Eu já não me interesso mais. Rafael Arrais se tornou desimportante, transbordou para olhares alheios, de transeuntes e andarilhos, de toda a gente que passa, dos que se hospedam aqui por alguns dias, algumas vidas, ou dos que somente acenam da estrada, e até dos que sequer me viram.
Não me interessa ser visto, mas ver. Contemplar as pétalas douradas que pairam pelo ar, deslizando suavemente, viajantes das copas das alturas, capazes de embelezar as raízes mais grotescas.
Não que meus bosques também não escondam monstros ocultos nas folhagens, e abominações a se esgueirar no lodo dos lagos e no fundo das cavernas. Mas eu já não me interesso mais.
Me interessa mesmo é perceber até onde se aventura essa luz que vem do Alto, e reflete em pequenos espelhos, perpassando olhares e sorrisos e lágrimas. Todo homem e toda mulher é um espelho. Cada poema, cada conjunto de cascas deste sentimento antigo, nada disso é realmente meu: me interessa a reflexão da luz, Rafael Arrais se tornou desimportante.
Não me interessa ser visto, mas ver. Já singrei por este mundo muitas e muitas vezes, trafegando dentre olhares que nada veem, nada sentem, nada imaginam… Já sangrei por dentro e cheguei a crer que a Criação não tinha mais salvação. Mas tudo isso perdeu a importância no momento em que saí de mim, em que transbordei, em que sangrei e gargalhei e dancei com o Tudo…
Um dia acreditei que entraríamos no céu de mãos dadas, mas agora, vendo toda esta cena do Alto, creio que chegaremos dançando e cantando, celebrando a Alvorada, e é precisamente esta música que irá atrair a todos os demais. A sua melodia e a sua luz ecoará em todos os territórios, e vencerá até mesmo os seres mais acinzentados e entediados. Me interessa é ouvir esta canção de chamamento! Vem, seja você um idólatra ou adorador do fogo, vem assim mesmo…
É verdade que a iluminação é um caminho, não um ponto de chegada. Nesta estrada há muitas vidas e muitas noites, é certo, mas também há muitos archotes a indicar a próxima estalagem, muitos faróis a indicar a próxima ilha. Me interessa é esta procissão galáctica. Não sou o guia de ninguém, somente o mensageiro.
Eu já não me interesso mais. E de tanto me desinteressar de mim, acabei rodopiando junto com tudo o que vibra, tudo o que jamais esteve parado, nem sequer por um piscar de olhos. E foi precisamente aqui, nesta dança em turbilhão, neste movimento eterno em direção a Fonte, é que cheguei a estas palavras:
Rafael Arrais, você que é todo o amor do mundo, você que é o Uno em Tudo, o centro de gravidade deste giro, diga: Eu sou você.
raph’16’A.’.A.’.SG
***
Nota: Este texto trata essencialmente sobre aquilo que nos conecta a todos numa imensa rede de almas. Você pode muito bem ler este texto substituindo o nome “Rafael Arrais” pelo seu próprio nome, não faz diferença, ele apenas chegou por mim.
Crédito da imagem: Irmãos Hildebrandt (Lothlorien)
O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.
Ad infinitum
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Respostas de 4
Sou seu fã. Parabéns!
@raph: A luz foi criada para ser refletida 🙂
Eu gosto mesmo do que você escreve Rafael Arrais. Sinto que está escrevendo mesmo de dentro pra fora.
Essa busca de desafogar do Eu chega a ser bestial.
Me vejo bem perdida nessa caminhada. E por isso sinto isso também: “Não me interessa ser visto, mas ver.”, “…a iluminação é um caminho, não um ponto de chegada”; Gratidão.
@raph: Isso Aline, não é como ganhar um prêmio de loteria do universo dos magos, mas como ir reconhecendo e apreciando, com cada vez mais consciência, uma grandiosa obra de arte. Mas nem tudo no mundo são galerias de arte, e nem todos os momentos são iluminados. Eu escrevi este texto sob forte influência do Simpósio de Hermetismo em São Paulo (*), no final de semana passado. Se puder ir no do ano que vem, recomendo!
Namastê.
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(*) e também da poesia de Jalal ud-Din Rumi, que hoje já assaltou de vez a minha alma.
Tem uma frase do zen budismo que diz alguma coisa assim “Antes da iluminação, cortar lenha e limpar o chão. Depois da iluminação, cortar lenha e limpar o chão”.
Lindas palavras raph, você é um escritor muito talentoso. 🙂
@raph: Isso! Não é o mundo que muda, mas a nossa visão dele. E não é que mude como quando se liga um interruptor de lâmpada. Vislumbramos a iluminação a cada passo, ela não chega de uma só vez, como um prêmio de loteria, mas pode estar ao alcance de todos, mesmo dos que ainda vêm mancando pelo caminho 🙂
Tudo será céu!