A Astrologia é Casher?


Por Alexandre Teles
É fato sabido por todos nós que os atuais cristãos utilizam o Tanakh (ou sendo mais exato, a adaptação feita por eles, a qual nomearam Antigo Testamento) para esclarecer pontos da doutrina messiânica que adotam. Isto é feito muitas vezes de maneira dúbia, utilizando dois pesos e duas medidas. Não que a culpa seja toda deles, não. Mas as péssimas traduções (e levando em consideração que PRINCIPALMENTE a Torah simplesmente PERDE grande parte do significado LITERAL, ao qual tanto se apegam, por conta da tradução) utilizadas nestas denominações cristãs nos levam a embates sobre a Lei que nunca existiram no meio judaico. Abaixo segue a transcrição do texto de Levi Brackman sobre  um destes embates: “A astrologia é Casher?”.

Predizer o futuro é um negócio e tanto. Dos astrólogos dos jornais, até os consultores corporativos, há muitas pessoas prontas a lucrar com o nosso desejo insaciável de conhecer o desconhecido. Muitas vezes, ao contemplar mudanças importantes em minha vida, fico tentado a checar minha leitura astrológica. Há algo de errado com isso? Uma pessoa inteligente pode acreditar em astrologia sem se sentir ridícula?
É fascinante notar que os rabinos do Talmud deram considerável crédito à astrologia. O Talmud declara que “ao entrar no mês de Adar, deve-se ficar cada vez mais alegre. Rav Papa disse: ‘Portanto um judeu deveria evitar litígios com gentios no mês de Av, porque seu mazal é ruim; e deveria ir apresentar seu caso ao tribunal no mês de Adar, quando seu mazal é bom.’”1 A palavra hebraica que o Talmud usa aqui, mazal, é geralmente traduzida como “sorte”, mas literalmente significa “constelações”.
A astrologia não é apenas um fator a ser levado em conta quando se planeja futuros eventos – também influencia a natureza humana. Segundo o Talmud, quem nasce sob a constelação do sol atingirá eminência, e aquele nascido sob Vênus se tornará rico e imoral. Quem nasce sob a Lua sofrerá o mal. Aquele nascido sob Saturno sofrerá frustração, sob Júpiter será justo, e o nascido sob Marte será um cirurgião ou um abatedor.2 O dia do nascimento portanto é visto pelos rabinos como um dia no qual a sorte astrológica pessoal está na fase mais potente.3
Há uma desconfortável contradição inerente em tudo isso. Embora a astrologia seja proeminente na filosofia rabínica, a lei judaica adverte contra procurar conselho de astrólogos.4 Porém se a astrologia é uma ciência verdadeira, por que não consultá-la?
A parábola midráshica a seguir esclarece isso.
Um rei conquistou uma nova província, e a elite local decidiu que precisava forjar conexões com os novos governantes. Alguns decidiram fazer amizade com os duques, outros com os cavaleiros e outros ainda com os ministros. Os mais sábios dentre eles declararam: “Fingirei uma conexão com o próprio rei.” Ele argumentou: “Todos os ministros, cavaleiros e duques mudam; no entanto, o rei sempre será rei.5
Assim também, continua o Midrash, algumas pessoas atribuem poder às constelações e desejam servi-las. Os monoteístas, porém, percebem que D’us é o supremo poder, e que todos os outros poderes nada mais são que servos obedientes que cumprem Sua vontade.
Visto que tudo no universo está sujeito às leis de causa e efeito, segundo a natureza o mês de Adar é um mês astrologicamente afortunado, e o dia de aniversário tem potencial único para o celebrante. Porém, confiar na astrologia poderia levar alguém a concluir que a natureza tem uma vida própria, e que as esferas celestiais têm poderes independentes da vontade de D’us. De fato, essas nada mais são que uma manifestação da vontade Divina.
É por isso que a prece é tão importante. A vida mundana busca nos convencer que a vida é ditada pelas leis da natureza. A prece nos lembra que a natureza é controlada por D’us.
A mensagem é clara: a natureza e suas leis – incluindo as verdades astrológicas – exercem uma influência em nossa vida. Apresenta-nos tempos e circunstâncias auspiciosas, e outras não auspiciosas; imbui nosso caráter com determinados traços e tendências. No entanto, a pessoa deve reconhecer que o poder supremo não está na “natureza” mas sim com o Criador do céu e da terra.6

Nota do blogger: é para nós, estudantes dos textos bíblicos, importante ter em mente que nenhum estudo acerca do Tanakh se dará completo em meios cristãos. Isto é fato. No entanto está ao nosso alcance o conhecimento necessário para que possamos ao menos conhecer parte do sentido literal da Torah. Por isso, é sempre recomendável que tenhamos uma cópia hebraica destes livros. O porquê disso será explicado mais adiante. Bençãos à todos!
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NOTAS:
1 – Talmud, Taanit 29 a-b
2 – Talmud, Shabat 156a. Embora o consenso rabínico afirme que os judeus não são afetados pelo mazal, o grande talmudista medieval Ritva (Rabi Yom Tov ibn Asevilli, cerca de 1300), sugere que nesse contexto a palavra mazal deve ser entendida como um termo genérico para “decreto” em vez de constelações. Ele portanto sugere que quando os rabinos do Talmud dizem que os judeus não são afetados pelo mazal, eles querem dizer que podem subverter decretos Divinos através do cumprimento de boas ações (Taanit 29a).
3 – Veja Talmud Jerusalém, Rosh Hashaná 3:8, sobre os amalequitas; em sua guerra contra os israelitas, eles usaram soldados que estavam celebrando seus aniversários naquele dia, para que tivessem uma vantagem astrológica sobre o inimigo.
4 – Talmud, Pessachim 113b.
5 – Midrash Rabbah, Eichah 3.
6 – Deve-se notar, porém, que nem todos os rabinos acreditavam na verdade da astrologia. De fato, o grande codificador do Judaísmo e filósofo Maimônides (Moses ben Maimon, 1135-1204), descartava a astrologia como não tendo validade. Veja sua Epístola a Yemen, cap. 3, e seu Comentário sobre a Mishná, Avodá Zará 4:7.
Deve-se notar também que nada disso tem a intenção de endossar a “astrologia” dos dias de hoje, praticadas por astrólogos pop e publicada na Internet e nos “horóscopos” dos jornais, que provavelmente tem pouca ou nenhuma relação com a antiga ciência da astrologia mencionada no Talmud.

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Respostas de 6

  1. Só pra deixar registrado que a diferença entre o Tanakh e o Antigo Testamento não é apenas de tradução. Há cortes e adições de parágrafos inteiros que distinguem os dois textos. Se alguém quiser ver com os próprios olhos, o Livro de Ester talvez seja o mais óbvio para comparar.

  2. Ótimo texto. Gostei do rigor quanto às citações. Já vi diversos textos no Teoria da Conspiração que citam trechos inteiros de diversos autores e não se dão o trabalho de citá-los. Trazer essas exigências acadêmicas para a internet proporciona mais credibilidade ao seus textos.
    Gostaria que você indicasse alguma breve bibliografia sobre o Talmud.
    obrigado, Rodrigo

  3. “É por isso que a prece é tão importante. A vida mundana busca nos convencer que a vida é ditada pelas leis da natureza. A prece nos lembra que a natureza é controlada por D’us.”
    Muito boa toda a observação acerca da astrologia, no entanto discordo desse trecho. Esse ato de separar D’us da natureza é ao meu ver o primeiro erro Cristão, aliás, das religiões monoteístas. Colocar D’us acima da natureza é criar o senso de hierarquia tão desejado pelos dogmas afora… Colocar D’us ao lado da natureza é tornar a criação parte dos dois, e portanto eternamente os dois… sem separação, sem maniqueísmos infantis.
    Identificar a força maior como D’us é ao meu ver um costume tolo, uma forma pré definida… é um molde. A superioridade do criador ao meu ver está no fato dele ser tão quanto sua criatura, sem se perder nela, sem ser ela. E estes dois princípios andam juntos sempre… se moldando ao longo das eras.
    A natureza é em si tão divina quanto esse boneco que institucionalizaram como D’us… Separar isso não é sensato, à menos que o objetivo seja somente teórico… a vida não se separa dela em nenhum momento.
    E como bem sabemos… O ser maior tão másculo, para todas essas religiões é um estéril, não cria nada, só destrói… Agora uma força maior parceira da natureza, da sua forma feminina, é nobre, por ser real.
    Grato
    Djaysel

    1. Acredito que ao colocar que Deus controla a Natureza, Jeff não está inferiorizando a Natureza, apenas constatando que Ela é uma parte do Todo como nós. Entregar-se totalmente às informações que a astrologia (ou astrólogos) oferece, é negar o que há além, como se isso fosse o parâmetro máximo.

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