desconfortáveis das religiões indianas e você matará essas religiões.
Tente assistir a um filme em que todos os personagens são felizes e em que não há situações difíceis. Experimente jogar um jogo muito fácil e logo enjoará. Tente viver uma religião cor-de-rosa, na qual existem apenas inocentes querubins (e não anjos magníficos e assustadores, que também podem cair como nós) e meditações com chás e bolos. Talvez essa religião te satisfaça por um tempo. Você apenas cortou os galhos da árvore e não atingiu suas raízes. Siga uma religião que apenas te deixe confortável na maior parte do tempo, e, no momento que chegar a dor e a morte não terá maturidade para lidar com elas.
A jornada espiritual não é confortável. Mas ela também não é terrível. Na Idade Média se falava em excesso sobre o demônio, o que também pode ser um exagero. Mas atualmente não se fala nem em Deuses e nem em demônios, mas apenas no ser humano, como se não houvesse o espírito e o transcendente, e a religião fosse meramente uma metáfora para desenvolver a moralidade.
O primeiro passo para equilibrarmos nossa busca espiritual é ler seriamente e praticar seriamente. Não ler e praticar apenas o que nos agrada, mas ousar dar um passo adiante para sair da zona de conforto e aceitar que não sabemos de tudo. Ainda há muito a aprender.
E uma mensagem para os praticantes da Magia do Caos: investigue, experimente, ouse. Além de pragmática e divertida, a sua prática poderá se tornar repleta de espíritos, Deuses e desafios. Afinal, caoísmo não é fazer qualquer coisa, mas montar um laboratório de experimentos e permitir-se o aprendizado tanto da matéria quanto do espírito em sua jornada.
Respostas de 33
Muito bom!
@Wanju – Valeu!
Algo que seu texto aponta e que também acho curioso é como as tradições orientais foram apropriadas no ocidente de uma maneira pop, quase que uma ideologia para as massas, retiradas do seu contexto original e interpretadas de maneira muito equivocadas. Com isso, experiências espirituais se tornam panaceias comuns ou espetáculo circense. Gosto muito de uma coisa que o Zizek fala em relação a isso, qual transcrevo aqui:
“Even those who respect Pope John Paul II’s moral stance usually accompany this admiration with the qualification that the Pope nonetheless remains hopelessly old-fashioned, medieval even, sticking to old dogmas, out of touch with the demands of new times. How can one today ignore contraception, divorce, abortion? Are these not facts of our life, part of today’s self-evident rights? How can the Pope deny the right to abortion, even to a nun who got pregnant through rape, as the Pope effectively did in the case of the raped nuns during the war in Bosnia? Is it not clear that, even when one is in principle against abortion, one should in such an extreme case bend the principle and consent to a compromise? One can understand now why the Dalai Lama is much more appropriate for our post-modern permissive times. He presents us with a vague feel-good spiritualism without any specific obligations. Anyone, even the most decadent Hollywood star, can follow him while continuing his money-grubbing, promiscuous lifestyle. In contrast to it, the Pope reminds us that there is a price to pay for a proper ethical attitude. It is his very stubborn clinging to old values, his ignoring the realistic demands of our time even when the argument against it seems obvious, as is the case of the raped nun, that makes him — conditionally I use this term — great.”
Slavoj Zizek, Human Rights and Its Discontents, November 16, 1999
@Wanju – Exatamente, Igor! As religiões orientais são frequentemente interpretadas no ocidente fora de contexto. Isso é bastante comum na prática de meditação e yoga, quando não se tem interesse em investigar a fundo os ensinamentos, mas apenas partir para a prática, sem estudo e reflexão.
Adorei o texto do Zizek, muito obrigada por compartilhar!
Você faz parecer que o único caminho da iluminação é a leitura obsessiva de livros.
Budah se iluminou meditando, just for it.
Prefiro ser um Buda, do que um copiador de Buda.
Prefiro ser um Cristo, que um seguidor de Cristo.
@Wanju – Excelente ponto! Obrigada por mencioná-lo. Sim, Buda se iluminou meditando, mas em sua juventude ele estudou extensivamente a literatura disponível na época. É dito que ele era um excelente aluno e se destacava nos estudos. Ele não tirou todos aqueles ensinamentos do nada. Ele teve muitos mestres, incluindo os mestres brâmanes, que não somente o iniciaram na prática de yoga e meditação, mas o introduziram aos textos sagrados, independente de tais textos terem sido repassados a ele de forma escrita ou oral. Ao ler o cânone em Pali notamos as observações geniais de Buda, incluindo refutações das diferentes doutrinas existentes na época, provando que ele as conhecia a fundo. É preciso conhecer o que já foi dito para apresentar alternativas.
Também é dito que Cristo estudou muito na juventude. Não se sabe muito sobre a infância de Jesus, mas para falar sobre o pouco que sabemos recomendo o livro “A Infância de Jesus” do Papa Bento XVI. Pelos relatos que chegaram a nós, Jesus estudou a fundo a Torá e seus comentários, e sabia citar trechos dela de cor. É dito que ele debatia teologia quando jovem com os sábios da época e a Bíblia até mesmo relata essa passagem, na ocasião em que Jesus tinha doze anos:
“Depois de três dias o encontraram no templo, sentado entre os mestres, ouvindo-os e fazendo-lhes perguntas. Todos aqueles que ouviam o menino ficavam maravilhados com a sua inteligência e as suas respostas”. Lucas 2-3: 47-48
Com isso não quero dizer que a prática não gerou profundos aprendizados em Buda e Jesus. Podemos até afirmar que foi a vivência, muito mais do que os estudos, que trouxeram a esses ilustres mestres tanto conhecimento.
No entanto, seria precipitado afirmar que apenas a prática é importante e podemos deixar os estudos de lado. No budismo Theravada é dada grande ênfase aos estudos do cânone e é altamente recomendado que se alterne a prática de meditações com o estudo dos sutras e escutar discursos dos mestres. De outra forma, faríamos a meditação apenas da forma que queremos, sem atentar para os profundos ensinamentos budistas e os conselhos para realizar meditação daqueles que são mais experientes.
No catolicismo há uma Ordem fundada por São Domingos chamada Ordem Dominicana, cujo foco é exatamente o estudo das escrituras, além das práticas espirituais. “Contemplar e compartilhar com os outros os frutos dessa contemplação” significa não apenas contemplar com o rosário, mas realizar estudos aprofundados de filosofia e teologia para ensinar aos outros interpretações bem embasadas do evangelho. Os jesuítas também se focaram fortemente no estudo e interpretação das escrituras.
Excelente texto Wanju..!!!
Seu texto é tão bom e tão atual! Se encaixa como uma “luva” para um amigo materialista que procura “uma religião para se reconfortar” (vou encaminhar o texto para ele).
Parabéns pela inspiração e trabalho..!!!!
@Wanju – Muito obrigada!!
Refletindo e meditando melhor,
esse texto não está completamente certo, pois de certa forma vc faz uma apologia ao irracionalismo e ao coletivismo cego (Pensamento de Formiga) ao aderir a um dogma religioso…
Algumas pessoas poderiam justificar barbáries usando seu texto, a individualidade, a busca de uma ética pessoal, etc. Não são coisas totalmente ruins e nem totalmente boas.
Acredito ao contrário do seu texto, que deve existir um equilíbrio desconfortável entre cada esfera da Árvore da Vida, Hod exacerbado é ruim (Bomba Atômica, Ciência Irresponsável, Superbactérias, etc.), Netzsach exacerbada também é ruim, (Ações infrutíferas, sem planejamento, manipulação por déspotas que controlam seus gostos ou seu caminho espiritual, etc…)
Prefiro uma pessoa nadando na superfície, porém inofensiva aos demais, que alguém que nade em águas profundas e seja um perigo para sí e para os outros (fanático).
@Wanju – Não, meu texto não está completamente certo. Não clamo que ele esteja, é um convite à reflexão.
Não critico a individualidade e o livre pensar e sim o individualismo. São coisas diferentes. O próprio cristianismo, por exemplo, valoriza muito o livre-arbítrio e não obriga ninguém a nada.
Como diria G.K. Chesterton em seu livro “The Everlasting Man”:
“O dogma confere ao homem liberdade em excesso quando permite que ele caia. O dogma confere até mesmo a Deus liberdade em excesso quando permite que ele morra”.
Dogmas religiosos não são irracionais. As religiões possuem uma base racional muito forte e isso é descoberto por aqueles que se propõem a estudá-las seriamente. Não é por contrariar os pensamentos e a ética de nosso tempo que uma religião pode ser chamada de irracional. Senão, irracionalismo seria tudo aquilo que não condiz com nossa visão de mundo.
Também defendo no meu texto a busca de equilíbrio. Não é errado se buscar conforto numa religião. Eu apenas questiono uma pessoa que busque apenas isso em suas práticas espirituais e nada mais. Ela, é claro, tem toda a liberdade para fazer isso.
Sobre uma religião ser “coletivismo cego”, G.K. Chesterton defende a tradição religiosa como um princípio democrático em seu livro “Ortodoxia”. Eis a passagem:
“Nunca pude entender onde os homens foram buscar a ideia de que a democracia se opõe, de certo modo, à tradição. É evidente que a tradição é somente a democracia projetada através dos tempos. É acreditar no consenso de vozes humanas, em vez de acreditar em qualquer documento arbitrário ou isolado. O homem que cita um historiador alemão em oposição à tradição da Igreja Católica, por exemplo, está apelando implicitamente para a aristocracia, pois apela para a superioridade de um perito contra a extraordinária autoridade de uma multidão. É perfeitamente compreensível o motivo pelo qual uma lenda é tratada com mais respeito – e assim deve ser – do que um livro de história. A lenda é, geralmente, criada pela maioria das pessoas sãs da cidade, ao passo que o livro é, geralmente, escrito pelo único homem louco dessa mesma cidade. […] Se damos tanta importância à opinião dos homens comuns quando se trata de assuntos cotidianos, não podemos desprezar essa mesma opinião quando se trata da história ou de fábula. A tradição pode ser definida como uma extensão do direito de voto, pois significa, apenas, que concedemos o voto às mais obscuras de todas as classes, ou seja, a dos nossos antepassados. É a democracia dos mortos. A tradição se recusa a submeter-se à pequena e arrogante oligarquia daqueles que parecem estar por aí meramente de passagem”
Você disse que prefere uma pessoa nadando na superfície de uma religião do que aquela que penetra profundamente. Mas normalmente é aquela que fica só na superfície que representa um perigo de ser fanática. Quem estuda seriamente descobre que o papa Bento XVI recomendou uma leitura tríplice da Bíblia: histórica, moral e espiritual. Quem não se preocupa em estudar e praticar a fundo para realmente entender uma religião e segue exclusivamente suas opiniões sem ter a humildade de aprender aquilo que disseram os outros religiosos com mais experiência, tem maior probabilidade de interpretar literalmente aquilo que é alegoria e interpretar alegoricamente aquilo que é literal.
Acredito que você esteja tentando “ditar” regras sobre o “verdadeiro caminho” versus o “falso caminho”.
Deixo uma frase de Don Juan, mestre de Carlos Castañeda:
“Todos os caminhos são os mesmos: não conduzem a lugar algum. São caminhos que atravessam o mato, ou que entram no mato.
Em minha vida posso dizer que já passei por caminhos compridos, mas não estou em lugar algum.
A pergunta de meu benfeitor agora tem um significado. Esse caminho tem um coração? Se tiver, o caminho é bom; se não tiver, não presta.
Amos os caminhos não conduzem a parte alguma; mas um tem coração e o outro não. Um torna a viagem alegre; enquanto você o seguir, será um com ele. O outro fará maldizer sua vida. Um o torna forte; o outro o enfraquece”.
@Wanju – Não, eu não estou tentando ditar o “verdadeiro caminho” versus o “falso caminho”. Você disse que aderir a um dogma religioso é fazer uma apologia ao irracionalismo e ao coletivismo cego. Em outras palavras, com isso você não está afirmando que seguir um dogma religioso é trilhar o “falso caminho” enquanto trilhar o seu ponto de vista é seguir o “verdadeiro caminho”? Mesmo que esse verdadeiro caminho seja “um caminho que não conduz a lugar algum mas tem coração” de acordo com suas palavras.
Respeito o Carlos Castañeda e respeito seu ponto de vista. Não estou afirmando que o cristianismo, o budismo ou qualquer outra religião tenham a verdade. Meu ponto foi que, se alguém deseja realmente compreender o que ensina uma religião específica, é fundamental estudá-la e praticá-la a fundo e não interpretá-la apenas por adivinhação. Depois que se realizou um estudo mais aprofundado, claro que podemos tecer nossas opiniões a respeito, mas assim serão opiniões mais embasadas e que condizem de forma mais próxima com os pensamentos da religião em questão. Quem se interessa por teologia não apenas repete os dogmas. Cada teólogo possui um pensamento original e apresenta ideias fantásticas, ao fundamentar seus textos no estudo de história, filosofia, teologia e outras áreas.
Às vezes podemos ter a impressão de que apenas andamos em círculos e não chegamos a lugar algum. Pode ser, por que não? Mas também pode ser que aos poucos estejamos amadurecendo, mas as mudanças ocorrem de forma lenta (para que adquiram estabilidade) e não percebemos.
Mas concordo que um caminho que possua coração é um bom caminho. Creio ser este o ensinamento fundamental de todas as religiões.
Não disse o “meu ponto de vista”, mas o “ponto de vista individual da pessoa”, o coração é a melhor bussola nesse sentindo, todos os teóricos, filósofos, teólogos, etc, etc, etc… Foram seres buscadores que acharam o caminho (Dharma) mas para ELES, generalizar isso e impor como único caminho é limitar a diversidade de experiência que um ser pode ter para chegar no divino.
Que mal tem ele procurar meditação para aliviar o estresse? Esse puritanismo que você defende beira um apego a sua (própria) erudição. Já li vários textos seus, livros, etc.. Você é uma intelectual, sem dúvida, porém e se eu te falace que uma pessoa analfabeta em um Terreiro de Umbanda, ou mesmo um Índio no meio da floresta, pode chegar no mesmo lugar que você, ou mesmo ir além?
@Wanju – Exatamente, o coração é a melhor bússola. No cristianismo se traduz essa ideia por pedir o auxílio do Espírito Santo. Pois mesmo que estudemos muito ainda podemos ter dificuldade em interpretar as escrituras, então devemos ser humildes e pedir o auxílio de Deus.
Não há mal algum em uma pessoa procurar a meditação para aliviar o estresse. Meu ponto é que, além do benefício do alívio do estresse, essa pessoa poderá encontrar outros benefícios na prática meditativa, caso se disponha a abrir seu coração para aceitar essas outras descobertas e aprendizados que adquirimos ao longo de nossa jornada.
Eu aceito completamente que uma pessoa analfabeta e em um Terreiro de Umbanda (ou em qualquer outra religião) ou um índio de uma floresta podem ir muito mais longe em sua prática espiritual do que alguém que pode ter ficado apenas nos livros. Não acho que o estudo intelectual seja requisito indispensável para avançarmos nas práticas.
No entanto, se essa pessoa analfabeta recebeu ensinamentos oralmente, eles podem substituir os livros, pois os livros nada mais são do que esses ensinamentos orais colocados por escrito. Numa tribo indígena também há uma riquíssima tradição oral de ensinamentos, que substituem livros. Então, o que defendo é que além da prática é muito benéfico também aprendermos com esses ensinamentos e debates, pois eles podem complementar a nossa prática de forma maravilhosa.
Parabéns pelo texto.
Bastante desconfortável, mas necessário.
@Wanju – Fico contente que tenha causado desconforto, pois o texto é exatamente sobre isso.
Wanju sempre nos cativa com textos arrebatadores!
@Wanju – Obrigada!
Texto magnífico e em boa hora!
@Wanju – O prazer é meu!
Esse texto aborda de forma muito boa as pré-concepções que muitas pessoas têm sobre práticas meditativas e espirituais, de que ao praticar essas técnicas o praticante irá entrar em um constante e crescente aumento de felicidade ou prazer, até profissionais da saúde mental têm esta pré-concepção (psicólogos, psiquiatras) e recomendam estas práticas sem muito critério (inclusive recomendando retiros de meditação para pessoas em desequilíbrio). Mas para quem se propõe a praticar estas técnicas fica claro quase que de imediato que o caminho é muito mais árduo. Sim, existem momentos de êxtase e profundo relaxamento, mas também existem momentos onde os seus apegos mais profundos serão postos à prova e jogados na sua cara,momentos onde você vai ser arremessado no abismo mais profundo.
Mas é importante também não cair no outro extremo, como alguns professores fazem, de dizer que estados de êxtase são “perigosos” ou “distrações” e devem “ser evitados”.
@Wanju – Obrigada, João! Ótimas reflexões! É isso mesmo, precisamos ter um equilíbrio: como a tendência hoje é apenas se apegar aos estados de prazer proporcionados por essas práticas, mostrei o outro lado. Mas você está completamente certo em dizer que também não precisamos achar que essas sensações de êxtase são nada mais do que perigos e distrações, pois elas também podem nos incentivar a prosseguir nossa caminhada.
Tem uma frase muito legal sobre isso no livro “Finding the Missing Peace” de Ajahn Amaro: ‘Você está se apegando a uma opinião sobre não apego’. Nós precisamos ter um pouco de apego sim, para sobrevivermos, pois como o próprio autor cita, seria muito perigoso uma mãe que não possui um pouco de apego pelo filho, ou ela não iria protegê-lo.
“Muita gente diz que o objetivo de ter uma religião é alcançar coisas como paz mental, alegria, ter disciplina ou simplesmente sentir-se bem. Mas se fosse assim, ela poderia ser substituída por qualquer outra coisa, como uma visita ao psicólogo, uma agenda, um sorvete ou sair com os amigos”
Veja bem irmã,creio que o objetivo da espiritualidade autêntica é (entre outras coisas) fazer com que a consciência do indivíduo se expanda,à ponto dele entender que ele é uma consciência superior encarnada nos planos materiais para cumprir seu Dharma.Quando o indivíduo já enxerga a existência pela óptica da espiritualidade,ele já não busca paz mental,alegria etc, em sorvete ou saindo com amigos (kkk) pois ele sabe que esse a busca pela paz mental e alegria nas coisas externas é uma ilusão e sabe tambem que a paz e alegria advindas da satisfação de desejos é totalmente fugaz.Muito diferente de acessar a genuina paz e felicidade que existe dentro de nós quando se atinge o silêncio da mente através da meditação,esse estado sim, nos preenche de uma plenutide perene independente de sorvete,amigos,psicologo,comprar inutilidades ou qualquer outra circunstância externa .Achei seu texto sem sentido algum!
Namastê
@Wanju – Oi Daniel. Creio que você expressou a sua opinião seguindo a lógica das filosofias indianas. Não achei diferença entre o que você disse e aquilo que defendi no meu texto. Se com “acessar a genuína paz e felicidade” você se refere à busca da bem-aventurança que não depende dos prazeres dos sentidos, foi exatamente esse o meu ponto. Há uma diferença entre buscar um estado de paz temporária que logo pode ser arrancado de nós assim que ocorrem mudanças no lado de fora e em nossas emoções, e aquele estado de paz duradouro que é alcançado com esse silêncio mental da meditação. Mas até mesmo a meditação segue etapas graduais. No começo nós sentimos êxtases meditativos, mas para que se atinja a completa libertação, até mesmo esses êxtases (chamados de “jhanas” no budismo) deverão ser abandonados, pois para senti-los nos apegamos à mente. Quando largamos completamente também o êxtase mental além do êxtase do corpo, há o nirvana.
Se vc diz que : “Há uma diferença entre buscar um estado de paz temporária que logo pode ser arrancado de nós assim que ocorrem mudanças no lado de fora e em nossas emoções, e aquele estado de paz duradouro que é alcançado com esse silêncio mental da meditação.” Pq vc afirma em seu texto que:“Muita gente diz que o objetivo de ter uma religião é alcançar coisas como paz mental, alegria, ter disciplina ou simplesmente sentir-se bem. Mas se fosse assim, ela poderia ser substituída por qualquer outra coisa, como uma visita ao psicólogo, uma agenda, um sorvete ou sair com os amigos”?
Quanto à isso: “Mas até mesmo a meditação segue etapas graduais. No começo nós sentimos êxtases meditativos, mas para que se atinja a completa libertação, até mesmo esses êxtases (chamados de “jhanas” no budismo) deverão ser abandonados, pois para senti-los nos apegamos à mente. Quando largamos completamente também o êxtase mental além do êxtase do corpo, há o nirvana.” Eu não discordo.
Mas dizer que o bem estar gerado por prazeres sensoriais e o bem estar gerado pela expansão da consciência são iguais,é um absurdo!
@Wanju – Eu também escrevi no meu texto: “É verdade que você pode obter essas coisas ao longo de sua jornada espiritual, mas sugiro que as pense mais como subprodutos de sua prática e não como a meta em si. O foco principal de uma religião é o espírito, o transcendente”. O transcendente, no caso, poderia ser traduzido por você pelo termo “expansão da consciência”.
Vou tentar explicar de outra forma. No budismo há os jhanas materiais e os imateriais. Nos jhanas materiais, apesar de serem considerados refinados estados meditativos, nós ainda sentimos prazeres sensoriais. Já nos jhanas imateriais, nós nos desapegamos dos prazeres dos sentidos e ficamos apenas com prazeres mentais ainda mais refinados. Enquanto nos sentimos “bem” com a meditação, ainda estamos nos apegando a alguma coisa. Para alcançar a iluminação, é preciso soltar tudo. Temos que nos desapegar até mesmo do “bem estar gerado pela expansão de consciência”. Prazeres sensoriais e mentais não são iguais, é claro, mas eles ainda são prazeres.
Esse é um conceito do budismo Theravada. Eu poderia dizer que no nirvana não há “bem estar com a expansão da consciência”, mas apenas “percepção da expansão de consciência”, que depois se transforma em “nem percepção, nem não percepção” que é o último jhana, antes de iniciar as etapas da iluminação.
Pode ser que o budismo Mahayana tenha outros conceitos, e eu aceito isso.
Eu acho que entendi o que você quis dizer, mas talvez tenha sido meu uso do termo “paz mental” que tenha gerado confusão, já que esse termo é frequentemente usado tanto em relação a uma paz temporária quanto a um tipo de paz perpétua, que viria quando não nos identificamos mais com os fenômenos dos agregados mentais.
Esse texto me caiu em boa hora, estou com dificuldades no meu desenvolvimento mediúnico que está completando 2 anos agora, e com o texto entendi que realmente estou buscando mais as sensações do que o objetivo principal em si, e deve ser isto que está me afastando até mesmo das sensações no momento. Agradeço pelo compartilhamento do texto, que chegou para mim na hora exata.
Em relação ao seu debate com o amigo Marcos, eu penso que teoria e pratica devem andar juntas, pois uma complementa a outra. Em um caso de médium de terreiro por exemplo, eu tirei como aprendizado que ler milhões de livros não me ensina totalmente sobre Umbanda, e não ler nada e só ir nos trabalhos também vai limitar minha mediunidade, pois as entidades também fazem uso daquilo que o médium tem de conhecimento para suas comunicações, enfim, teoria e prática, uma complementa a outra ao meu ver.
@Wanju – Oi Felipe! Achei muito legal sua observação de que buscar apenas as sensações pode estar te afastando até mesmo das próprias sensações! Isso é muito interessante. É como quando tentamos buscar um autoconhecimento apenas dentro de nós mesmos. Nós somos uma parte do todo, e para entender a nós mesmos precisamos nos reconectar com as outras pessoas e com o divino. Tentar buscar nos conhecer olhando apenas para nós mesmos, sem analisar o contexto do mundo em que vivemos, é como ler apenas uma página de um livro sem entender que somos parte de uma história. Só iremos compreender a nós mesmos no contexto do todo. Então olhar para fora também pode nos ajudar a olhar para dentro. Buscar algo além das sensações também pode te levar de volta às próprias sensações, adquirindo a sabedoria para viver essas sensações plenamente, no seu devido contexto (como um incentivo para prosseguirmos em nossa jornada).
E concordo plenamente: teoria e prática andam juntas, uma complementa a outra. Adorei seu exemplo da Umbanda.
Texto muito interessante! Sob seu ponto de vista, se uma pessoa ainda não se considera preparada o suficiente para se aproximar de uma religião de forma menos materialista e individualista, seria mais proveitoso realizar essa aproximação e se “forçar” a pensar diferente (não que seja algo que acontecerá de imediato) ou nem se aproximar, enquanto trabalha essas questões pessoais para, num futuro, realizar esse tipo de aproximação de forma “correta”?
@Wanju – Obrigada! Essa é uma questão muito interessante. Sou da opinião de que sempre vale a pena se aproximar de uma religião, mesmo que seja de forma materialista e individualista, pois é normal que a maior parte de nós comece com esses pensamentos. Ninguém chega numa religião já entendendo tudo. Mesmo que nossos pensamentos e práticas sejam incorretos, nós com certeza iremos adquirir alguns méritos.
Usando o exemplo do budismo, só de ficar na posição de lótus, mesmo sem saber meditar, já estamos fortalecendo nosso corpo. Uma meditação distraída ainda é melhor do que meditação nenhuma, pois até meditações mal feitas têm algo a nos ensinar.
No caso do cristianismo, recebendo os sacramentos e indo a missa, mesmo sem entender nada do que está acontecendo, nós recebemos o Espírito Santo e mesmo que não nos esforcemos, apenas esses atos “do lado de fora” já causam mudanças internas e espirituais, mesmo que seja difícil captá-las.
Sobre tentar “se forçar” a pensar diferente, é o que falei sobre sair da zona de conforto. Às vezes vale a pena, mesmo que nos cause dor. No entanto, embora a religião não seja um hotel cinco estrelas ela também não deve ser uma sessão de tortura. Se certo pensamento ou prática nos causa muita dor, às vezes devemos reconhecer que não estamos preparados ainda. Damos um passo para trás, para nos fortalecer, antes de tentar novamente num momento futuro.
Creio que não devemos esperar que estejamos preparados para entender realmente uma religião antes de começarmos a praticá-la. A verdade é que nunca a entenderemos completamente! A mudança de pensamentos não vai cair do céu, então a melhor forma de melhorar é ir seguindo a religião de nosso jeito desajeitado e aprender não somente a ter paciência com os outros, mas ter paciência com nós mesmos. Devemos aprender a perdoar as nossas falhas e fraquezas e valorizar as pequenas conquistas espirituais do dia a dia.
Nossa, muito obrigado pela atenção e pela resposta completa. Mais uma vez, excelente texto, meus parabéns!
@Wanju – Eu que agradeço!
Gostaria de fazer uma sugestão de post. Nunca li aqui no blog nada sobre os mapas do progresso contemplativo/meditativo/espiritual, como por exemplo os 16 estágios do insight (ñanas) no budismo theravada, acho que seria interessante. Não sei se você estuda este tema, Wanju, se estudar fica registrado aqui minha sugestão.
@Wanju – Obrigada pela sugestão! Eu falo exatamente sobre esse assunto, passo a passo e com detalhes, no meu novo livro sobre meditação, cujo link disponibilizei nessa postagem.
Oi Wanju! Gosto muito dos seus textos e da forma como vocÊ escreve parabéns! eu queria saber se vocÊ tem algum conhecimento no campo do sufismo, se positivo, um textão não cairia mal kkkk.
@Wanju – Oi Bruno! Muito obrigada! Já li alguns livros sobre islamismo, mas infelizmente não sei muito sobre sufismo. Tenho interesse em saber mais.
Um ponto de vista interessante. Mas “buscar pela verdade” não seria, também, um ato individualista, que nasce de uma necessidade de conforto em meio à incertezas?
Abraços!
@Wanju – Não necessariamente. Claro que alguém pode buscar a verdade por motivos individualistas e por inseguranças, mas há muitas razões e motivações diferentes para iniciar essa busca. Uma pessoa pode iniciá-la porque sabe que é a coisa certa a ser feita e irá buscá-la mesmo que isso lhe traga dor. Outra pessoa pode simplesmente decidir “não há uma verdade, vou criar a minha” sem nem mesmo parar para investigar antes. Acho que, no mínimo, vale dar uma olhada antes de decidir se há ou não uma verdade. Existe um tipo de ceticismo que é saudável, mas também há certos ceticismos danosos, como o pirronismo. É dito que Pirro era tão cético que nem acreditava na existência de um mundo material ou de esperança de alegria na vida e por isso não desviava de um penhasco quando o via diante de si. Só ficou vivo por mais tempo porque seus amigos o ajudavam a não morrer acidentalmente.
Mas as escolhas que faço não são para uma satisfação pessoal? Mesmo que o caminho seja dolorido, se eu o escolhi é porque houve uma motivação que, uma vez atendida, me proporcionará algum tipo de benefício. Se eu opto por ser um adepto ao voto de pobreza ou transformo a minha existência em uma missão de plena caridade a situação é semelhante. Até a minha escolha pela não-ação tem um propósito individual irrefutável. E não vejo problema algum no fato de termos essa natureza. Pelo contrário: tentar fugir dela não me parece necessário e nem saudável. Abraços!
@Wanju – Essa é uma reflexão interessante. Ainda assim, eu defendo que nem todas as escolhas que fazemos são visando uma satisfação pessoal. A visão de que todas as nossas escolhas éticas são uma forma de egoísmo (ou autossatisfação) é chamada na ética pelo termo “egoísmo ético” e muitos filósofos eram simpatizantes dessa visão, como, por exemplo, Ayn Rand. Segundo essa visão, é comum dizer que até quando desejamos ajudar alguém, nós o fazemos para sentir a sensação boa de ter ajudado, ou visando reconhecimento.
No entanto, a essa visão da ética contrapõe-se a visão chamada “altruísmo ético” que defende que o ser humano não ajuda outros para sentir-se bem ou buscando recompensas, mas para seguir um dever moral, visão defendida por filósofos como Kant e muito forte em religiões como cristianismo. Diferente do que se defende, o cristão não ajuda os outros porque deseja ir para o céu (essa seria uma visão incorreta, uma visão utilitarista da religião defendida nos tempos atuais) mas pelo seu amor e temor a Deus e às suas leis. Isso não significa que o cristão faz o bem porque tem “medo” que Deus irá puni-lo se não o fizer, mas por um profundo respeito à Lei. Essa visão não tem nada de utilitarismo ou satisfação pessoal, pois a meta do cristão não é ser salvo ou obter prazeres a partir do que faz, mas apenas fazer o que é o certo porque isso é certo. E o certo e o errado no cristianismo não são relativos, mas leis de Deus acima dele mesmo. O que Kant chama de imperativo categórico também é um dever moral que encontra-se acima da busca de felicidade e liberdade individuais.
Para sermos mais exatos, o utilitarismo ético não leva só em consideração o bem que suas ações trará para o indivíduo, mas também para a sociedade. Mas, por definição, o cristão não faz o bem porque isso irá ajudar um maior número de pessoas, já que essa visão normalmente toma como realidade do indivíduo somente o corpo e a mente. Ele tem em vista o transcendente, o espírito. Mas ele tampouco segue uma forma de “utilitarismo espiritual” (realizar o ato ético que seja melhor para seu próprio desenvolvimento espiritual e/ou o desenvolvimento dos outros), pois a Lei deve ser cumprida porque ela é excelente, e cumprir os mandamentos não visa tão somente os resultados do lado de fora, mas fazer o que é correto. Às vezes podemos dizer a verdade e a verdade machucar uma pessoa. No entanto, dizer a verdade, no caso do cristão, é o correto, já que o cristão não deve ceder aos relativismos das situações e abandonar a Lei com base nas exceções.
Evidentemente, não existe nenhum cristão que siga esse modelo à risca e na prática todos consideram as exceções. Mas não é porque alguém não consegue seguir as regras em todas as situações que deverá deixar de tentar segui-las sempre que tiver sabedoria, amor e forças para isso.
Hahaha. Que coisa mais estranha. Eu JURO que estava refletindo hoje sobre isso minutos antes de ler esse seu texto. Eu estava me imaginando dando palestra abordando esse tema (estou sonhando alto,né haha). Pensei em alguns temas, inclusive que cada religião tem uma base racional. Em resumo, a visão que tenho das religiões(claro, sempre vou me atualizando) é que são sistemas/modelos para chegar-se a um determinado lugar ou transformar o caminho que percorremos. Cada uma possui seu modelo e jeito(por isso sou contra qualquer intolerância). É preciso (e importante) buscar sempre o equilíbrio. Uma religião que só promete o céu ou inferno, não é religião, pois existem anjos e demônios. Assim como os batimentos cardíacos: se não houver os altos e baixos, significa que o coração está parado, por tanto: MORTO…
Ótimo texto, Wanju!
Talvez o melhor que li esse ano.
@Wanju – Oi Lauriel! Nossa, que legal! Então acho que rolou alguma conexão no plano espiritual!
Certamente esse tema daria uma ótima palestra. Concordo que cada religião tem uma base racional. Frequentemente pensamos que se um raciocínio não condiz com nossa visão de mundo ou com explicações científicas, ela é ilógica, mas se realmente nos propusermos a estudar e praticar uma religião a fundo, aos poucos descobriremos o quão lógica todas elas são.
É comum os ocidentais afirmarem que religiões como as indianas (em particular o budismo) são “lógicas” (e realmente são), mas as pessoas dizem isso como se outras religiões ocidentais (como as abraâmicas) não fossem! Não é somente porque uma religião afirma que há Deus e alma que ela contraria a lógica. No máximo, desafia o paradigma secularista da nossa época. E isso é excelente, pois nos instiga a pensar, a refletir, a questionar as nossas verdades estabelecidas que tomávamos como certas, e não como as crenças que são.
Pra mim, nessa frase, o sentido por trás das palavras foi este >
“As religiões lidam com a porção espiritual de nossa existência. Não é algo que possa ser substituído por filosofia, que se ocupa da razão, ou por psicologia, que se ocupa da mente e emoções. No máximo, essas e outras áreas podem complementar as religiões, mas nunca substituí-las.”
Analisando puramente pelo prisma de “olhar o universo em sua dimensão elemental (terra, ar, fogo, água)” temos que cada um dos fatores elencados corresponde a um elemento:
Ar – Religião – Os espíritos (transmissores de verdades dos mundos mais aéreos e menos densos) se materializam/comunicam/existem por alguma subdivisão do ar, (ex: comunicação por imprint mental no ser receptor -telepatia- é classificado como ar pelo fato de que obviamente se trata de gasto energia (fogo) para se buscar uma forma (água) específica sem a modificação da matéria (terra), qual seja fogo entrando em água, logo ar.
*A oposição é quando nós humanos nos comunicamos usando cordas vocais para criar vibrações mensuráveis (ondas sonoras são bem da terra)
*Logo por simples observação correlativa (Tudo que há na dimensão acima, há na de baixo) a deduzimos que Ar é o que constitui a verdade desses seres opostos a nós
**A nós que estamos em mundos mais materiais/densos/terrosos/especializados penando para transformar trechos dessa dimensão em Luz para podermos passar a injetar luz/vida/energia positiva/consciência nas dimensões cada vez mais densas, que é a missão final dos seres que optaram ativamente pelo bem -transformar tudo em consciência, finalmente identificando este setor do universo criado em 100%.
Terra – Filosofia – Razão fria – Que é embasamento pragmatico e “grounded” sobre a vida, nada mais terra do que isso kkkkk Fogo virando água (ativo indo para o passivo, como sempre) passando pela terra, ou seja, se resfriando a verdade para ser bem matemática/lógica.
Fogo – Psicologia – Emoção
Água – Psicologia – Mente
*Lembrando que Terra (Filosofia) faz oposição a Ar (Religião)
E Água (mental) faz oposição a Fogo (Emocional)
*Por isso psicologia é uma mistura de dois mundos, porque as vezes temos pessoas com lentes de fogo batendo de frente com gente que analisou o tema usando lente de água. Mal sabem que a verdade provavelmente está na soma entre todas as lentes (logo gerando luz/energia, por ter atingido todos os elementos, mas nesse caso especifico, pela matéria em análise (psicologia) para se tornar mestre/luz no assunto, basta fogo e água desenvolvidos)
Me desculpem se falei algo que vocês não concordam, essa é a minha verdade atual, e acho que é uma boa soma das inúmeras leituras, deduções e comunicações que eu já tive..
Acho que é razoavelmente lógica (como toda verdade em que se objetiva ver a tese se sustentando aos ataques), para alguém que não tem acesso a conhecimentos maiores porque não é iniciado em nada kkk
Luta do fogo e água = No fundo sempre somos o mesmo ser, atuando por dois caminhos (nascendo um lado pelo fogo e o outro pela água) para achar as verdades deste setor da realidade/universo que aceitamos nos meter kkk
@Wanju – Uau, sensacional! Adorei a reflexão! Para mim foi tudo muito lógico. Obrigada por compartilhar!
“You must have chaos within you to give birth to a dancing star.”
― Friedrich Nietzsche
@Wanju – De fato 😉
Texto maravilhoso. Parece que em algum momento o cristianismo se perdeu, mas não vejo assim. Ele sempre foi uma doutrina que vai para onde o vento sopra, e esse é talvez o maior motivo dessa longevidade. Também tinha percebido essa falta do demônio nos dias de hoje, mas acho que isso é apenas um reflexo da sociedade, ninguém quer correr riscos, apenas ignorá-lo o máximo possível. É como se o mundo vivesse numa bolha de morfina porque é mais confortável, tomando o caminho mais curto quando preciso, mas que de fato é só um paliativo, nunca estancando a sangria, apenas a diminuindo. Uma hora isso vai dar errado.
@Wanju – Obrigada! Exatamente Lucas. Também acho que o cristianismo vai para onde o vento sopra: ele é capaz de se modificar mas sem jamais perder sua essência. Uma religião que continua firme há mais de dois mil anos só pode ter muita força.
A dança dos opostos e a intenção ou foco de direção da energia é o mais interessante na questão da religião. Eu sempre acreditei no “algo além” desde criança, conforme minhas experiências pessoais acabei me tornando meio que um ateu-cético aos 19 anos (de um extremo ao outro). Sendo usuário de drogas por vários anos isso foi aumentando até o extremo, quando com 26 tive experiências extra-sensoriais e levei um choque interno. A partir dai decidi buscar a verdade, comecei a estudar religiões para ver se me encontrava em alguma e pela minha busca sincera e intima e não apenas para reconforto e tapar aquele vazio interno, acabei encontrando muita coisa legal em cada religião que eu conheci, pois deixei de focar no lado ruim que cada uma pudesse ter.
O ser humano é meio traumatizado em relação as religiões e isso é meio óbvio com tanta coisa ruim que aconteceu e acontece até hoje dentro das instituições, mas isso não quer dizer que cada uma não tenha seu lado de luz, pois são as pessoas que se corrompem e não a busca em si. Existe o pastor ladrão, mas existe o pastor fiel, existe o seguidor extremista mas existe o seguidor que sente Deus em si, existe o padre pedófilo mas existe o padre comprometido e devoto, existe o pai de santo picareta e existe o iluminado, sempre existiu e talvez sempre existirá. Eu vou citar como exemplo o terreiro que eu frequento: eu já julguei muito no inicio algumas coisas e pessoas, quando comecei a ler sobre Umbanda vi várias diferenças do lugar onde eu ia, critiquei e quase abandonei, critiquei pessoas que eu julgava erradas e tudo mais, com o tempo fui entendendo que dentro do terreiro (ou de qualquer outro templo, igreja ou instituição) existe de tudo, se eu quiser olhar defeitos vou encontrar muitos, se eu quiser ver o lado bom vou encontrar e muito. Hoje em dia eu direciono a energia para aquilo que eu vou fazer la dentro: ajuda, amor, caridade, se existe alguma coisa errada ou alguém, não cabe a mim julgar ou apontar pois isso não ajuda em nada, e ainda atrapalha na verdade, uma coisa que aprendi foi que mesmo tendo a proteção espiritual de todos os lados sou eu mesmo que abro campo para minha vibração baixar e energias ruins encontrarem afinidade naquilo que estou emitindo. Ouvi uma entidade dizer: cada ser tem a chave da porta de sua consciência e energia nenhuma do universo tem a permissão de invadi-la, ao menos que ele mesmo abra a porta e permita que ela entre. Desculpem se ficou enrolado meu comentário, mas essa é a maneira que estou aprendendo a lidar com a dança dos opostos.
De qualquer forma somos todos buscadores, e se todas as respostas estivessem disponíveis de forma fácil e imediata não precisaríamos ficar nesse plano de expiações e provações, mesmo a terra e o ser humano tendo vários problemas, aqui é o paraíso.
@Wanju – É isso mesmo, Felipe. Penso da mesma forma. Não devemos buscar uma religião “perfeita” pois isso não existe. Religiões são organizadas por pessoas imperfeitas. E, como eu costumo dizer, quem busca uma religião são os “maus”, muitas vezes quem está com um problema, precisa de ajuda ou deseja encontrar respostas, então mais do que natural que as pessoas sejam cheias de defeitos, exatamente porque elas estão lá para lidar com eles, para aprender. Se as pessoas fossem perfeitas não precisariam de religião e não seria necessário que elas frequentassem templos, igrejas ou terreiros. Foi como você disse, devemos buscar as qualidades no outro, não olhar só para os defeitos: olhar os aspectos positivos que as religiões oferecem, pois cada uma delas sempre tem algo a ensinar.
Parabéns pelo texto e pela paciência!
@Wanju – Obrigada, Ricardo!
Texto muito pertinente para os buscadores. Gratidão pela oportunidade de refletir sobre o tema.
Me ocorreu um pensamento meio offtopic: tenho ainda tanta dificuldade de lidar com as religiões e toda nossa dimensão espiritual e já sou cobrada em alguma medida pelos parentes de “passar” algo aos meu filhos (um de 9 e outra de 4 anos).
Qual sua opinião sobre como apresentar as religiões na infância @Wanju? Obrigada 🙂
@Wanju – Obrigada! Aí está uma ótima pergunta. Sempre achei que seria legal se nos colégios tivesse uma disciplina de religião, mas que ensinasse sobre as diferentes religiões do mundo e não sobre apenas uma, assim como na disciplina de filosofia se estuda os diferentes pensamentos filosóficos e não apenas um como o certo. Na verdade, sou da opinião de que deveríamos proceder da mesma forma na ciência: não apresentar a teoria contemporânea como a correta, mas como apenas aquela que condiz com o paradigma que vivemos hoje, além de compará-la com outras teorias do passado. Isso instiga a reflexão.
Mas como educar as crianças espiritualmente em casa? Normalmente os pais passam sua religião para os filhos, ou simplesmente ignoram essa questão. Já ouvi falar, por exemplo, de um pai que tinha a religião diferente da mãe (no exemplo era cristianismo e judaísmo) e que eles comemoravam em casa as datas religiosas das duas religiões. Essa pessoa, relatando depois, falava que teve uma infância ótima por ter tido contato com elementos das duas crenças. Acho que as crianças lidam bem com isso, experimentando a diversidade religiosa. O Julian Vayne, por exemplo, conta que educou os filhos dele no paganismo sempre fazendo rituais em casa, adorando os Deuses de várias religiões, e os filhos gostavam muito.
Eu acho que apenas ignorar o aspecto religioso/espiritual e nunca falar sobre isso com os filhos esperando que eles simplesmente cresçam e tomem suas decisões não é a melhor escolha. No mínimo, acho importante que os pais falem sobre isso, talvez conversando, dando livros infantis de algumas religiões ou levando os filhos para celebrações religiosas públicas, para que eles sintam essas coisas desde pequenos. Uma memória como essa pode ressoar fortemente mais tarde, quando o filho buscar respostas para seus questionamentos sobre a vida.
Não sei se entendi direito o que vc quer dizer. O Deus do Velho Testamento não é rejeitado porque ele é “desconfortável” É um deus conivente e até incentivador de estupro, homofobia, misoginia, tortura, homicídio, genocídio, escravidão, coisas que eram consideradas aceitáveis, necessárias e úteis para o povo que criou a religião, mas que não é (eu espero que não seja) para nós. E aliás, o Velho Testamento é muito conveniente para muita gente, para todos aqueles que gostam de espalhar o ódio e explorar as pessoas. E é contraditório com os ensinamentos de Jesus.
O mesmo pode-se dizer de várias outras religiões e mitos.
Elas refletem a visão de mundo das sociedades que as criam, e mudam junto com essas sociedades e com outras que entram em contato. Só que antigamente não tinha texto escrito, ou o texto era copiado e traduzido à moda do telefone sem fio.
Não existe essa “pureza” em lugar nenhum.
E se for para aceitar as religiões para não deformá-las, então é melhor jogá-las fora inteiras do que retornar à era da inexistência dos direitos civis mais básicos.
@Wanju – Não sei se você leu os outros comentários do post e as minhas respostas. Segundo Bento XVI, a possibilidade de leitura tríplice da Bíblia é a mais adequada: interpretação histórica, moral e espiritual. A primeira é a leitura normal e mais literal. A segunda são os ensinamentos éticos por trás das histórias. Uma terceira leitura seria a transcendente. Para saber qual tipo de leitura aplicar a cada passagem, é recomendado estudar os teólogos hermeneutas, sobretudo os do cristianismo primitivo e do período medieval.
Talvez você goste de ler filosofia ou literatura. Independente do quanto Platão e Aristóteles apoiavam a escravidão ou o quanto escritores do passado foram misóginos, homofóbicos, etc, continuamos a estudar e respeitar esses autores. Muitas pessoas, até hoje, preparam teses comentando detalhadamente o trabalho desses escritores do passado. Somente porque José de Alencar foi contra a Lei do Ventre Livre iremos parar de lê-lo? Somente porque Bernardo Guimarães em “A Escrava Isaura” mostra os negros como inferiores, chama-os de feios, sujos, horríveis, disformes e dá beleza à escrava protagonista apenas por ela ser branca iremos ignorá-lo completamente? Eu acredito que mesmo em livros que retratem os preconceitos da época há elementos importantes, além do valor histórico. José de Alencar escrevia muito bem e vou continuar a respeitar os livros dele, não porque são perfeitos, mas porque são bons o bastante.
A Bíblia e outros livros religiosos não são perfeitos. É dito que possuem origem divina, assim como a inspiração de muitos dos grandes escritores brasileiros e estrangeiros só pode ter sido divina para escrever tão belamente quanto escreveram. Mesmo assim, seus escritores eram apenas humanos. Os escritores da Bíblia podem ser divinamente inspirados, mas erram. Mas eles também acertaram em muitas partes. Irei continuar a me deleitar e a tirar ensinamentos da Bíblia assim como me deleito lendo um clássico da literatura, independente de conter os preconceitos da época.
Acho positivo nós vermos as religiões, a filosofia, a literatura não somente pelos seus defeitos, mas respeitando também suas qualidades. Para compreender completamente livros complexos como a Bíblia ou um James Joyce é fundamental ler os escritores que escreveram comentários sobre os livros. Eu não acho que algum comentarista seja capaz de interpretar perfeitamente Finnegans Wake e explicar a nós com fidelidade. Da mesma forma, os hermeneutas medievais não foram perfeitos ao interpretar passagens da Bíblia, que assim como livros de literatura usam diversas figuras de linguagem e passagens simbólicas. Mesmo assim, eles realizaram muitas pesquisas, especialmente em livros de filosofia, história e teologia. Ler a Bíblia e seus comentários tem valor espiritual. Muita gente também sente quase um êxtase espiritual lendo seus autores favoritos, independente das falhas contidas.
Talvez você aprecie algum livro de literatura ou filme que contenha cenas e ensinamentos que não são exatamente “educativos”. Mas você pode apreciar e respeitar essas obras mesmo assim. É claro que tentar ler a Bíblia sem estudar teologia e sem ler os comentários gera diversas confusões. Religião é algo difícil. Precisa ser estudada a fundo por longos anos para que seja possível compreender o básico. Assim como para penetrar profundamente numa obra de literatura ou filosofia é preciso pelo menos fazer uma tese sobre ela, baseá-la em seu contexto histórico, filosófico, etc. Tente ler Finnegans Wake e dizer para um sujeito que fez uma tese sobre ele que é apenas um livro chato e sem sentido e que não há realmente o que interpretar lá, que basta entender de forma literal.
Quem sabe você possa argumentar que pelo menos as pessoas não veneram livros de literatura como livros sagrados e não seguem seus ensinamentos. Mas eu diria que no mundo secularista de hoje há muita gente venerando histórias e personagens e seguindo os ensinamentos morais por trás das histórias tanto quanto um religioso respeita seus textos sagrados, já que o secularismo é uma religião forte em nossa época e seus profetas são os astros da cultura pop.
Ratificando, também é ilusória essa ideia de que as pessoas costumavam ser mais espiritualizadas, porque não escolhiam essa ou aquela prática, porque tinham que se aprofundar. Tradicionalmente, ninguém tem escolha acerca da religião, qual vai praticar, se vai praticar. Não aderir à religião do grupo social representa a exclusão desse grupo e ameaça a sobrevivência da pessoa. Eu não sei como é possível uma relação com religião mais materialista que essa.
@Wanju – Hoje em dia é possível ser tão espiritualizado quanto se era no passado, contanto que exista o interesse. Religiões como o cristianismo valorizam o livre-arbítrio, tanto que Deus permitiu que Adão e Eva caíssem dando-lhes liberdade. Mas essa queda posteriormente representou uma elevação quando Santa Maria e Jesus limparam o pecado original de Adão e Eva. Deus deu liberdade até mesmo para que os seres humanos matassem Jesus. A Bíblia exalta constantemente a importância do livre-arbítrio e a necessidade de liberdade, pois somente quando somos livres podemos escolher genuinamente entre o bem e o mal, ou não seria realmente uma escolha se fôssemos obrigados a fazer qualquer coisa.
Em algumas épocas e países a religião se misturou com a política, como no caso do cristianismo e principalmente do islamismo. Quando há interesses de poder e interesses financeiros por trás, uma instituição secular pode distorcer os ensinamentos de uma religião para atender aos seus interesses de controle. Nesse caso, a falta não recai exclusivamente na religião, mas na instituição que busca manipular as massas usando a religião apenas como um bode expiatório. Ou seja, o problema não é a existência da religião, mas a busca pelo poder e pelo dinheiro, que sempre existiu e existe ainda mais fortemente hoje.
Nos dias de hoje, quem não seguir junto no jogo do dinheiro e do poder vai ser excluído do grupo também, sob ameaça de sobrevivência. Temos apenas uma liberdade aparente, pois o dinheiro dita até onde vai a nossa liberdade. Creio que nos tempos atuais a religião seja muito necessária para que possamos expandir as nossas noções do que é ser verdadeiramente livre.
Oi Wanju! Sempre adoro seus textos e admiro muito sua paciência e disposição para escrever/responder com tanto carinho aos internautas (kkk).
Sempre lembro de uma reflexão muito longa e produtiva, metafísica, que travamos em um de seus posts. Foi muito bom.
Esse texto não é pra qualquer um. Vê-se pelos comentários, cheios de mal-entendidos gerados por vários motivos. É o tipo de texto que nos afasta o horizonte, pega nosso alvo-tapete imaginário no qual pensávamos estar sobre ou próximo e desloca para bem mais adianta, quase a perder de vista.
É algo interessante de se pensar. Muito embora não deixe de haver resistência no que se refere à uma dificuldade de imaginar como alcançar esse tipo de coisa, muito mais do que uma dificuldade de entendê-la. É avançado, é um puxão de orelha. Aí ficamos todos assim, meio que: “ué, mas isso (os prazeres mais ustis, mentais) não faz parte integral do processo?” – é claro que fazem, como você já disse, entendi que seu foco foi mirar no >apenas< isso, mas digo indo além, pensando na sua referência aos budistas, do desapego ao bem estar da expansão da consciência, conforme comenta em resposta ao Daniel Barreto:
[i]'"Esse é um conceito do budismo Theravada. Eu poderia dizer que no nirvana não há “bem estar com a expansão da consciência”, mas apenas “percepção da expansão de consciência”, que depois se transforma em “nem percepção, nem não percepção” que é o último jhana, antes de iniciar as etapas da iluminação"[i]
Como disse é algo difícil de imaginar, pois a todo momento associamos os conceitos de "consciência plena", e "percepção" a um estado de paz, que, naturalmente, é muito agradável. Eu particularmente costumo pensar que quanto mais evoluída é a consciência mais prazer ela tem, pois o próprio sentido da Criação seria a diversão, Deus brincando de esconde-esconde, descobertas, enfim, joy, bem-aventurança, coisas que estão sempre no centro tanto em religiões tradicionais como em meios ocultistas. Costumo imaginar que o próprio Deus sinta um "prazer" inimaginável, it's full of joy… Que o Sol, se tiver consciência, mesmo fazendo a mesma coisa todos os dias por bilhões de anos, tem um experiência maravilhosamente agradável com a existência. Enfim… sei que a visão que você quis propor é que o processo religioso pode ser melhor aproveitado e sua abordagem é integralista, que a proposta é entender que a vida não é só prazeres, o que me fez refletir que podemos encontrar uma espécie de joy (kkkk, desculpe, adoro essa palavra) até mesmo em momentos difíceis, e creio que um respeito, no sentido de reverência e humildade muito grandes pela vida podem ajudar muito nisso, o que é outro ramo de reflexão interessante sobre o assunto, mas o que me tirou da zona de conforto foi a tentativa de deslocar essa ideia acoplada de prazer + percepção/expansão de consciência, a qual você abordou no comentário, e achei muito interessante e intrigante, me abasteceu com mais substrato incômodo para produzir filosofia, mas um incômodo prazeroso (olha só, ocorreu mais ou menos o que eu estava falando: um resultado ambíguo, prazer no sofrimento, no desapontar/frustração, talvez por eu ter fé que há solução, sempre há, e entender que os obstáculos nos ajudam, mas pra entender isso é preciso muita maturidade, e nossa sociedade esta infestada de adultos infantis, mimados e com medo, e é sobre isso que seu texto se trata, basicamente, ou talvez não sofri porra nenhuma e adorei por ser um filósofo kkkk, mas enfim, já sofri na vida e acho que a questão passa por uma valoração dos momentos difíceis, sendo estes vistos como oportunidades para crescimento, o que sabemos que nossa sociedade infantilizada está longe de entender). Enfim, essas duas questões achei muito boas: "prazer" no/e sofrimento e prazer+consciência, principalmente a dissociação de prazer e consciência, por eu naturalmente pensar que consciência é prazer. Curiosamente, quanto tento imaginar isso (a ausência de bem estar relacionada à consciência/expansão da consciência) sinto como se meu coração apagasse, a coisa fica seca e meio sem graça/vida, hehe, achei curioso e quis compartilhar essa sensação.
É sempre uma ótima experiência ler seus textos e respostas extensas nos comentários. Obrigado mais uma vez.
@Wanju – Oi! Muito obrigada! Gostei das suas reflexões. Acho que é bom sair da zona de conforto de vez em quando para experimentar novos aprendizados e novas possibilidades. Várias religiões parecem propor, em seus estágios finais e mais difíceis, essa ideia de apagar o nosso ego, sentimentos e pensamentos para dar lugar ao vazio, ao divino, ao Todo. Para nos unirmos ao Todo precisamos perder a noção da identidade, pois se ainda sou eu mesmo como posso conhecer o divino e por que eu faria isso? Acredito que só conseguimos realmente mergulhar na espiritualidade de forma completa quando, como o Louco do tarot, esvaziamos a sacola. Essa sacola contém coisas preciosas para nós, como nosso eu, nossas emoções e nossa razão, que acumulamos ao longo da vida. Mas não é isso que nos define como seres humanos? Quem busca o caminho espiritual está disposto a se tornar algo que transcende o ser humano, que não é mais corpo e mente. Enquanto identificamos nosso eu com a mente (pensamentos racionais) e com o corpo (prazeres sensíveis) não podemos conhecer plenamente o espírito, que é algo que está além de prazer e dor, de palavras e explicações.
Olá, gostei do texto apesar de não concordar com tudo, ainda bem que temos senso crítico pra analisar e ter opiniões diferentes.
Achei o texto um pouco exagerado no que se refere à defesa do dogmatismo de algumas religiões que, “apesar de não obrigarem ninguém a nada”, ridicularizam e excluem de seus “círculos” as pessoas que não têm a mesma visão de certos conceitos dogmáticos que eles (E é claro que você irá pro inferno e passar o resto da eternidade queimando no fogo sem fim… será que vale mesmo a pena?).
Segundo, qual o problema em alguém utilizar uma prática espiritual como válvula de escape para a vida que se leva no século 21? A grande diferença entre o uso da religião ou o uso de drogas no que diz respeito ao alívio das tensões emocionais, são que as drogas possuem efeitos colaterais, já as religiões não. São tantas as dificuldades que o homem passa durante sua vida, ele já é torturado durante diversos momentos dela… E ainda assim, a grande maioria das religiões continua defendendo a auto-flagelação (Você tem que sofrer, mas em nome de um “bem” maior).
Grande parte das “condutas da religião” sempre batem na mesma tecla dizendo que precisamos ser parte de um todo e abandonar completamente o materialismo, ao menos em tese, já que as religiões que se dizem “não-materialistas” são as mais ricas dentre as diversas instituições existentes no mundo. Além disso, qual o problema do materialismo? Estamos falando de materialismo não de “fundamentalismo material”. A maneira de se conduzir a vida já não é mais a mesma, nós trabalhamos mais, inventamos mais, e assim acabamos por auxiliar diversas pessoas que estão ao nosso redor.
Quem realmente é o mais individualista? O monge que mergulhou nos livros e meditou pelo resto de sua vida ou o “materialista” que com seu trabalho gerou frutos dos quais muitos outros puderam aproveitar?
A vida se modernizou, o homem se modernizou, as práticas também necessitam se habituar e evoluir juntamente do homem (E é isso que vem acontecendo, basta observar as declarações do Papa e a inclinação da igreja a aceitação dos homossexuais… não estou dizendo que eles serão aceitos). O homem inventou e criou seus métodos de contato com o divino para sua satisfação, mas é necessário recorrer ao extremismo por causa disso? Espero que no futuro não acabemos como o Islã está atualmente… Infelizmente. Isso sim é individualismo.
Desculpe se pareci um pouco grosseiro ou interpretei mal seu texto, mas essas são minhas opiniões sinceras, obrigado!
@Wanju – Oi Thiago! Que bom que você gostou do texto e melhor ainda que não concordou com tudo, pois isso abre espaço para debate.
Minha defesa do dogmatismo é mais no sentido de que hoje em dia as pessoas desejam que uma religião antiga mude completamente para se adequar à nossa época. Nada contra que se mude algumas coisas, como você mesmo citou no seu exemplo da maior aceitação da Igreja hoje em relação aos homossexuais, o que eu acho extremamente positivo. O meu problema é quando as pessoas desejam alterar quase que completamente uma religião sem nem ao mesmo estudá-la a fundo e valorizar o seu passado. Muitos de nós temos essa ideia de que o presente é melhor ou “mais evoluído” e que o nosso passado é sinônimo de atraso. Basta estudar os antigos filósofos gregos e notaremos que nós precisamos de um pouco de humildade antes de afirmar coisas assim.
Um dos exemplos é o Concílio Vaticano II que ocorreu na década de 60 e que praticamente proibiu missas em latim. Acho que houve mudanças positivas e necessárias nesse concílio, mas por que não propor que as missas no idioma local ocorressem conjuntamente com missas em latim dadas ao menos uma vez por semana? Hoje em dia quem deseja assistir uma missa em latim e não mora numa capital muitas vezes precisa se deslocar para outra cidade. A missa original preserva uma história riquíssima, que hoje praticamente se perdeu.
Dogmatismo não é sinônimo de intolerância. Pessoas que excluem aqueles que não concordam com suas ideias e que afirmam que quem não concorda vai para o inferno não são os dogmáticos e sim pessoas que não estudaram a fundo sua própria religião e estão cheias de preconceitos. Uma pessoa pode ao mesmo tempo defender missas em latim e amar ler os autores medievais e ao mesmo tempo ser defensor dos direitos das mulheres e dos homossexuais. Inclusive, há muitos autores medievais que defendem esses direitos, além de defender maior diálogo com outras religiões. Muitos jesuítas, por exemplo (uma das ordens mais rigorosas e tradicionais do catolicismo), não apenas “impunham” suas religiões nos outros países, mas adoravam aprender sobre a cultura local e religiões locais e inclusive escreviam gramáticas, como fez José de Anchieta com o tupi. Veja só esse trecho do livro “A Grande Aventura dos Jesuítas no Brasil” de Tiago Cordeiro, sobre acontecimentos do séxulo XVI:
“O jesuíta [Matteo Ricci] se vestia como chinês, alimentava-se como chinês, falava como chinês e aceitava uma série de preceitos dos chineses, sobretudo o pensamento de Confúcio e o culto aos ancestrais. De dentro desta civilização, respeitando suas características, inseria sem pressa preceitos cristãos, inclusive entre os pensadores com quem interagia em conversas em chinês”
Não há nenhum problema em usar uma prática espiritual como válvula de escape. Meu argumento no texto é que essa pode ser uma etapa inicial para a pessoa se aproximar de uma religião. Se ela deseja aprender a religião a fundo, terá que ir além dessa abordagem. Por exemplo, não há nenhum problema em uma pessoa apenas escutar música erudita por hobby ou tocar um instrumento por hobby. Mas se ela desejar ir realmente a fundo no estudo de um instrumento terá que compreender que essa jornada não será confortável, pois aprender um instrumento a fundo não é fácil e exige muito estudo e necessidade de abrir mão de algumas coisas.
Não há nenhum problema no materialismo. É o mesmo raciocínio do parágrafo anterior: uma pessoa pode interpretar uma religião sob o ponto de vista materialista se desejar praticá-la superficialmente. E reforço: não há nada de errado em alguém ter uma religião como hobby ou válvula de escape, assim como não há nada de errado em não aprender um instrumento ou idioma a fundo. Porém, se a pessoa deseja sair da superfície precisará ir além da abordagem materialista.
Sobre esse parágrafo seu: “Quem realmente é o mais individualista? O monge que mergulhou nos livros e meditou pelo resto de sua vida ou o “materialista” que com seu trabalho gerou frutos dos quais muitos outros puderam aproveitar?” as duas pessoas podem ajudar a humanidade. Todos os monges que mergulham em livros e estudam pelo resto da vida ensinam outras pessoas o que aprenderam nos livros, geralmente escrevem livros, deixam frutos, inspiram pessoas. E uma abordagem não materialista da existência indica que não existe apenas o corpo, mas também o espírito. Para o materialista geralmente só há frutos quando são verificados resultados palpáveis no plano material. Não é essa a abordagem religiosa. É outro paradigma. O cristianismo, por exemplo, não diz que os prazeres da carne são ruins, mas apenas nos indica a não nos afogarmos neles, pois além de corpo somos espírito (eles não dizem que não somos corpo e somos só espírito; somos ambos, é necessário haver um equilíbrio).
E voltando à questão do equilíbrio, cada pessoa tem um caminho e equilíbrio diferente. Auto-flagelação e austeridades, como fazem muitos monges indianos, é válida sob severa supervisão e contextos específicos. Novamente, não é para todos.
De acordo com a visão religiosa, o homem não “inventou e criou seus métodos de contato com o divino para sua satisfação” pois o divino é incriado e ele recebeu esses métodos de outra fonte. É verdade que o ser humano transformou esses métodos de acordo com os preconceitos de sua época, contexto histórico, etc. Atualmente nós tendemos a acreditar que tudo que existe foi criado pela mente humana, mas já existia muita coisa aqui (como o mundo material, animais, etc) antes de o ser humano surgir. E, dizem os religiosos, também já existiam Deuses antigos antes de sermos capazes de pensar neles. A ideia é que o ser humano pode criar Deuses, mas alguns deles seriam incriados, ou não criados por humanos.
Sobre o seu comentário a respeito do Islã, eu admiro muito a religião islâmica. Alguns problemas começam, como ocorreu com o cristianismo, quando ela se mistura com política e há interesses materialistas de dinheiro e de poder por trás, distorcendo os ensinamentos. Maomé defendeu os direitos das mulheres em sua época e graças a ele elas ganharam direito de herança e divórcio. Vou colocar um trecho do livro “A History of God” de Karen Armstrong:
“O Corão não condena outras tradições religiosas como falsas ou incompletas, mas mostra cada novo profeta confirmando e continuando os insights de seus predecessores. O Corão ensina que Deus enviou mensageiros para todas as pessoas da face da Terra.
“Não discuta com os seguidores de revelações que vieram antes, mas diga: ‘Nós acreditamos naquilo que nos foi concedido, assim como naquilo que vos foi concedido: pois nosso Deus e vosso Deus é um e o mesmo, e é a ele que devemos nos entregar” (Corão 29:46)
“O Corão menciona apóstolos que eram familiares aos Árabes – como Abraão, Noé, Moisés e Jesus. Hoje os muçulmanos insistem que se Maomé soubesse sobre os hindus e budistas, ele teria incluído seus sábios religiosos. Os muçulmanos também defendem que o Corão teria honrado os xamãs e homens sagrados dos índios americanos e aborígenes australianos”
Existem muçulmanos extremistas que distorcem os ensinamentos, mas não devemos condenar toda a riqueza de uma religião devido a essas pessoas.
Primeiramente muito obrigado pela resposta.
Agora sim, conseguir entender seu ponto de vista. Me desculpe pela grosseria no primeiro comentário, eu tive uma experiência muito ruim com o catolicismo, fui católico cerca de 10 anos e comecei a levar uma vida altamente restritiva, por causa de alguns dogmas e também devido à intolerância que sofri durante esse tempo. Eu praticamente nasci dentro disso e não tive muita chance de escolher, isso acabou me trazendo algumas experiências desagradáveis durante a vida.
Gostei muito da parte em que você comenta sobre o caráter da religião como um hobby, eu nunca tinha visto por esse lado da moeda, e sobre a diferença da pratica aprofundada e da abordagem superficial.
Muitos cristãos fundamentalistas não entendem essa diferença, da pessoa que pratica apenas pra se sentir acolhido e de quem quer trilhar um caminho dentro da religião. E o problema é que algumas pessoas que gostam de frequentar acabam não sendo muito “bem vistas” perto das pessoas que fazem “tudo certinho”.
O meu grande problema com as religiões sempre foi (você tem que praticar isso porque está escrito em tal lugar que isso é certo…), a maioria dos religiosos não se preocupam em estudar e ao menos sequer entender o que e o porquê se faz determinada prática. Depois de algumas gerações isso acabou se tornando uma prática automática em algumas religiões.
Comentei sobre o materialismo porque durante esse período sempre ouvi a mesma ladainha do tipo… Você tem que ser pobre porque jesus foi pobre… Ele era carpinteiro e não sei o quê.. E esse tipo de pensamento e conduta, na minha opinião, é extremamente nociva pra se ter qualidade de vida, quero dizer, ninguém precisa abdicar de tudo pra seguir uma prática religiosa. Nós somos espirito e matéria, exatamente como você disse, temos que estar em equilíbrio. O número de pessoas que fala esse tipo de coisas em círculos cristãos é absurdamente alto.
Sobre o Islã, acabei me equivocando totalmente , é claro, existem pessoas que fazem à pratica consciente dessa religião.
Sou muito fã do seu trabalho, e também já li dois de seus livros: Salve o Senhor no Caos e o Caos dos Iluminados. São muito bons, parabéns.
Desculpe novamente pelo primeiro comentário, eu estava exaltado e acabei me equivocando em alguns pontos. Também interpretei mal aquilo que você escreveu, eu sou fã do seu trabalho e acabei pensando (nossa será que é isso mesmo que ela pensa sobre o cristianismo?), um ledo erro de interpretação de minha parte.
Obrigado!
@Wanju – Foi um prazer! Não se preocupe, não achei suas observações grosseiras. Elas foram muito interessantes e eu gosto quando se expressa livremente o que se pensa.
Na Bíblia há muitas passagens sobre a importância de não julgar os outros, pois quem julga é Deus (como na cena de Maria Madalena). Independente de a pessoa ser um praticante dedicado ou não, ninguém precisa ficar criticando os outros, pois todos cometem erros. Até porque uma prática leve da religião não é exatamente um erro. Cada um se dedica até o ponto que pode ou deseja. Muitas das pessoas que criticam se esquecem que muito provavelmente elas também se aproximaram da religião assim no começo: sem entender muito, com uma curiosidade saudável, aprendendo no seu ritmo. De qualquer forma, uma pessoa pode não se dedicar muito às práticas ritualísticas religiosas mas ajudar os outros.
Eu defendo muito a importância do estudo para que o religioso compreenda pelo menos sua própria religião. Senão ele acaba interpretando os livros sagrados de acordo com o que é conveniente para ele.
Sobre ser pobre, está tudo no Novo Testamento: Jesus sempre dizia que para ser salvo basta fazer o seu melhor para seguir os mandamentos. Ele até dizia coisas como “Mas se quer ser perfeito, larga tudo e me segue”, mas ninguém precisa ser perfeito! Aliás, ser perfeito no sentido literal muito provavelmente não é possível. Cada um deve seguir sua vocação, como se diz. Alguns tem vocação de ser um bom conselheiro para os amigos, de passar muito tempo com os pais, ou de ajudar os animais. Não importa, ninguém precisa ser perfeito em tudo. Ah sim, tem essa passagem do livro “Filoteia” de São Francisco de Sales que coloquei nos comentários do meu outro post:
“Grande diferença há entre ter o veneno e ser envenenado. Quase todos os farmacêuticos possuem muitos venenos para diversos usos de seu ofício, mas não se pode dizer que estejam envenenados porque têm o veneno em suas farmácias. Assim também podes possuir riquezas sem que o seu veneno natural penetre até tua alma, contanto que as tenhas só em tua casa ou em tua bolsa e não no coração”.
Também tem aquela passagem da Bíblia em que Jesus diz que é mais fácil um camelo passar no buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus. Mas as pessoas se esquecem de acrescentar o que ele fala depois disso: “Mas para Deus tudo é possível”. Ou seja, não é ser rico ou pobre na vida real que define quem somos, mas ser rico ou pobre no coração.
Muito obrigada por ter lido meus livros! Fico super feliz que gostou! 🙂
Wanju, seus textos são excelentes. Deixe-me perguntar: você participa ou já participou da IOT? O que tem a dizer sobre a ordem? Recomenda pra quem quer aprofundar os estudos na Magia do Caos? Obrigado